Dezassete em cada 100 pessoas com 15 anos ou mais em Portugal Continental têm o vício de fumar, revela o último Inquérito Nacional de Saúde, relativo ao ano de 2019, tornado público esta sexta-feira pela Direção-Geral de Saúde (DGS). Entre os inquiridos, 14% confessaram que fumava diariamente e 3% afirmaram que o fazia ocasionalmente. O país regista assim uma diminuição no consumo de tabaco na ordem dos três pontos percentuais em cinco anos — em 2014, a prevalência do consumo (diário ou pontual) atingia os 20%.
Essa diminuição também se verificou nas mulheres, entre as quais o consumo permanecia em tendência crescente desde 1987. Os dados de 2014 apontavam que, entre as pessoas do sexo feminino a partir dos 15 anos, 13,2% fumavam. Cinco anos depois, a percentagem baixou para 10,9%. A diminuição do tabagismo entre os portugueses e em particular entre as mulheres, eram dois dos objetivos do Programa Nacional para a Prevenção do Controlo do Tabagismo (PNPCT).
Em declarações ao Observador, o médico António Morais, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e clínico do Centro Hospitalar Universitário São João, considera que a queda no consumo de tabaco “fica aquém daquilo que seria o desejável”: “Percebe-se que, do ponto de vista global, o que se passou foi a substituição do tabaco tradicional por cigarros eletrónicos em alguns setores da população”.
Ainda assim, esse decréscimo são boas notícias para a saúde pública. O médico considera que a diminuição dos hábitos tabágicos entre as mulheres “é francamente positivo”. Nas ultimas décadas, médicos e investigadores perceberam que o aumento deste vício entre as mulheres aumentaria a prevalência de condições como a doença pulmonar obstrutiva crónica e as neoplasias, mais comuns entre os homens. Mas os valores apresentados esta sexta-feira “contrariam efetivamente essa tendência”.
Apesar de o consumo tabágico nos 12 meses anteriores ao inquérito ter diminuído em 18,4% entre 2014 e 2019, o consumo de cigarros eletrónicos sofreu um aumento de 7,2%. Entre os jovens com 13 a 18 anos, apesar da redução no consumo de tabaco, aumentou a utilização de cachimbo de água e tabaco aquecido. Nessas idades, os cigarros tradicionais são o produto mais mencionado por quem já experimentou estas drogas — 29,3% dos inquiridos já consumiram cigarros. Seguem-se os cigarros eletrónicos (22,2%), o cachimbo de água ou shisha (15%) e o tabaco aquecido (4,9%).
Preocupado com este fenómeno, o pneumologista António Morais avisou que estes dispositivos estão associados ao surgimento de inflamação aguda, com insuficiência respiratória grave, que se podem traduzir na necessidade de internamento em cuidados intensivos e até na morte do doente. Estas complicações serão provocadas pela toxicidade induzida pelos produtos que os compõem, que são vários e que podem ser adicionados pelo fumador. Mas “só ao fim de anos é que temos a noção precisa do potencial malefício dos vários componentes”, ressalvou o especialista.
O médico pede às autoridades de saúde que tenham “preocupação máxima” com o consumo de tabaco aquecido, que não só contêm vários produtos encontrados no cigarro tradicional, como outros cujo potencial malefício ainda não foi completamente apurado. “A publicidade enganosa a estas novas dispositivos é feita de forma livre e agressiva, o que tem de ser contrariado, sendo uma medida de saúde pública urgente”, apelou António Morais.
Este é, aliás, um alerta que já foi feito pela Organização Mundial de Saúde. Mas que não bastou: o Inquérito Nacional de Saúde revelou que quem já experimentou o tabaco aquecido (8% dos voluntários) fê-lo pela convicção de que são menos perigosos que os cigarros tradicionais, por influência dos amigos e por acreditarem que estes dispositivos os ajudariam a deixar de fumar ou a reduzir o consumo tabágico.
Até porque, ainda que menos pessoas fumem neste momento em Portugal Continental, o vício contribuiu para 32,6% dos óbitos por doença respiratória crónica, 19,1% por cancro, 8,5% por doenças cérebro-cardiovasculares, 9,8% por diabetes mellitus tipo 2 e 14% por infeções respiratórias do trato inferior. Segundo António Morais, calcula-se que a cada hora morra um doente com uma doença relacionada com o tabaco.
Também ficou por resolver a assimetria do consumo entre as regiões do país. Embora ele tenha decrescido em todas as zonas, as mudanças não foram homogéneas: a maior redução da prevalência de fumadores foi observada no Algarve (-23,8%); e a menor na região do Alentejo (-10,3%). A região autónoma dos Açores continua a ser a que tem mais fumadores (23,4% da população), seguida do Alentejo (19,1%). O combate a estas desigualdades era uma das missões do PNPCT, mas ficou por cumprir.
As autoridades de saúde referem no relatório publicado esta sexta-feira que a pandemia trouxe novos desafios no combate ao tabagismo. O documento fala mesmo num “significativo retrocesso” no programa de cessação tabágica, com menos consultas realizadas e uma quebra nas vendas de medicamentos utilizados para esse fim, como a vareniclina. Registou-se, no entanto, um aumento “ligeiro” na venda de medicamentos para substituir a nicotina.
Outro inquérito, realizado pela comissão de trabalho de tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, revelou que os portugueses fumaram menos na primeira vaga e aumentaram o consumo tabágico nas segunda e terceira vagas — provavelmente por causa da fadiga pandémica e do confinamento, mas também com todos o impacto que a pandemia teve na vida económica e laboral. “Pode, como em outras problemas de saúde pública ter um impacto disruptor e negativo”, confirmou António Morais.
Deixar de fumar melhora a saúde 20 minutos após o último cigarro
Em maio deste ano, para marcar o Dia Mundial Sem Tabaco, celebrado a 31 de maio, a Liga Portuguesa Contra o Cancro descreveu como a saúde de um fumador melhora à medida que o tempo passa desde o último cigarro. Vinte minutos após o último consumo, a frequência cardíaca e tensão arterial descem. Doze horas depois, os níveis de monóxido de carbono no sangue voltam ao normal.
Ao fim de duas a 12 semanas após o último cigarro, a circulação sanguínea melhora e a função pulmonar aumenta. Um a nove meses depois, a tosse e a falta de ar diminuem. Basta um ano sem fumar para o risco de enfarte do miocárdio reduzir para metade; e dois a cinco anos para o risco de acidente vascular cerebral ser aproximadamente o mesmo de uma pessoa que nunca fumou.
No espaço de cinco anos, o risco de cancro da boca, garganta e esófago é reduzido para metade; e o risco de cancro da laringe e do colo do útero também diminui. Dez anos depois de ter deixado de fumar, o risco de cancro do pulmão é metade daquele que um fumador apresenta.
E quanto mais cedo começar, melhor. Quem deixar de fumar por volta dos 30 anos de idade, ganha quase dez anos de esperança de vida. Se começar aos 40 anos, ganha nove. Por volta dos 50, ganha seis anos de expetativa de vida; e por volta dos 60 conquista três. Além disso, as pessoas que deixam de fumar após ataque cardíaco reduzem o risco de ter outro em 50%.
Este artigo foi atualizado para acrescentar a reação do pneumologista António Morais aos dados apresentados no relatório.