Vêm aí os dias quentes que terminam no palco. De 2 a 25 de julho, em sete teatros de Almada e Lisboa, o 38.º Festival de Almada apresenta 21 produções distribuídas por 108 sessões. É uma edição particular, celebrando os 50 anos da fundação do Grupo de Campolide, estrutura que antes dava nome àquilo que hoje conhecemos por Companhia de Teatro de Almada (CTA). E já que a ocasião pede fato de gala, a CTA estreia duas produções: com Hipólito, o consagrado encenador Rogério de Carvalho atira-se à Grécia Antiga e a Eurípedes; e Um gajo nunca é a mesma coisa tem texto e encenação de Rodrigo Francisco, diretor artístico da CTA.

O tudo-à-grande continua, ou pelo menos volta a mostrar a silhueta, noutras zonas do festival. Isto é, os espectáculos de alta rotação internacional que tanta falta fizeram na reduzida e mascarada edição de 2020 estão de volta a Almada. Josef Nadj, nome incontornável da dança contemporânea, assume lugar de destaque na 38.ª edição do Festival de Almada — ele que já em 2011 apresentou Les Corbeaux (Teatro Camões) e em 2014 Paysage Inconnu (Teatro Nacional D. Maria II) no certame almadense e no inverno de 2016, em fevereiro, passou pelo Teatro Municipal Joaquim Benite com Pour Dolores. Além de trazer Omma, a sua mais recente criação, ao palco da Sala Principal do Teatro Municipal Joaquim Benite, o coreógrafo de origem sérvia e húngara vai dirigir O Sentido dos Mestres, a já habitual formação — através de cinco encontros com Nadj — que o Festival de Almada promove para profissionais das artes performativas.

Mónica Bellucci, a diva do cinema italiano, estreia-se em palcos nacionais e logo à boleia de Tom Volf, fotógrafo, realizador e também encenador que tem trabalhado a obra da cantora Maria Callas em vários formatos artísticos. Ivo Van Hove, um dos mais importantes criadores europeus e diretor artístico do fulcral Toneelgroep (de Amesterdão), traz Quem matou o meu pai ao Teatro Nacional D. Maria II, texto de Édouard Louis um dos novos grandes autores franceses da atualidade, que além de ser adaptado para a cena por pelo criador belga terá honras idênticas por parte de Ivica Buljan. O encenador croata que tem passado várias vezes por Almada atira-se ao segundo romance do jovem autor francês: História da Violência.

Rogério de Carvalho acaba por ser outro dos destaques deste festival, uma vez que além de Hipólito para a CTA vai apresentar ainda Lorenzaccio numa co-produção do Teatro do Bolhão com o Teatro Nacional São João. Também a temática do pós-colonialismo assume um papel preponderante na programação do festival, trazida para cena e para uma discussão tão premente que emana dos espectáculos Um gajo nunca é a mesma coisaAurora Negra (Cléo Diára, Isabél Zuaa e Nádia Yracema) e Corpo Suspenso (Rita Neves).

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Só bons motivos para rumar à margem certa. De seguida, deixamos-lhe oito sugestões de espectáculos que consideramos imperdíveis. É claro que, em podendo, é ir a todos.

“Hipólito”

Teatro Municipal Joaquim Benite: 2 e 3 de julho às 20h30; 4 de julho às 16h

As 50 velas da Companhia de Teatro de Almada apagam-se à boa maneira da tragédia grega, com Hipólito, de Eurípedes, nunca levado à cena profissionalmente em Portugal. É mais um encontro do encenador Rogério de Carvalho com a Companhia de Teatro de Almada que recupera a Fedra, de Jean Racine (espectáculo que encenou na Sala Principal do Teatro Municipal Joaquim Benite em 2006) para a fazer dialogar com Eurípedes. O elenco é praticamente composto por intérpretes da casa, como Teresa Gafeira e Marques d’Arede que já tinham feito parte dessa aventura de 2006 — o mesmo se pode dizer do cenógrafo José Manuel Castanheira e da figurinista Mariana Sá Nogueira. Cláudio da Silva, que tem vindo a trabalhar regularmente com Rogério de Carvalho, é outros dos atores presentes.

“História da Violência”

Fórum Municipal Romeu Correia: 2 a 5 de julho às 20h30 (e dia 3 também às 15h)

Outro dos espectáculos que abre o Festival de Almada no próximo dia 2 de julho é História da Violência, um texto de Édouard Louis que o encenador Ivica Buljan adapta para cena. O criador croata é um velho amigo do festival e aqui tem trazido as suas criações intensas e lascivas, quase sempre em torno desse organismo estranho e indefinível que é o amor. Depois de Macbeth (2014, Shakespeare), Pílades (2016, Pasolini) e Final do Amor (2018, Pascal Rambert), com tempo de sobra para um Cais Oeste (Bernard-Marie Koltès) encenada para a CTA em 2014, o cofundador do Mini Theater de Ljubjlana, fixa atenções na obra de Louis que faz uma denúncia, a seu ver, “do racismo, da homofobia e dos mecanismos de dominação ocultos nas sociedades capitalistas”.

“Duas Personagens”

Teatro-Estúdio António Assunção: 7 a 14 de julho às 20h30 (e dias 10 e 11 também às 15h)

Carla Galvão e Sara de Castro são duas das mais importantes atrizes da praça portuguesa, com percursos distintos, e dialogam com o Teatro Meridional, Artistas Unidos e com o Teatro dos Aloés no caso da primeira, a Útero e o Teatro O Bando no caso da segunda. Juntam-se agora para mais uma estreia nacional no Festival de Almada, à boleia do clássico de Tennessee Williams e do lugar do teatro, onde estás, meu querido, para que serves, como fazes o mundo girar. Por aqui está tudo exposto: as atrizes, o cenário, o texto, a luz. E se um dia não existir mais teatro?

“Quem matou o meu pai”

Teatro Nacional D. Maria II: 8 e 9 de julho às 20h; 10 de julho às 19h

Muda-se o criador, mantém-se o autor. O distinto encenador belga Ivo Van Hove agarra-se a um texto profundamente anti-homofóbico de Édouard Louis e oferece ao genial actor Hans Kesting — que em outubro de 2019 vimos brilhar em Ibsen House, no Teatro Nacional D. Maria II — um monólogo que promete ser um dos melhores momentos da 38.ª edição do Festival de Almada. Foi sobre este texto que Louis disse a Emmanuel Macron, via Twitter: “Escrevi isto para o desgraçar”. O que disto fará Ivo Van Hove é uma oportunidade que ninguém deve perder.

“Omma”

Teatro Municipal Joaquim Benite: 9 e 10 de julho às 20h30; 11 de julho às 18h

Com oito bailarinos africanos (de países distintos como o Congo, o Mali, o Burkina Faso, o Senegal e a Costa do Marfim), o brilhante coreógrafo larga as máscaras e regressa ao universo da simplicidade através da dança. Com uma forte componente musical que apela ao movimento, à voz e aos corpos destes intérpretes, Nadj confronta o seu universo com aqueles que decidiu colocar em cena — transversalmente diferente — com pequenas narrativas que geram ecos, sons, gestos. Nadj é ainda figura de proa neste Festival, assumindo a direção da formação O Sentido dos Mestres que decorre de 10 a 14 de julho no Fórum Municipal Romeu Correia.

“Corpo Suspenso”

Incrível Almadense. 9 a 12 de julho às 20h30 (e dias 10 e 11 também às 15h)

Formada no CENDREV e na Escola Superior de Teatro e Cinema, Rita Neves é uma atriz e criadora com ligações a’O Teatrão, às Comédias do Minho, a Tiago de Faria e a Margarida Bento e a Tiago Vieira, fundadores da Latoaria, onde estreou Corpo Suspenso em Abril deste ano. Depois de Brel como num Sonho, a sua primeira criação, Corpo Suspenso parte da ideia do corpo como arquivo que faz parte da sua investigação do Mestrado de Estudos de Teatro, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A partir da experiência do seu pai na Guerra Colonial, Rita Neves explora o “corpo como lugar de memórias”.

“Um gajo nunca mais é a mesma coisa”

Teatro Municipal Joaquim Benite. 14, 15, 16, 21, 22 e 23 de julho às 20h30; 17, 18, 24 e 25 de julho às 18h

O texto e a encenação são de Rodrigo Francisco, a partir de entrevistas ex-combatentes da Guerra Colonial, que o diretor artístico da CTA considera que foram injustamente retratados em alguns espectáculos de teatro documental que têm sido criados em Portugal sobre o tema do pós-colonialismo. Parte de relatos reais, mas não deixa de ser ficção. Um gajo nunca mais é a mesma coisa é mais uma criação da CTA, em co-produção com a ACTA — A Companhia de Teatro do Algarve, que estreia neste 38.º Festival de Almada.

“Molly Bloom”

Incrível Almadense. 20 a 24 de julho às 20h30; 25 de julho às 16h

Quem esteve lá sabe do que falamos: a edição de 2018 do Festival de Almada não seria a mesma sem O Quarto de Isabella. Apesar de ter estreado em 2004 no Festival d’Avignon, esse espectáculo percorreu o mundo e apresentou-se, finalmente, em Almada sob direção de Jan Lauwers, com protagonização da impressionante atriz Viviane de Muynck. A estrutura Needcompany regressa desta vez com Molly Bloom, a partir do último capítulo de Ulisses de James Joyce, um trabalho que Lauwers e Muynck começaram em 1999 e que, portanto, dada a categoria dos seus criadores, deve assegurar um dos pontos altos do Festival.

“Maria Callas – Cartas e Memórias”

Centro Cultural de Belém, grande auditório. 10 e 11 de Julho às 19h

Em 2013, Tom Volf, jovem realizador e fotógrafo francês, viu no MET, em Nova Iorque, uma performance que continha música do grande compositor de ópera italiano Gaetano Donizetti. Ficou embasbacado. Percorreu toda a internet em torno de obras operáticas italianas e numa delas cruzou-se com a voz de Maria Callas. Mais embasbacado ficou. Girou todo o seu foco artístico para uma investigação centrada na vida e obra da soprano grega que foi uma das maiores vozes do século XX. Daí já resultaram três livros, um filme e agora um espectáculo de teatro com a diva italiana Monica Bellucci, que se estreia nos palcos e em Portugal, numa oportunidade rara de a observar de forma tão próxima.