É inconstitucional. Teresa Violante, Paulo Otero e José Melo Alexandrino, todos constitucionalistas, não têm dúvidas de que o Governo não podia, através de uma resolução de Conselho de Ministros, decretar recolher obrigatório nos concelhos considerados de risco elevado ou muito elevado no que à propagação da pandemia diz respeito.

Apesar disso, foi essa a decisão que saiu esta quinta-feira da reunião da equipa ministerial de António Costa e é apoiada pelo Presidente da República, que não lhe encontra inconstitucionalidades. A partir desta sexta-feira, entre as 23h00 e as 5h00, a população de 45 concelhos está proibida de circular na via pública. A medida não contempla exceções, nem mesmo para quem tenha certificado digital confirmando a toma de duas doses de vacina contra a Covid-19, e é válida todos os dias da semana.

“Tenho as maiores dúvidas sobre a constitucionalidade das regras”, diz constitucionalista

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O problema? A liberdade de circulação é um direito fundamental, consagrado na Constituição da República e, segundo o seu artigo 19.º os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência. É isso mesmo que argumenta Teresa Violante.

“Se é feito através de uma resolução do Conselho de Ministros não é constitucional. Só poderia ser feito se houvesse estado de emergência declarado ou através de uma lei da Assembleia da República”, defende a constitucionalista, já que o Parlamento é o órgão constitucional competente para restringir direitos fundamentais.

“Mesmo que fosse um decreto lei teria de ter autorização parlamentar. Não precisamos do estado de emergência, mas precisamos do Parlamento para limitar a circulação das pessoas”, acrescenta.

45 concelhos (incluindo todos os da grande Lisboa) com recolher obrigatório às 23 horas

Já Paulo Otero diz que o país está num estado de emergência material, sem um estado de emergência declarado. “À luz da Constituição não podia acontecer, mas a lei de bases da Proteção Civil abre a porta a que isso aconteça de forma inconstitucional”, defende. Crítico da decisão, diz que tem sido prática sistemática adotar em estado de calamidade medidas que só poderiam ser tomadas em estado de emergência, sempre sob a cobertura da lei da Proteção Civil.

Esta, lembra o constitucionalista, abre a possibilidade de restringir de alguma forma a circulação dos cidadãos, como quando se criam cercas sanitárias à volta de uma localidade.

“A Constituição está hoje na arqueologia jurídica”, diz. Em causa, Paulo Otero põe também a proporcionalidade da medida: “O vírus tem hora para agir? É adequado este horário? Claro que percebemos que o objetivo é acabar com jantaradas e noitadas, mas isso também se pode fazer dentro de casa.”

Por seu lado, José Melo Alexandrino defende que o país “tem abusado do estado de emergência”. Assim, na opinião do constitucionalista que tem sido muito crítico, nos últimos meses, de algumas das decisões que o Governo tem tomado ao abrigo deste chapéu, nem mesmo com o estado de emergência declarado esta medida deveria ser tomada.

“O que precisamos não é de um estado de emergência. Precisamos, isso sim, de uma lei de emergência sanitária que previsse estas medidas e muitas outras”, conclui.

Para Marcelo, recolher obrigatório é constitucional

Em Castelo de Vide, Portalegre, o Presidente da República comentou a decisão do Governo. Para Marcelo Rebelo de Sousa, que foi professor catedrático de Direito, a decisão não viola a Constituição da República e o Executivo de Costa está a desenvolver um caminho “diferente” e “alternativo” no combate à pandemia.

“É a utilização de uma lei que já existe e, portanto, perfeitamente legal e constitucional, e que é justificada para se intervir seletivamente nas situações mais graves ou muito graves”, afirmou. Para situações diferentes tem de se encontrar soluções diferentes, disse o chefe de Estado, “e a solução diferente que é encontrada agora, não é uma solução nem de estado de emergência de confinamento total em todo o território, mas intervenções que são seletivas em função da situação dos municípios”.