Inicialmente marcadas para esta quinta-feira, as alegações finais do julgamento cível do caso Meco acabaram adiadas para dia 22 de julho. Isto porque os advogados que defendem o ex-dux João Gouveia e Universidade Lusófona querem tempo para analisar documentos técnicos sobre estado do mar trazidos esta quinta-feira por uma testemunha. Só depois das alegações finais é que deverá ser marcada a leitura da sentença, que decidirá sobre a indemnização de 1,35 milhões de euros pedida pelas famílias das seis vítimas.
A sessão arrancou a ser ouvida uma testemunha que faltava: precisamente o oficial da Marinha António Martins que trouxe os documentos em causa. Em tribunal, disse que os seis jovens arrastados pelas ondas, “tinham de estar muito próximos da zona de rebentação”. E detalhou que o “valor das ondas seria superior àquele que um nadador olímpico conseguiria lutar contra”. O oficial da Marinha explicou que “alguém que tivesse estado na véspera [da tragédia] à noite na praia, ficava com sensação de estado do mar fraco”. “Mas passadas 24 horas este estado do mar aumentou brutalmente, seis vezes mais. Durante o dia, já se tinha uma perceção de que o estado do mar estava mau”, disse, estimando que à hora da tragédia as ondas tinham mais de cinco metros.
Mãe de estudante recorda dia da tragédia: “Só me lembro de nos atirarmos para um descampado a chorar”
Depois da testemunha, foi ouvida Fernanda Cristóvão, mãe de uma das vítimas. Bastante emocionada, lamentou o facto de ter sido necessário um julgamento cível para tentarem perceber o que aconteceu na madrugada de 15 de dezembro. “Obrigaram-me a pedir dinheiro pela minha filha — um filho não tem preço — para ouvir o senhor João Gouveia. Acho que não vou conseguir nunca desculpar. O que nos move não é dinheiro: é amor, é justiça”, disse.
Fernanda Cristóvão recordou o dia em que soube que a filha tinha morrido. Desconfiou logo quando, naquela manhã, viu no rodapé da televisão que tinham desaparecido jovens na praia do Meco. “O que é isto? A menina?”, recorda-se de reagir. Foi então com o marido e com filho à procura da filha. “Há o momento em que se confirma. Estamos a chegar e o meu filho diz: ‘São eles, mãe’. O mundo desmoronou-se ali. Só me lembro de pararmos e carro e de nos atirarmos para um descampado a chorar”, recorda, acrescentando: “Eu não acreditava que a minha filha estava no mar. Assim que chegámos à praia, todo aquele aparato, helicópteros, ambulâncias, só pensava: a minha filha não pode estar aqui”.
Num discurso muito emocionado e entre lágrimas, Fernanda Cristóvão lembrou que passou os dias seguintes “completamente dormente”, tendo ido “parar duas vezes ao hospital”. “A minha filha apareceu no dia 22 de dezembro. A minha filha viveu 22 anos, dois meses e dois dias”, recordou. Sete anos depois da tragédia, Fernanda Cristóvão diz continuar sem dormir. “Eu não durmo, Doutora. Todos os dias penso no que fizeram à minha filha”
Processo penal não seguiu para julgamento. Tribunal considerou que vítimas eram adultas e não estava privadas da liberdade
Dezembro de 2013. Sete estudantes da Universidade Lusófona realizaram uma praxe académica do Meco que acabou em tragédia. Na madrugada de dia 15, seis deles estavam a ser submetidos à praxe e foram arrastados pelas ondas do mar, acabando por morrer. Os cadáveres foram encontrados nos dias seguintes. João Gouveia, o “dux” (líder da praxe), foi o único sobrevivente daquela noite.
Assim que o primeiro corpo foi encontrado, o de Tiago Campos, foi aberto um inquérito. Só que o processo penal acabaria arquivado em julho de 2014. Os pais das vítimas insistiram numa acusação particular e o dux foi constituído arguido três meses depois, mas o processo não seguiu para julgamento, por decisão do Tribunal de Instrução Criminal de Setúbal — que o Tribunal da Relação de Évora viria a confirmar. O juiz não encontrou provas de existência de crime, nem de que a morte dos seis estudantes tivesse acontecido em contexto de praxe, sobretudo tendo em conta que os jovens envolvidos não eram caloiros. O tribunal concluiu que não havia indícios de que João Gouveia tivesse “sujeitado, pelo menos conscientemente, os colegas falecidos a um perigo que não pudessem eles próprios avaliar e evitar”.
Em janeiro de 2015, após um recurso da defesa, os desembargadores da Relação de Évora mantiveram a decisão, sublinhando que as vítimas eram adultas e não tinham sido privadas da sua liberdade durante a praxe. Desta foram, não havia responsabilidade criminal sobre João Gouveia.
Em 27 de maio de 2016, o pai de Tiago Campos apresentou uma queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem com a alegação de que Portugal tinha violado o Artigo 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem — o artigo que prevê o direito à vida. Este tribunal viria a dar razão ao pai de Tiago Campos e o Estado português acabou condenado a pagar uma indemnização de 13 mil euros à família.