A garantia era que o PCP só falaria de Orçamento do Estado depois das eleições autárquicas — Jerónimo de Sousa até disse este fim de semana que ainda “não há condições” para negociar — mas este domingo a tradição não falhou: o scretário-geral do PCP voltou a subir ao palco da Quinta da Atalaia para traçar o seu caderno de encargos orçamental. E deixar uma promessa: o PCP “bater-se-á a todos os níveis e em todos os espaços de intervenção por cada medida necessária ao nosso povo”.

A ideia é semelhante ao recado que Jerónimo deixava, há exatamente um ano, do mesmo palco: na altura, avisava que ninguém devia “apressar-se a sentenciar que o PCP não conta” — semanas antes de concluir as negociações e viabilizar o Orçamento do Estado ao lado do PS.

Desta vez, deixou a lista de prioridades traçada: falou no aumento geral de salários, aumento do salário mínimo para 850 euros, a alteração da legislação laboral — embora o PCP separe este dossiê da negociação orçamental –, a “inadiável” valorização das reformas, a valorização das carreiras do SNS, a “justiça fiscal” para quem recebe menos, a garantia de creches gratuitas e uma rede de lares, o aumento do abono de família e o alargamento do acesso ao subsídio de desemprego foram alguns dos principais exemplos.

A estes, juntou-se uma exigência adicional: os apoios “excecionais” adotados por causa dos impactos da Covid-19 “não podem desaparecer na totalidade”.

A longa lista de medidas — assim como a promessa de que o PCP se “baterá” por elas, depois de, ao longo do último ano, ter por várias vezes acusado o Bloco de Esquerda de desistir da negociação — chegou depois de Jerónimo ter feito questão de sublinhar os benefícios da “luta” do PCP no último ano, incluindo no último Orçamento.

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“A luta dos trabalhadores e a ação do PCP foi decisiva para a defesa e o avaço de direitos”. Exemplos? Jerónimo elencou todos: a proposta do pagamento de 100% dos salários em lay-off, o suplemento de penosidade e insalubridade, o aumento das reformas, o prologamento dos subsídios de desemprego, o subsídio de risco ou a contratação de trabalhadores nas escolas e no SNS — medidas que, avisou, “o Governo tem de concretizar plenamente e sem adiamentos”. E medidas que o PCP tem usado para justificar porque é que valeu a pena deixar passar o atual Orçamento.

A par da valorização das medidas do PCP, a crítica à ação do Governo e às múltiplas promessas que há uma semana António Costa deixava no palco do Congresso do PS, em Portimão, ancorado no Plano de Recuperação e Resiliência. “Não é em repetidos anúncios de programas governamentais de apoio aos jovens ou ao interior que está a resposta”. Mais: “Ao contrário da propaganda, o PRR não é o instrumento capaz de imprimir as alterações estruturais de que o país precisa (…). Por mais milhões que possam ser anunciados, sobretudo os que já estão prometidos para o grande capital, sem uma profunda alteração das políticas o país não sairá da cepa torta”.

A importância da “influência” nas autárquicas

Já com as autárquicas à porta — estas eleições, vitais para o PCP tentar inverter a tendência de perda eleitoral em que se encontra, estão marcadas para 26 de setembro –, o secretário-geral aproveitou para dar uma espécie de pontapé de saída oficial, com força aos candidatos da CDU (PCP+PEV) e farpas aos outros partidos. “Esta é uma importante batalha eleitoral”, assumiu Jerónimo, e servirão para o PCP “ampliar a sua influência e o que ela significa de possibilidades para servir as populações”.

“A CDU afirma todos os dias e em todas as situações a sua presença e o seu distintivo projeto, porque os seus eleitos têm como compromisso exclusivo estar ao serviço do povo e não o aproveitamento dos cargos em benefício próprio”. Mais: “Não nos escondemos como outros fazem em arranjos de circunstância, nem em falsas listas de independentes”.

Afeganistão. Elogios à “resistência” e ataques aos EUA

A parte final do discurso ficaria reservada para uma referência à situação do Afeganistão e um ataque cerrado aos Estados Unidos. “Por maiores que sejam os cálculos geopolíticos dos Estados Unidos e as suas campanhas de mistificação”, assegurou Jerónimo, e mesmo admitindo que há “novos perigos e riscos” na região, “o imperialismo acaba de sofrer mais uma humilhante derrota no Afeganistão”.

O destaque do PCP vai mesmo para a “determinada resistência de países e povos” contra o “imperialismo”, com uma conclusão: é o imperialismo que “não pode tudo”. Conclusão? EUA e aliados devem “pôr definitivamente fim à sua ingerência no Afeganistão”.