Enviado especial do Observador, em Tóquio

Se tem acompanhado a nossa cobertura aqui no Observador dos Jogos Olímpicos com atenção, por certo estará ainda recordado do cenário em que foi disputada a prova de skate, onde Gustavo Ribeiro foi à final terminando no oitavo lugar: mais de 30º, uma humidade do outro mundo, sombra inexistente, uma garrafa de água bebida a cada 20 minutos. Isto foi no domingo. Fixe esta imagem. Agora agarramos nela e vamos para o surf, menos de 48 horas depois. Não se pode propriamente dizer que esteja frio porque o bafo no ar é uma constante mas entre chuva, vento e um ambiente agreste houve de tudo um pouco. O que acabou da mesma forma? A participação de Portugal, com Yolanda Sequeira (ou Hopkins, já lá vamos) a cair nos quartos e a acabar na quinta posição.

O caminho até à praia de Tsurigasaki, a cerca de 100 quilómetros de Tóquio, em Chiba, é mais um desafio às questões logísticas. Primeiro, pela distância – o autocarro da organização, único meio de transporte permitido para quem ainda não fez 14 dias no Japão, parte de meia em meia hora do MTM (Media Transport Mall) e tem uma duração de pouco mais de uma hora e meia. Segundo, pelo horário. Como as provas de surf começam mais cedo do que a maioria das modalidades, e como até ao MTM ainda há um caminho grande a percorrer, o alarme toca às 5h30 para garantir que se chega ao início da prova feminina, já depois de Kanoa Igarashi, Gabriel Medina, Ítalo Ferreira e Owen Wright terem garantido passagem às meias no quadro masculino.

O dia começou pouco depois das 7h, Yolanda entra no mar por volta das 9h30. E aqui é mesmo um mundo um pouco à parte (não tanto como em França nos Jogos de 2024, onde o surf vai ser disputado no Taiti), com todos os surfistas a ficarem longe da Aldeia Olímpica e a permanecerem em vilas que foram montadas por cada seleção perto da praia, com cabanas individuais para todos os atletas. Afinal, esta é uma das vantagens do surf, até para aqueles que gostam de fazer do treino um modo de vida – é pôr a prancha debaixo do braço e avançar, como estava a acontecer na praia ao lado da principal enquanto decorriam os quartos de final femininos.

Como em todos os locais de eventos, existe a revista de segurança em pré-fabricados montados para o efeito, um espaço para realizar testes (para quem tenha de fazer neste caso), uma sala de imprensa bem mais apetrechada também de comida por não haver nada à volta quando a fome começar a apertar, muitas tábuas de madeira ou aplicações de plástico para construir os caminhos de circulação. Tudo com alguma lama e muita areia que fica agarrada perante a chuva e o vento que se abateram em Tóquio por culpa do tufão Nepartak, que parece passar um pouco lado da cidade mas que ainda assim dá um ar da sua graça que não tem graça nenhuma (nem isso nem a figura em que nos encontramos, com uns impermeáveis que mais parecem fazer de nós apicultores).

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O acesso à praia tem uma multiplicação constante de barreiras e divisórias de metal para construir circuitos para tudo e todos, dos atletas aos jornalistas, das televisões à zona mista da imprensa. Na parte de cima, aquele edifício mais central onde se consegue ver tudo mais ao detalhe é restrito apenas a alguns e é lá também que a comitiva portuguesa, onde se encontrava também a surfista já eliminada Teresa Bonvalot, acompanha toda a entrada de Yolanda Sequeira – aqui voltamos à questão do nome para explicar que Yolanda é conhecida na maior parte das provas por Sequeira mas também como Hopkins noutros contextos –, que depois de já ter garantido história com a passagem aos quartos e a conquista do diploma na véspera derrotando a número 2 do mundo tentava manter-se na luta pelas medalhas (sendo que no final admitiu que vinha em busca do ouro).

A única entrada para a praia de areia negra onde se está a disputar este surf olímpico acaba por levar-nos para uma zona circunscrita onde a única maneira de ver de forma frequente as surfistas é olhar para o ecrã gigante colocado do lado direito da praia, tendo em conta que a zona com mais possibilidade de apanhar as melhores ondas fica mais afastada. Bianca Buitendag, que na véspera eliminara a conceituada Stephanie Gilmore, foi a primeira a conseguir pontuar (2.50), Yolanda Sequeira respondeu (1.00), a sul-africana reforçou a liderança (3.50), a portuguesa diminuiu a distância (3.93). Com mais de meia bateria por disputar, percebia-se que tinha de ser “aquela” onda, com duas manobras, para fazer mexer o resultado. No entanto, e a partir daí, houve apenas um resultado acima de 0.50 e para Buitendag, que marcou um 6.00 e ganhou por 9.50-5.46.

Yolanda Sequeira teve a prioridade durante mais do que dez minutos, esperou até ao limite por uma onda que lhe permitisse fazer duas manobras para passar para a frente (e como tinha a segunda nota mais alta isso podia chegar para ganhar o heat) mas as condições nunca foram as melhores e só mesmo no final, sabendo que estava apenas a tentar evitar o inevitável, arriscou colocar-se de novo em cima da prancha à espera de um milagre que não apareceu. Acabou mesmo por perder. Mas aquilo que já ganhou é superior a essa derrota.