Foram quatro horas e meia a responder aos deputados sobre política geral de saúde, com a pandemia a ser o prato forte do dia. E foi a falar de Covid-19, numa das respostas ao deputado Ricardo Baptista Leite (PSD), que Marta Temido tocou na ferida que nas últimas semanas levou primeiro-ministro e Presidente da República a andarem desalinhados. Questionada sobre se o Governo deveria ir mais longe nas medidas para conter o coronavírus, incluindo o regresso ao estado de emergência, a ministra deixou claro que “não há impossibilidades totais”. Mas não deixou de frisar que essa é uma decisão que está, antes de mais, nas mãos de Marcelo Rebelo de Sousa. 

Marta Temido, que falava no Parlamento na última audição regimental desta legislatura, frisou também que a situação do país é bastante diferente da do início do ano, já que os números de doentes graves e de mortes não espelham a realidade de ondas anteriores — aquele que tem sido, aliás, o argumento de Marcelo para pôr de lado o regresso ao estado de emergência que tem sempre de passar pelo Parlamento para ser aprovado.

“Não é só o Governo que opta pela utilização de um determinado mecanismo de enquadramento, também a Assembleia da República e o Presidente da República têm uma palavra e saberão, em cada tempo desta evolução, voltar ou não a recorrer a mecanismos que a lei tem especificados. Não há impossibilidades totais, há necessidades de avaliação constante”, argumentou a ministra da Saúde.

Mais 650 mil portugueses vão ter médico de família

Para além da pandemia, uma pergunta recorrente dos deputados prendeu-se com a falta de especialistas nos cuidados de saúde primários, numa altura em que o número de pessoas sem médico de família em Portugal voltou a ultrapassar, em junho, a barreira de um milhão de utentes.

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“É uma circunstância que é fruto do que são os direitos do trabalhadores, pelo decurso do seu exercício profissional”, disse a ministra, referindo-se às aposentações e lembrando que, atualmente, há 346 médicos reformados a reforçar os serviços de saúde. Para inverter a situação, o esforço do Governo é de contratar quem quer trabalhar no SNS, “garantido que não há nenhum médico que queira ser contratado que fique por contratar”.

“Não é surpresa nenhuma este volume de aposentações, pois sabia-se que ia confluir para os anos que estamos a viver”, afirmou a ministra. Se, frisou Marta Temido, em 2019 se aposentaram 409 médicos, em 2020 foram 653 e, nos primeiros meses de 2021, aposentaram-se 231 profissionais, a maioria médicos de família (131).

Sendo sabido que “não vamos reter todos os postos que agora abrimos”, a ministra lembrou que a taxa de retenção de profissionais é de 86%. A partir daí, as contas são simples. Dos 459 postos abertos na sexta-feira passada para médicos de família, 395 deverão ficar no SNS. “Se atribuirmos uma lista média de utentes de 1.650 a cada um, iríamos recuperar e conseguir ter mais 650 mil portugueses com médicos de família”, argumentou.

No entanto, a ministra da Saúde lembra que só desde o início do ano entraram 75 mil novos pedidos de inscrição de utentes no SNS o que também desequilibra as contas. Antes de Temido, o secretário de Estado Adjunto e da Saúde já tinha relembrado que, em maio passado, o SNS contava com 147.645 profissionais, mais 7.910 do que há um ano. António Lacerda Sales revelou também que há mais de 4.300 profissionais de saúde alocados à vacinação contra a Covid-19, 620 médicos e 2.626 enfermeiros.

Acréscimos de ordenados foi de 60 milhões nos primeiros 5 meses do ano

Na audição na Comissão da Saúde, Marta Temido assumiu que é preciso reforçar os recursos humanos no SNS e, para isso, o Governo terá de garantir carreiras motivadoras para os profissionais de saúde, assim como melhorar as condições de trabalho, apostando na recuperação de instalações.

Assim, durante a vigência do Plano de Recuperação e Resiliência, haverá 100 novas unidades de saúde a funcionar em Portugal, disse a ministra.

Para dar conta de que o reforço tem sido feito, Marta Temido avançou que nos primeiros cinco meses do ano, houve um acréscimo de 190 milhões de euros com os custos do SNS, 60 milhões só para remunerações.

Alargamento de horário dos centros de vacinação está a ser discutido

Outro tema a que Marta Temido teve de voltar repetidas vezes foi à vacinação contra a Covid-19 e as atuais filas de espera. Isso, explicou, foi “uma escolha”.

“Os constrangimentos resultam da tarefa hercúlea de tentar vacinar mais”, disse a ministra, pedindo a compreensão de todos. “Podíamos fazer mais lentamente, com hora marcada, mas não nos podemos dar essa possibilidade. Escolhemos fazer assim porque queremos vacinar mais depressa.”

A ministra disse mesmo que foi assumido que nesta semana se ia “privilegiar o ritmo ao conforto”, já que se trata de uma “corrida contra a variante Delta”.

Marta Temido terminou dizendo que está a ser estudado o alargamento de horários dos centros de vacinação, com o objetivo de atingir as metas de inoculação o mais rápido possível.

Quanto a metas de vacinação, a ministra relembrou as estimativas da task force: mais de 60% da população com uma dose, mais de 50% com duas doses nos primeiros dias de agosto.

“Chegar a meados de setembro com a vacinação completa em mais de 70%” da população e com mais de 90% com uma dose da vacina contra a Covid “é a aposta, é o plano”, assegurou Marta Temido. A ministra lembrou ainda que as contas para a imunidade de grupo foram feitas com base no vírus nativo, “podendo estar subestimadas” face à propagação da variante Delta.

Nas últimas 24 horas, revelou, foram administradas mais de 150 mil doses da vacina contra a Covid-19, um nove recorde a nível nacional. “A campanha de vacinação prossegue com uma evolução bastante favorável”, disse a ministra, sublinhando o “esforço gigantesco” no plano de vacinação.

De acordo com a task force para a vacinação contra a Covid-19, na terça-feira foram ultrapassadas as 154.600 inoculações, o que faz com que nestes últimos dois dias foram administradas mais de 297 mil vacinas.