Título: Piranesi
Autora: Susanna Clarke
Editora: Casa das Letras
Páginas: 264
Preço: 16,90

Piranesi é o terceiro livro de Susanna Clarke, seguindo-se a Jonathan Strange e Mr. Norrell (2004, prémio Hugo em 2005) e The Ladies of Grace Adieu and Other Stories (2006). Este romance, o segundo da autora, é feito num tom quase onírico, como quem procura a intimidade ou segue a cabeça de alguém, mas talvez a ausência de solavancos, a utilização da prosa como alavanca para um sentido, faça com que o livro seja um lençol de águas quietas.

Piranesi vive na Casa, parece ter lá sempre vivido. Não desde o seu nascimento, mas desde o nascimento do mundo. E, para ele, a Casa e o mundo são o mesmo.

Ali, regista diariamente em cadernos de apontamentos os detalhes da Casa. A sua vida parece ser apenas pretexto para esse registo, e então Piranesi detalha os labirintos de salões, as estátuas aos milhares, as marés que sobem pelas escadas. Conhece os 7678 corredores e crê que, ao todo, existiram 15 pessoas. Dessas, apenas ele e o Outro, que o visita duas vezes por semana e o ajuda a estudar o Grande Conhecimento Secreto, estarão vivos. Para além deste e dos ossos dos mortos, Piranesi vive em absoluta solidão.

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Neste Mundo (como já expliquei) vivemos apenas Eu e o Outro; e ambos somos homens. Como é que o Mundo terá um Habitante quando morrermos?” (p. 24)

Os dois perguntam-se sobre a identidade dos mortos, no que poderia parecer uma busca do passado, das raízes e, em última instância, da criação do Eu e da sua história, mas faltam extratos à prosa e à constituição das personagens para que as ações sejam mais do que símbolos. Os objetos aleatórios que o Outro dá a Piranesi parecem destoar do cenário, e assim é. A abordagem é teatral, e por isso a prosa encrava.

Acabam por surgir mensagens escritas a giz no pavimento da Casa, o que leva a crer que existe mais do que as paredes. Assim, ao notar-se que outrem que não o Outro tem presença ali, até parece que a ação vai para algum lado, mas a opção pelo estado onírico, limitado, não permite que o romance tenha um grande alcance.

Ao longo do livro, procura-se uma obscuridade, um limbo psicológico, mas há uma solidão que não atinge. Talvez por estar perdido em si, Piranesi não consiga chegar ao outro, numa grande limitação deste romance. A prosa, que parece não ter pó, também parece não ter magia – nem energia.

Há um tom de mistério, mas o interesse não surge, nunca há um imbróglio para o leitor resolver. O narrador, sem memórias em que possa fiar-se, não surge em pleno enquanto personagem com densidade para valer um romance a sós. Regista a sua vida, mas, não havendo vida além de si e do Outro, parece estar num movimento viciado sem conclusão. Este Outro chega como personagem simbólica, mas ao corporizar-se tira de cena o que seria a cogitação de um homem só perante um potencial semelhante. Assim, ao invés de preencher um vazio da narrativa, adensa-o, e durante páginas o romance parece navegar sem rumo no tal lençol de águas quietas. Assim sendo, a ação, sem sobressaltos, não convence, e para mais é feita através de uma prosa sem um rasgo de entusiasmo.