A matriz de risco foi uma boa matriz, mas agora está “ultrapassada” e não acompanha os passos seguros que Portugal vai dando na vacinação. Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, assim o resumiu esta quarta-feira, dia em que a organização, de mão dada com o Instituto Superior Técnico, apresentou um novo modelo para tirar a temperatura ao avanço da Covid-19. No momento atual, “a água está a ferver”, disse Henrique Oliveira, um dos matemáticos que criou o modelo que atribui pontos a cada momento da pandemia. Esta quarta-feira, o país estava nos 92,3 pontos, a tocar o valor considerado crítico de 100 pontos. No entanto, Henrique Oliveira frisou que Portugal começou a assistir, desde terça-feira, a uma descida de valores.

Se a proposta dos médicos — que o bastonário diz preferir chamar de Indicador de Avaliação do Estado da Pandemia — vai ser, ou não, adotada pelo Governo para tomar decisões é uma incógnita a que Miguel Guimarães não sabe responder. “Acho que é importante quem tem responsabilidades na área da saúde olhar para isto”, disse aos jornalistas. “Se vão, ou não, adotar, não sei. Há muitas coisas que temos proposto e que não têm sido adotadas”, acrescentou.

A matriz assenta em dois pilares, cinco indicadores

A resposta oficial é a de que, para já, não vai haver alterações. O Observador questionou o Ministério da Saúde sobre a eventual adoção deste mecanismo e a hipótese de alterar a matriz de risco está posta de parte, pelo menos até à próxima reunião no Infarmed, de dia 27. Nesse dia, a equipa de António Costa volta a ouvir a opinião dos especialistas sobre a evolução da pandemia. As declarações mais recentes do Governo sobre o tema, de Mariana Vieira da Silva, foram a afastar essa possibilidade. A ministra da Presidência, a 9 de julho, garantiu que a matriz de risco era para manter, não sendo o único indicador em que o Governo se baseia para tomar decisões.

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Já Marcelo Rebelo de Sousa, defensor de uma nova matriz que olhe para os avanços da vacinação, escusou-se a comentar o assunto, dizendo aos jornalistas que é prematuro falar sobre isso, mas abrindo a porta a que seja um tema a discutir na próxima reunião do Infarmed, no dia 27 deste mês.

Seja chamada de matriz ou de indicador, a ferramenta deverá ficar disponível ainda esta quarta-feira no site da Ordem dos Médicos e no do Instituto Superior Técnico, tendo também seguido viagem para o gabinete de Marta Temido. Miguel Guimarães garantiu haver disponibilidade total da equipa que desenvolveu o modelo para explicar todos os seus pormenores à ministra da Saúde, caso ela assim o entenda.

“A nós compete-nos apresentar soluções e fazer recomendações. Temos obrigação de o fazer, de trabalhar os dados, e as alternativas que são válidas”, frisou Miguel Guimarães. O bastonário argumentou ainda que há dois tipos de decisões: as clínicas, que cabem aos médicos e salvam vidas, e as políticas que “também podem salvar vidas”.

Mortos, internados e cuidados intensivos

O modelo dos médicos assenta em dois pilares e cinco dimensões: mantém os dois indicadores já conhecidos, mas acrescenta outros três. Assim, o R(t), que mede a transmissibilidade do vírus, e a taxa de incidência continuam a ser considerados para avaliar o pilar da atividade da pandemia. Somam-se a estes, o número de óbitos diários e o número de internamentos, quer em enfermaria, quer em cuidados intensivos, para construir o pilar da gravidade da situação.

O matemático Henrique Oliveira frisou que as duas dimensões usadas “são muito importantes, fundamentais para aferir a situação de uma pandemia”, mas já não bastam. “Não dizemos que a matriz de risco não presta, dizemos é que tem de ser complementada.” O investigador, especialista em sistemas dinâmicos, diz ainda que este modelo é adaptável a qualquer nova variante que surja.

A atividade e a gravidade vão então resultar num valor numérico, que vai desde uma situação residual (10 pontos) de pandemia a uma situação crítica (100), passando pela zona de alerta (40) e a de alarme (80). O modelo é simples, até mesmo “democrático”, defendeu o bastonário, já que qualquer pessoa o pode usar em casa.

Para além disso, a sua principal vantagem é ser “uma fotografia diária e real” do momento que vivemos da pandemia, permitindo acompanhá-la de “mais perto e ver o que se pode fazer em cada momento”. Acima de tudo, Miguel Guimarães defende que é preciso sair do binómio “confinar, desconfinar”.

Para o pneumologista Filipe Froes, coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos para a pandemia, a mais valia deste modelo é a possibilidade de atuar e tomar medidas quando elas são necessárias e não à posteriori. Na sua opinião, um gabinete de crise funciona 7 dias por semana e 24 horas por dia, tomando as decisões no momento certo e não uma vez por semana, uma crítica velada ao timings do Governo para anunciar medidas de controle da pandemia.

Durante a conferência de imprensa, todos os participantes frisaram a importância da vacinação para o controle da pandemia, com o bastonário a fazer um agradecimento público ao vice-almirante Gouveia e Melo pelo “magnífico trabalho” na coordenação do plano de vacinação.

Uma vez que este modelo permite também ver em que fase da pandemia o país estaria com e sem administração de vacinas, Miguel Guimarães frisou várias vezes que a campanha de vacinação tem permitido achatar a curva e que a nova matriz é mais uma ferramenta para achatá-la ainda mais. Filipe Froes concordou: “Se não tivéssemos a vacina, hoje estávamos em confinamento.”

Matriz de risco. Mudanças só depois da reunião do Infarmed, diz Governo

Antes de dia 27, data da próxima reunião com especialistas no Infarmed para analisar a evolução da pandemia, não há qualquer hipótese de o Governo mexer na atual matriz de risco.

Questionado pelo Observador sobre uma eventual mudança na matriz, o Ministério da Saúde diz acompanhar diariamente, divulgando com regularidade, os vários indicadores que a Ordem dos Médicos sugere que sejam integrados na matriz de risco: “Estes indicadores têm, de resto, sido tomados sempre em consideração nos processos de decisão.”

A nota do gabinete de Marta Temido refere-se à transmissibilidade do vírus, à taxa de incidência, aos óbitos e aos internamentos (enfermarias e cuidados intensivos).

“O ministério recorda o consenso técnico existente sobre esta matéria e que foi reafirmado na última reunião do Infarmed, realizada em maio, em que os especialistas defenderam a manutenção da matriz de risco definida em março”, lê-se na resposta enviada ao Observador.

Assim, e tendo o Governo convocado nova reunião para dia 27, “apenas nesse contexto, e nunca antes da referida reunião, que qualquer eventual alteração pode ser ponderada”.

(notícia atualizada às 18h32 com a resposta do Ministério da Saúde)