O ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, defendeu esta quinta-feira que a União Europeia deve meditar sobre os limites da sua capacidade para reformar outras sociedades, à luz do sucedido no Afeganistão, onde a comunidade internacional falhou nessa matéria.
Em declarações à Lusa à chegada a uma reunião informal na Eslovénia dos chefes de diplomacia dos 27, dominada pela crise no Afeganistão na sequência da abrupta tomada de poder pelos talibãs que forçou a retirada apressada dos cidadãos e forças ocidentais, Santos Silva disse ter a expectativa de “uma discussão muito franca e honesta, aproveitando a natureza informal da reunião”, pois “há muitas lições a aprender sobre o que se passou no Afeganistão”.
Sublinhando que esta é uma reflexão que não terminará certamente “hoje, amanhã ou nos próximos dias”, o ministro deu ‘pistas’ sobre aquela que é a posição que defenderá na reunião.
Santos Silva apontou que um objetivo da presença internacional ao longo dos últimos 20 anos foi alcançado, o de “impedir que o Afeganistão continuasse a ser um santuário para organizações terroristas”, mas outro não foi, o “de preparar as instituições e contribuir para a sua consolidação, quer as instituições políticas e administrativas, quer as forças de segurança e as forças armadas, para que o Afeganistão decidisse livremente o seu destino em condições de paz e de estabilidade”.
“Esse objetivo não foi conseguido e temos de refletir muito bem sobre isso, porque nós investimos vidas humanas — perdermos militares ao longo destes 20 anos na missão -, investimos muito dinheiro, investimos muita energia, investimos muita vontade política para apoiar uma liderança política que fugiu à primeira dificuldade e para apoiar umas forças armadas que não combateram em defesa das suas populações”, declarou.
Segundo o ministro, é imperiosa agora essa reflexão, não para a UE se castigar ou entrar num “jogo de queixas e acusações”, mas para que, “aprendendo com os erros”, possa melhorar a sua capacidade de agir globalmente enquanto uma União.
“Isto que aconteceu quer dizer que uma organização como a NATO ou a comunidade internacional no seu conjunto se deve abster de qualquer intervenção de natureza militar? Não me parece que esse seja o caso. Nós vamos continuar a precisar de intervenções militares, não só para defender a nossa segurança quando ela está em risco […], vamos precisar também de intervenções, algumas com dimensão militar, para fazer cumprir as regras básicas do direito internacional, designadamente humanitário”, começou por observar.
“Agora, deveremos ser talvez um pouco mais cuidadosos ou devemos meditar em conjunto muito bem sobre a nossa própria capacidade e os limites da nossa capacidade para reformar outras sociedades de acordo com os valores e a arquitetura institucional que nos são próprias”, defendeu o chefe da diplomacia portuguesa.
“Talvez aí seja necessário pensar na forma como nós podemos ter mais em conta características especificas de natureza histórica, cultural, social e política das sociedades ou dos Estados com os quais estamos a cooperar”, completou.
Santos Silva insistiu que “não está em questão a decisão tomada pelos Estados Unidos e NATO no seu conjunto de retirar as forças militares”, pois em algum momento seria necessário fazê-lo, mas sim “o modo como essa retirada foi preparada e organizada” e a surpresa “pela forma como talibãs ocuparam Cabul perante a apatia das forças militares afegãs e a pusilanimidade com que a liderança política afegã se comportou perante o avanço dos talibãs”.
“É uma matéria muito complexa para a qual vamos precisar da reflexão e contribuição de todos, e estou certo de que, no fim desta reflexão, haverá uma posição da UE que enriquecerá a capacidade da UE de agir”, concluiu.
A discussão entre os 27 terá lugar esta quinta-feira noite e poderá prosseguir na sexta-feira, na segunda sessão de trabalhos desta reunião informal que decorre na localidade de Kranj, e que foi antecedida de uma reunião informal de ministros da Defesa, também com o Afeganistão como pano de fundo.