Enquanto o mundo assiste às imagens captadas em Itália e na Grécia de violentos fogos, que ameaçam casas e florestas, um painel da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou um relatório que sobe o tom quanto a um alerta urgente: a janela de oportunidade para evitar catástrofes como as que já se têm registado está a fechar-se mais rapidamente. Mais: algumas das mudanças são agora já inevitáveis e “irreversíveis” e, na Europa, as temperaturas vão subir a um ritmo superior à média mundial.

O relatório, da autoria do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, da ONU, conclui que o planeta aqueceu mais 1,1ºC face aos níveis pré-industriais (de 1850 a 1900), arriscando aproximar-se ou ultrapassar os 1,5ºC de aumento nos próximos 20 anos (o limite que os líderes mundiais definiram, no Acordo climático de Paris, que não deveria ser pisado). A tendência só pode alterar-se caso os países cortem nas emissões de gases com efeito de estufa e diminuam os níveis de dióxido de carbono na atmosfera.

O documento conclui que é “inequívoco” o papel do ser humano na crise climática, nomeadamente no aumento do nível médio das águas do mar, no degelo, nas ondas de calor, secas e cheias. E confirma que as alterações já estão em curso, algumas das quais são irreversíveis. “Não temos mais nenhum  ano para evitar as alterações climáticas perigosas, porque estão aqui”, disse Michael E. Mann, o autor principal do relatório, em declarações à CNN.

Os níveis de emissões de gases com efeito de estufa têm estado a subir e a contribuir para o aumento da temperatura global. Mesmo no cenário mais otimista, em que as emissões começam a cair expressivamente hoje e são reduzidas a zero em 2050, a temperatura irá, ainda assim, chegar a um pico de 1,5 ºC antes de começar a cair. Mas mesmo que consiga limitar esse aumento, há impactos de longo prazo que se tornarão “irreversíveis”, como o aumento do nível das águas ou o degelo no Ártico.

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António Guterres, secretário-geral da ONU, apelidou o relatório como um “alerta vermelho para a humanidade”. “Os alarmes são ensurdecedores e as evidências irrefutáveis: as emissões de gases com efeito de estuda por via da queima de combustíveis fósseis e da desflorestação estão a sufocar o nosso planeta e a colocar milhões de pessoas em risco imediato”, disse.

António Guterres diz que relatório sobre clima é “um alerta vermelho”

Michael Byrne, investigador na Universidade de Oxford, diz à CNN que o que o relatório tem de inovador é a ideia de que “os efeitos do aquecimento global já não são tema de um futuro distante nem apenas em cantos remotos do mundo”.

Temperatura global subirá 2,7 graus em 2100 ao atual ritmo de emissões

A temperatura global subirá 2,7 graus em 2100, se se mantiver o atual ritmo de emissões de gases com efeito de estufa, alerta ainda o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. O IPCC considera cinco cenários, dependendo do nível de emissões que se alcance.

Manter a atual situação, em que a temperatura global é, em média, 1,1 graus mais alta que no período pré-industrial, não seria suficiente: os cientistas preveem que, dessa forma, se alcançaria um aumento de 1,5 graus em 2040, de 2 graus em 2060 e de 2,7 em 2100.

Este aumento, que acarretaria também mais acontecimentos climáticos extremos, como secas, inundações e ondas de calor, está longe do objetivo de reduzir para menos de 2 graus, fixado no Acordo de Paris, tratado no âmbito das Nações, que fixa a redução de emissão de gases estufa a partir de 2020, impondo como limite de subida os 1,5 graus centígrados.

No cenário mais pessimista, no qual as emissões de dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa duplicariam em meados do século, o aumento poderia alcançar níveis catastróficos, em torno dos 4 graus em 2100. Cada grau de aumento faz antever cerca de sete por cento mais de precipitação em todo o mundo, o que pode originar um aumento de tempestades, inundações e outros desastres naturais, avisa o IPCC.

As ondas de calor extremo, que na época pré-industrial aconteciam aproximadamente uma vez por década e atualmente ocorrem 2,3 vezes, podem multiplicar-se até 9,4 vezes por década (quase uma por ano) no cenário com mais 4 graus de temperatura.

Por outro lado, na melhor hipótese considerada pelos peritos, em que se atinge a neutralidade carbónica (emissões zero) em metade do século, o aumento de temperatura seria de 1,5 graus em 2040, 1,6 graus em 2060 e baixaria para 1,4 graus no final do século.

O estudo da principal organização que estuda as alterações climáticas, elaborado por 234 autores de 66 países, foi o primeiro a ser revisto e aprovado por videoconferência. Os peritos reconhecem que a redução de emissões não terá efeitos visíveis na temperatura global até que passem umas duas décadas, ainda que os benefícios para a contaminação atmosférica se começassem a notar em poucos anos.

Temperaturas subirão na Europa a ritmo superior à média mundial

As temperaturas subirão em toda a Europa a um ritmo superior ao da média mundial, independentemente dos futuros níveis de aquecimento global, constata o IPCC.

No novo relatório do painel mundial de cientistas e ativistas, a frequência de ondas de frio e dias de neve diminui na Europa, em todos os cinco cenários traçados e em todos os horizontes temporais. Apesar da “forte” variabilidade interna, as tendências observadas nas temperaturas médias e extremas na Europa não podem ser explicadas “sem ter em conta os fatores antropogénicos [causado ou originado pela atividade humana]”, realça a principal organização que estuda as alterações climáticas desde 1988.

Antes da década de 1980, o aquecimento provocado pelos gases com efeito de estufa era compensado, em parte, com as emissões antropogénicas de aerossóis, precisa o IPCC. A redução da influência dos aerossóis nas últimas décadas deu lugar a uma tendência positiva observável na radiação de onda curta, acrescenta.

As observações apresentam um padrão sazonal e regional “coerente” com o aumento previsto das precipitações no inverno, no Norte da Europa, prevendo-se uma diminuição das precipitações no verão, no Mediterrâneo, que se estenderá às regiões do Norte, e um aumento das precipitações extremas e das inundações com níveis de aquecimento global superiores a 1,5 graus em todas as regiões, exceto no Mediterrâneo.

Independentemente do nível de aquecimento global, o nível do mar subirá em todas as zonas europeias, exceto no Mar Báltico, a um ritmo próximo ou superior ao nível médio global.

Os autores do estudos antecipam ainda que as mudanças continuem após 2100 e que os fenómenos extremos do nível do mar sejam mais frequentes e mais intensos, provocando mais inundações costeiras e o recuo das costas arenosas.

O relatório prognostica uma forte redução dos glaciares, do permafrost (tipo de solo que se mantém permanentemente gelado), da extensão da capa de neve e da duração sazonal da neve nas altas latitudes/altitudes.