Enviado especial do Observador, em Tóquio

Nasceu em Faro, mudou-se para Sines. Justificação? O sul de Portugal não tinha a variedade de ondas que tinha em mente, também não tinha treinadores que pudessem trabalhar em full time e foi à procura de algo mais. Algo maior, algo melhor, algo diferente para estar enquadrada com qualquer tipo de contexto que viesse a encontrar no futuro. Tudo porque, também aí, foi à procura de algo mais que não as provas dos Qualifying Series, sempre com o foco no topo dos topos, o Championship Tour. A história de Yolanda, de 23 anos, já era conhecida de alguns, poucos, aqueles que a foram ajudando a chegar a um quinto lugar nos Jogos Olímpicos (e logo em ano de estreia). Mas isso, como em tudo na vida, é apenas mais um ponto para ir à procura de algo mais.

Pode ser Sequeira ou Hopkins mas no diploma fica o que interessa: Yolanda (que caiu nos quartos do surf)

Filha de pai português e mãe galesa (numa família que se mudou para Inglaterra quando tinha dois anos), a surfista nacional define-se como alguém do dobro. Faz o dobro, trabalha o dobro, surfa o dobro, explora o dobro, quer o dobro. Como viria a reconhecer na zona mista da praia de Tsurigasaki, chegou a ser difícil às vezes ter o dinheiro para comer mas nunca nem isso lhe matou a fome de se entregar ao desporto que aprendeu a amar a partir dos oito anos. Tudo se tornou mais sério quando conheceu o treinador, John Tranter, primeiro com a mãe a conhecer a sua mulher, depois com o próprio a ver o seu desempenho num campeonato regional. Acreditou que havia ali potencial, apostou na miúda, criou um monstro competitivo que pode ter ondas de 20 centímetros ou dez metros que tudo serve para ir para a água e fazer melhor, como contou numa entrevista.

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A partir de agora, a vida de Yolanda Sequeira (que durante alguns anos foi mais conhecida por Hopkins mas que nos últimos dois anos apareceu sempre como Sequeira para se saber que era portuguesa) tem tudo para mudar, assim o telefone toque. Da parte dela, até pelo discurso sobre os Jogos e os projetos de carreira que tem, o céu é o limite. E os Jogos de Paris são mais do que um sonho – são uma convicção e para procurar a medalha.

A zona mista para a imprensa a seguir às flashes das televisões tem apenas quatro jornalistas, todos portugueses, sem que os sul-africanos dessem pelo menos sinais de vida ali quando passou Bianca Buitendag. Ainda assim, mesmo dentro de um ambiente mais descontraído que se sente na praia de Tsurigasaki, regras são regras e todos devem manter posição segundo as orientações daqueles pequenos pés verdes indicadores que estão nas tábuas de madeira. Yolanda sorri, percebendo a presença de portugueses num dia que poderia ter sido ainda mais histórico. E nem a derrota perturba um discurso de quem assume o pouco que tem e o muito que quer.

“Estava um bocadinho difícil, fui fazer um free set de manhã quando cheguei à praia, acabei por apanhar umas boas ondas mas a maré estava mais cheia aqui em frente do pódio. Agora estávamos a surfar ali um pouco mais para baixo na praia, daqui de fora parecia que havia boas ondas mas lá dentro estava muito complicado, a maré está muito vaza, as ondas assim que formam rebentam completamente e a Bianca conseguiu apanhar uma onda que levou um bocado mais de parede e deu-lhe oportunidade de fazer mais do que uma manobra, que foi o que me faltou. Já recebi um diploma nos primeiros Jogos com surf e nos meus primeiros Jogos, estou muito feliz com isso, mas sou uma rapariga muito competidora e vim para cá com o pensamento no ouro, não vim para cá a pensar em mais nada. Acabei por cair um bocadinho atrás mas estou muito feliz. Sei que o meu surf está no suficiente para chegar lá acima, não foi desta mas será da próxima”, começou por dizer.

“Estar ali mais de dez minutos à espera da onda e ela não aparece? É muito frustrante, é preciso manter a calma, é preciso alguma experiência, dá para ver que as novas gerações nesse ponto caem um bocado, começam a apanhar ondas de forma repetida e não são ondas boas. Acabei por manter a calma mas a onda não apareceu mesmo. Estive lá, fiquei lá, tive a prioridade dez minutos, estava à espera de uma onda que me desse essa oportunidade de fazer duas manobras que podia dar os pontos que precisava. Às vezes é assim, o surf é muito relativo com a mãe natureza e com as condições e às vezes perde-se”, acrescentou ainda sobre a prova, antes de colocar o olhar nos próximos Jogos Olímpicos de Paris, que terão o surf no Taiti, e na própria carreira.

Definitivamente, quero e vou requalificar-me para 2024. Vai ser em Teahupo’o [Taiti], com uma onda que é uma esquerda de tubo e estou muito entusiasmada, quero treinar muito e levar a minha melhor performance para lá”, comentou sobre a escolha da organização dos Jogos de Paris.

“Espero que o telefone agora toque mais vezes. Tive muitas dificuldades na minha vida, o meu treinador ajudou-me muito, eu vivo na casa dele. É um homem inglês [John Tranter, conhecido antes por Johnny Pigdog], viu o meu potencial e estivemos a trabalhar durante muitos anos. É como se fosse família. Tive mesmo dificuldades, houve alturas em que foi difícil arranjar comida e dinheiro para comer mesmo… Sempre disse que se alguma vez eu parasse de surfar era por falta de dinheiro, não ter mesmo dinheiro nenhum. Já chegou perto, ainda não está lá mas definitivamente espero que, com a minha performance e a representar Portugal da maneira que representei, tenha mais oportunidades de relaxar, fazer o que gosto e ter apoio concreto”, contou, explicando também que, no mínimos dos mínimos, entre todas as despesas, são 45.000/50.000 euros por ano.

“A maior parte dos campeonatos a que consegui ir foi mesmo apoios, apoiantes do meu treinador, que tem um surf camp, e mesmo clientes que me conheceram, que conheceram a minha história e acabaram por dizer ‘Não, isto não pode ser assim’ e doaram-me dinheiro para conseguir chegar a campeonatos. Houve uma senhora que estava ao pé de mim, quando me qualifiquei para ir fazer um campeonato com mais estrelas do QS na América, não tinha dinheiro e ela ligou o computador, marcou viagem para mim e para o meu treinador e fez-me esse favor. Não sei como agradecer a essas pessoas. Não foi nem a primeira, nem a segunda, nem a terceira que fizeram isso por mim. Nem a quarta! Já aconteceu várias vezes, houve um altura em que tive também um GoFundMe que angariou uns 7.500 euros para participar nos QS”, destacou sobre os apoios até agora.

“Ainda não estou qualificada para o CT [Championship Tour], que é o sonho que todas temos. Faço o QS, tenho de ficar numa certa posição para me qualificar para o CT. A certa altura cheguei a estar no top 8 e entravam seis, depois veio a Covid-19 e estragou-me a vida. Estava tão perto, conseguia sentir. Fazemos os QS e os Challengers Series e depois bons resultados nos Challengers Series para chegar ao CT. O meu surf foi feito para o CT, não é que não goste deste tipo de ondas mas o meu surf é com power, com rail, e acho que seria perfeito. No CT, ter a última qualificação e entrar no campeonato paga 10.000 euros, paga viagem e muito mais… Que o telefone toque, espero mesmo bem que sim, espero que sim”, concluiu Yolanda Sequeira no adeus aos Jogos.