Quão difícil é imaginarmos a vida sem a Google? Bastante. Se não acredita, comece por pensar nas últimas pesquisas que fez, naquela dúvida gramatical que tirou há uns dias, a dose exata de tomate que precisou de rever para o gaspacho que fez ou naquela publicidade à bicicleta que pensou comprar e que, misteriosamente, lhe apareceu no Instagram quando fazia scroll. Estranho? Não propriamente. E precisamente por não o ser é que cada vez mais pessoas procuram alternativas ao motor de busca da gigante e tecnológica americana.

O Neeva é um dos mais recentes operadores a entrar neste mercado e, apesar de estar num setor em que a escala conta, a missão é clara: oferecer um serviço alternativo ao que a Google instituiu, livre de anúncios ou de tracking, centrado no utilizador e nas pesquisas orgânicas. Quer isto dizer que, ao contrário do que acontece atualmente quando iniciamos uma pesquisa Google — em que os resultados são filtrados pelo nosso histórico de internet e dão prioridade à monetização — , o Neeva promete devolver-nos ao objetivo primordial da Google, a organização de informação conforme requerida pelo utilizador. É aqui que entra um dos principais fatores diferenciadores do Neeva em relação a, por exemplo, o DuckDuckGo ou o Swisscows, dois motores de busca focados na privacidade de quem os usa – é que o Neeva tem custos para o utilizador. Mas já lá vamos.

A ideia para este motor de busca oficializou-se em 2019 pela mão de dois ex empregados da Google, Sridhar Ramaswamy (ex-SVP de Ads) e Vivek Raghunathan (ex-VP de Monetização do YouTube), entre cafés e caminhadas, e conta ainda com outras caras que fizeram parte da gigante tecnológica como Bill Coughran (investidor, ex-responsável pelas pesquisas Google) ou Margo Georgiadis (investidora, ex-presidente da Google Américas).

A esta receita, aliás, junta-se uma força de trabalho ex-Google que compõe 30% da empresa (dos 25 empregados referidos pelo The New York Times) e que inclui pesos pesados como Udi Manber (um ex-chefe de pesquisa da Google) e Darin Fisher (um dos inventores do Chrome), razão pela qual o Neeva parece gozar de um otimismo pouco comum no meio, tendo em conta que está a construir alicerces num mercado dominado em 90% pela Google. Ainda assim, a empresa conseguiu assegurar um financiamento que ronda os 77,5 milhões de dólares (cerca de 65 milhões de euros) provenientes da Greylock e Sequoia, segundo dados da publicação Fast Company.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mas como é que tudo isto vai funcionar e em que moldes?

Comecemos pelo princípio. É preciso perceber, antes de mais, que o Neeva não é um motor de busca totalmente novo, construído de raiz: as classificações de pesquisa são fornecidas pelo Microsoft Bing, as informações meteorológicas vêm de weather.com, os dados da bolsa chegam da Intrinio, os mapas são da Apple e as questões dos utilizadores devem ser respondidas pela Quora ou pelo Medium. Aos últimos dois, segundo avança a Reuters, a startup pagará pelo menos 20% da receita, que será depois distribuída pelos colaboradores de cada uma – expandindo depois a outros – num modelo de negócio que contraria a prática recorrente da Google.

Noutro ponto, o interface, por exemplo, será semelhante ao que conhecemos numa pesquisa Google mas, ao invés de publicidades, este mostra-nos um conjunto de slogans como “Sem anúncios aqui” ou “Você não é o produto”. Há sugestões automáticas conforme vamos escrevendo, além de links para pesquisas relacionadas. As filas de vídeos e notícias são intercaladas ao longo dos resultados e a coluna geralmente inclui um bloco de factos sobre o que foi pesquisado com base em fontes como a Wikipedia.

Relativamente à homepage, que no Google consiste num campo de pesquisa, botões “Pesquisa”, “Sinto-me com sorte” e uma extensão de espaço em branco, no Neeva, a aposta foi para os widgets personalizáveis. Nestes, podemos incluir informações sobre o clima local, preços de ações e notícias, estas últimas personalizáveis consoante a fonte e periodicidade. Outra característica que distingue a startup é a interação com serviços de terceiros.

“Pode conectar o serviço a fontes de informação como o e-mail e calendário do Gmail ou Outlook, ao armazenamento do Google Drive ou Dropbox e / ou à conta do Slack ou Jira”, explica a Fast Company. O Neeva irá depois indexá-los e intercalar o material destes nos seus resultados de pesquisa, bem como apresentá-lo num separador “Pessoal”.

E em relação aos custos, tenho de pagar para usar o Neeva?

Tem, mas a startup acredita que o caminho é a democratização do serviço e, por isso, fixou-o para já em 4,95 dólares mensais (4,17 euros aproximadamente), com a oferta dos primeiros três meses. Este preço será fixo para quem quiser fazer parte do projeto num futuro próximo. Com este valor, o Neeva quer tornar a experiência do utilizador bastante mais real e personalizada, dando-nos várias opções.

As aplicações e extensões da empresa permitem implementar recursos relacionados à privacidade. Ao navegar num site, por exemplo, o utilizador pode clicar num ícone próximo ao endereço para obter um resumo dos rastreadores que este contém, percebendo assim quais os que monitorizam a sua navegação para fins de publicidade e outros; também pode ativar um recurso chamado “Prevenção de rastreamento, que bloqueia essa mesma vigilância e acelera a renderização da página.

“Para nós, é uma questão ética: não quero interromper a capacidade de outras pessoas para monetizar”, afirma Sridhar Ramaswamy ao Fast Company, sobre esta funcionalidade do serviço, permitindo aos criadores de conteúdo uma fonte de rendimento.

Relativamente à proteção de dados, o que é que será recolhido?

Seria de esperar que uma empresa constituída maioritariamente por ex-Googlers insatisfeitos estivesse no espectro oposto relativamente às práticas da gigante tecnológica. E essa é uma das bandeiras que a Neeva leva como trunfo, diz David Doty na Forbes. Já no site oficial da startup, na secção de perguntas frequentes, ficamos com a mesma impressão, mas mais detalhada.

“Se conectar o Neeva a uma fonte de dados externa, como G Suite, Office 365 ou Dropbox, processaremos os dados que recebermos dessa fonte externa, que podem incluir informações pessoais como email, documentos, contactos e calendário. Essas informações são usadas para lhe mostrar, somente a si os resultados pessoais quando pesquisa no Neeva”, lê-se

No mesmo separador pode ler-se ainda “quando usa o Neeva, associamos uma quantidade limitada de informações sobre si à sua conta para tornar o produto melhor. Essas informações são excluídas automaticamente após 90 dias por padrão (os controlos para isso estarão disponíveis em breve!). Esta informação nunca será vendida ou usada com o propósito de lhe vender produtos.”

Sobre a segurança daquilo que disponibilizamos e do que vemos no Neeva, também existe esclarecimento no site: “Todos os dados que conectar e gerar através do uso do Neeva, incluindo o seu histórico de pesquisa, são encriptados em repouso nos nossos servidores e em trânsito (ou seja, se os dados estão a ser transmitidos através da rede da startup ou na Internet). Nós mostramos apenas aquilo a que você tem acesso. Não mostramos nada que é seu a ninguém.”

Neeva está disponível como aplicação de navegação de iOS e como extensão de navegador, sendo compatível com o Chrome, Firefox, Brave, Edge e Safari, mantendo sempre as características de privacidade. Para os dispositivos móveis – para já disponível apenas para iOS –, o download pode ser feito através da App Store, sendo que é esperada uma versão Android para breve.