Enviado especial do Observador, em Tóquio

A expressão que utilizou há dois dias para descrever a saída de prova nos Jogos, não tendo conseguido apurar-se para nenhuma final dos aparelhos, foi a mesma que utilizou apenas dois minutos depois de haver confirmação por parte da NBC de que Simone Biles iria ficar de fora da final do concurso coletivo feminino de ginástica com três rotações ainda por fazer. “Heart broken“. “Coração partido”. Era assim que MyKayla Skinner estava quando falhou esse objetivo, tendo sido confortada por Simone. Era assim que MyKayla Skinner estava quando soube que Simone tinha sido obrigada a sair e não a podia ainda confortar. Ali, em direto, acontecia história.

Os EUA não conseguiram dar continuidade às vitórias esmagadoras em Londres e no Rio de Janeiro, perdendo para uma Rússia (ou Comité Olímpico da Rússia, de forma mais exata) que por sua vez não conseguia ganhar uma das mais apetecíveis competições dos Jogos Olímpicos desde Barcelona, em 1992. Tão ou mais importante, aquilo que se fala, qualquer que seja a razão ou argumento, é Simone Biles. E promete não ficar por aqui.

A fazer a primeira rotação no cavalo, a atleta mais medalhada de sempre tinha tudo para colocar logo a abrir os EUA na frente. Agora, sabendo-se o que aconteceu, é fácil dizer que alguma coisa não estaria bem, mas vendo com atenção a preparação do salto e aqueles olhares meio vazios que lançou antes de arrancar quase parecia que algo de mal estava prestes a surgir. O salto foi mesmo desastroso, tanto que nem contou como uma das duas notas dos EUA no cavalo. Em condições normais, aquilo que seria um primeiro lugar mais do que confirmado logo a abrir transformou-se naquilo que viria a ser apenas o quarto melhor resultado no aparelho.

Biles colocou a mochila ao ombro, agarrou no fato de treino e acabou por sair, deixando um primeiro sinal de dúvida em relação ao que estava a acontecer, tendo em conta também que a forma como caiu no colchão após o salto não foi o melhor. A NBC avançou com breaking news de que Simone Biles iria falhar o resto do concurso, algo que se viria mesmo a confirmar, e mais tarde adiantou mesmo que a saída poderia não dever-se aos tais problemas físicos mas sim ao que descreveu como “mental issues (questões mentais, numa tradução literal). E o baque foi de tal forma grande que, após sair do direto, Hoda Kotb, conhecida apresentadora do Today Show da NBC, que tem os direitos de transmissão dos Jogos, não evitou mesmo as lágrimas nas bancadas.

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Existem agora três teorias (para já) sobre o que aconteceu na verdade a Simone Biles: 1) já teria um pequeno problema físico que foi agravado pela forma como caiu após o salto no cavalo; 2) contraiu uma lesão quando fez a corrida ou a chegada do salto no cavalo; 3) ficou de fora do resto do concurso mais por uma questão mental do que por qualquer mazela física. Uma coisa é certa: Biles cedeu. De forma física ou de maneira psicológica, cedeu. E está em dúvida para o que será o resto de competição, onde conseguiu o apuramento para as finais do solo, do cavalo, da trave e barras assimétricas. Para se ter noção da diferença que isso faria, os EUA foram a pior das equipas na rotação do solo, um terreno sagrado de Simone Biles. O segundo lugar tornou-se inevitável.

Após voltar ao espaço onde decorrem as provas mas apenas como apoiante das restantes companheiras, houve um pouco de tudo nas expressões e reações da multimedalhada: risos, saltos de alegria quando as coisas corriam bem, apoio a quem estava em ação, momentos divertidos e mais descontraídos por altura das medalhas. E foi ainda saudar as atletas russas, que nem acreditavam ter conseguido ganhar a medalha de ouro no dia em que todos apontavam à redenção dos EUA. A final acabou no Ariake Gymnastics Centre mas está muito longe de ter acabado em relação à real condição de Simone Biles. E essa já se transformou na grande história dos Jogos.

“Depois da performance que tive, apenas não quis continuar. Tenho de me focar na minha saúde mental, acho que agora é mais importante a saúde mental à parte desportiva. Temos de proteger as nossas mentes e os nossos corpos e não chegar lá e fazer apenas aquilo que o mundo quer que façamos. Não confio tanto em mim como confiava, talvez seja porque estou a ficar mais velha. Houve alguns dias em que toda a gente estava no Twitter a falar de nós e sentimos o peso do mundo. Somos apenas atletas, no final do dia somos pessoas que a determinada altura têm de dar um passo atrás. Não queria voltar, fazer alguma coisa estúpida e magoar-me. O facto de vários atletas terem começado a falar sobre isso ajudou-me também. Tudo isto é tão grande, são os Jogos Olímpicos, mas no final do dia não queremos sair a sermos levadas numa maca”, destacou no final Simone Biles.