Ao longe, o fotógrafo brasileiro João Maia confunde-se entre os muitos que cobrem Jogos Paralímpicos Tóquio2020, mais perto percebe-se que é cego quase total e capta os “momentos” através da audição, porque na máquina só vê “um borrão”.
“Acho que sou o único cego no mundo a fotografar Jogos Paralímpicos” conta João Maia à agência Lusa, numa viagem de autocarro entre o Centro Aquático de Tóquio e a principal sala de imprensa dos Jogos, acompanhado por Sandra Chammem, a sua guia e tradutora, que também o ajuda a posicionar-se nas áreas reservadas à captação de imagens.
João Maia que, antes de cegar quase totalmente, há 16 anos, devido a uma uveíte bilateral (inflamação intraocular), era carteiro, explica que as suas fotografias são feitas “sobretudo através da audição”, pois os seus olhos “enxergam muito pouco, apenas vultos coloridos”.
Com o som como grande aliado, o brasileiro, de 44 anos, admite ser “uma das poucas pessoas satisfeitas com o facto de não haver público nas competições paralímpicas em Tóquio [devido à pandemia de Covid-19]”, e garante: “O silêncio nas provas é maravilhoso para o meu trabalho, consigo perceber muito mais coisas do que se houvesse barulho”.
Antes de perder a visão, João Maia, nascido estado brasileiro do Piauí, era “só amante da fotografia”. Agora é o grande impulsionador do site Fotografia Cega, que pretende captar imagens, torná-las acessíveis a todos, numa demonstração de que a fotografia pode ser de todos e para todos.
Em Tóquio, tal como aconteceu nos Jogos Paralímpicos Rio2016, João pede ajuda a outros fotógrafos para regular os “settings” da máquina e, conta, aproveita a oportunidade para “sacar algumas dicas”.
Há dias, no Estádio Olímpico de Tóquio, o homem que enverga o colete creme com o número 2.794 pediu ajuda ao fotojornalista da agência Lusa, que acompanha a competição, para configurar a máquina, cedida por uma marca conhecida.
Agradeceu o apoio dado com um: “Amigo, hoje você foi um anjo que me apareceu”, para de seguida se lamentar: “Estas máquinas não são totalmente acessíveis a pessoas como eu”.
Com a máquina a postos, a ordem é disparar, para conseguir as melhores fotografias, que “vê” com recurso à áudio descrição, depois de editadas por um amigo.
As fotografias de João Maia estão disponíveis, com descrições pormenorizadas acessíveis a todos, nas redes sociais da Fotografia Cega, com a hastag #PraCegoVer.
Mais tarde, vão integrar a exposição foto narrativa Quatro Sentidos e Uma Visão e ser compiladas num livro que João está a preparar com a jornalista Luciane Tonon, do portal brasileiro Guia do Deficiente, que também o acompanha no Japão.
O nome da exposição foi inspirado na descrição que João Maia faz do seu trabalho: “Sou alguém que capta emoções a cada disparo e usando quatro sentidos: audição, tato, olfato e a baixa visão”.
Depois de há cinco anos ter fotografado “em casa” os Jogos Rio2016, João Maia, que chegou a praticar atletismo adaptado, teve de fazer uma angariação de fundos para conseguir pagar todas as despesas no Japão.
“Foi uma angariação de apoios difícil, mas felizmente conseguimos” conta, admitindo que a “missão” no Japão custará mais de 40.000 reais (cerca de 6.600 euros).