Um ataque da dimensão e impacto daquele que ensombrou 11 de setembro de 2001 é hoje muito menos provável, por causa de melhores mecanismos de vigilância dos estados e do desmantelamento de grupos terroristas, concluem analistas.
Numa recente entrevista à estação televisiva CNBC, Khalid Noor, membro da equipa de negociação do anterior Governo afegão com os talibãs, disse categoricamente que uma repetição dos ataques de 11 de setembro de 2001 poderá acontecer, agora que a comunidade internacional abandona o Afeganistão.
O argumento de Noor é o de que a saída das forças militares ocidentais vai criar espaço para a instalação de células terroristas no Afeganistão, que rapidamente se organizarão para vingar os ataques contra os talibãs e contramovimentos como Al-Qaida, o grupo liderado por Osama Bin Laden, responsável pelos ataques do 11 de Setembro.
No entanto, um painel de analistas nacionais e internacionais consultados pela Lusa é unânime em considerar que o risco da repetição de ataques com a dimensão e o impacto do que sucedeu em 2001 é agora muito mais reduzido, por circunstâncias intrínsecas e extrínsecas ao Afeganistão e à Al-Qaida.
“Um ataque (como o de 11 de setembro de 2001) é difícil. Um atentado semelhante implica uma organização e uma logística hoje mais permeáveis à monitorização das autoridades. Vinte anos depois o que há é uma descentralização das estruturas. São grupos (tipo ‘franchise’) ou indivíduos que operam sob o nome Daesh [o grupo fundamentalista Estado Islâmico na sua designação inglesa] ou Al-Qaida”, disse à Lusa Felipe Pathé Duarte, professor da Universidade Autónoma de Lisboa e especialista em segurança internacional.
“Possível? Talvez. Provável? Não”, acrescentou à Lusa Nuno Lemos Pires, brigadeiro-general e professor da Academia Militar.
Para Lemos Pires, a Al-Qaida foi “profundamente afetada na sua estrutura principal” e revela “imensas dificuldades em coordenar ações”; por outro lado, os países “desenvolveram capacidades de vigilância e de resposta muito mais evoluídas”, tendo aprendido a “atuar sobre a origem dos problemas”.
Philip Cunliffe, ‘senior lecturer’ em conflitos internacionais na Universidade de Kent, Reino Unido, concorda com esta perspetiva, lembrando que os ataques militares da coligação internacional, nas últimas décadas, deixaram os movimentos terroristas no Médio Oriente muito fragilizados, embora não totalmente eliminados.
“De certa forma, o Ocidente conseguiu ‘cortar a cabeça’ da serpente. Movimentos como Al-Qaida são hoje uma sombra do que foram no final do século passado. Em grande parte, porque as agências de informação — como a National Security Agency (NSA), nos EUA – se reinventaram para dar uma resposta eficaz à sua forma de atuação”, explicou à Lusa Cunliffe.
Peter Mansoor, investigador ligado ao ‘think tank’ conservador norte-americano Hoover Institution, considera que, hoje, apenas duas organizações não estatais conseguiriam produzir um ataque como o de 2001 – a Al-Qaida e o Estado Islâmico (EI) — e que ambas “estão fortemente diminuídas” na sua capacidade operativa.
Mas não exclui que essas organizações também se reinventem perante os mecanismos de proteção dos países, para procurar novas formas de produzir terror.
“Os ataques do 11 de Setembro foram bem-sucedidos em grande parte porque os terroristas usaram uma peça de tecnologia vulgar – uma aeronave civil – como arma de destruição em massa. Com esse caminho agora aparentemente fechado, os terroristas precisariam encontrar outra arma com poder de ataque semelhante”, explica Mansoor, referindo-se às hipóteses de um ataque com gás nervoso (relativamente acessível) ou um ataque nuclear (muito mais difícil de concretizar).
Mansoor lembra que há grupos insurgentes ‘jihadistas’, ligados à Al-Qaida ou ao EI, em países como a Nigéria, a Somália, o Iraque ou a Líbia, que continuam a fazer recrutamentos e que não desistiram dos seus intentos de ataques terroristas em solo ocidental, apesar de atravessarem “graves problemas de financiamento”.
Lemos Pires também não tem dúvidas de que “parte dos maiores grupos terroristas internacionais, como a Al-Qaida e o Daesh mantém muito clara a intenção de provocar ataques demolidores”.
Ana Isabel Xavier, especialista em política internacional, lembra que “20 anos depois, mantém-se um racional de motivação” para novos ataques, embora reconheça que as novas circunstâncias obrigarão a novas estratégias.
“Pode não ser um ataque com aeronaves civis contra dois arranha céus, mas desde que seja mediático e cause um elevado número de vítimas, outros 11 de setembros já certamente foram evitados ou estarão a ser preparados e, esperemos nós, desmantelados“, disse à Lusa a investigadora.
Diogo Noivo, consultor de Risco Político, lembra ainda que “as políticas de combate ao terrorismo são em grande medida reativas, respondem à ameaça tal como ela existe”, o que poderá levar a “novas estratégias por parte da ameaça”, requerendo “reajustes nas medidas de contraterrorismo”.
“A relação entre organizações terroristas e forças e serviços de segurança sempre foi biunívoca. A mais e maiores mecanismos de segurança correspondem sempre novas abordagens por parte de organizações terroristas”, explicou à Lusa este consultor.