Em 1970, Eric Clapton escreveu e gravou “Layla”, uma das canções de maior sucesso da carreira do britânico. Inicialmente, Clapton garantiu que a música tinha partido de um livro de um poeta persa, “A História de Layla e Majnun”, que contava a história de um jovem rapaz que estava apaixonado por uma jovem rapariga mas acabou por não conseguir casar com ela por ter enlouquecido. Mais tarde, Clapton explicou que se identificou com os poemas porque estava apaixonado por Pattie Boyd, a então mulher do amigo George Harrison, dos Beatles. Clapton e Boyd acabaram por casar, divorciando-se ao fim de uma década de união. E Layla ficou, para sempre, um sinónimo de um amor quase proibido.

Até agora. Nos últimos dias, o nome da protagonista da história do poeta persa, embora com uma ligeira alteração na grafia, tornou-se um sinónimo de ténis. Leylah Fernandez, tenista canadiana que cumpriu 19 anos na passada segunda-feira, está a ser uma das grandes surpresas do US Open que termina este fim de semana e já escreveu o próprio nome na lista de atletas a acompanhar nos próximos anos. Natural de Montreal, com apenas um torneio WTA no palmarés, chegou ao US Open no 73.º lugar do ranking: eliminou a número 3 Naomi Osaka na terceira ronda, a número 17 Angelique Kerber nos oitavos de final e ainda a número 5 Elina Svitolina nos quartos de final, garantindo a primeira presença nas meias-finais de um Grand Slam, onde na próxima sexta-feira vai defrontar a número 2 Aryna Sabalenka.

Num US Open marcado pelas ausências de Roger Federer, Rafa Nadal e Serena Williams, os holofotes têm estado totalmente virados para os nomes mais desconhecidos que surgiram em Nova Iorque para se candidatarem aos lugares cimeiros do último Grand Slam do ano. No torneio masculino, o espanhol Carlos Alcaraz, de apenas 18 anos, afastou Stefanos Tsitsipas e Peter Gojowczyk antes de desistir nos quartos de final com problemas físicos. Já no torneio feminino, a britânica Emma Radunacu, também de apenas 18 anos, vai tentar ultrapassar Belinda Bencic para também chegar às meias-finais depois de ter eliminado Sara Sorribes e Shelby Rogers. Mas Leylah Fernandez, por ter derrotado três gigantes de forma consecutiva, está mesmo a ser a estrela mais brilhante da constelação.

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Nascida no Canadá em 2002, Leylah é a segunda filha de Jorge, um equatoriano que emigrou para o país da América do Norte, e Irene, uma canadiana com origens filipinas. A irmã mais velha da tenista, Jodeci, é dentista; a mais nova, Bianca, também joga ténis. No meio disto tudo, Leylah tornou-se fluente em inglês, francês e espanhol e começou a jogar futebol ainda muito nova, inspirada pelo pai, que tinha representado vários clubes nas divisões inferiores da América Latina. “Jogou futebol em Montreal mas eu não queria que ela seguisse simplesmente os meus passos. Queria que encontrasse a própria paixão”, explicou Jorge Fernandez ao The New York Times, revelando que teve de se dedicar a uma modalidade que desconhecia por completo quando a filha do meio decidiu que essa paixão era o ténis.

2021 US Open - Day 5

Leylah Fernandez saltou para as bocas do mundo logo na terceira ronda do US Open, quando eliminou Naomi Osaka

Leylah inscreveu-se em várias associações locais, começou a praticar e depressa entrou num programa de desenvolvimento no Québec. A aventura, porém, não durou muito até encontrar um obstáculo: o tal programa dispensou-a, citando principalmente a altura da jovem tenista como justificação. Isto porque Leylah Fernandez, mesmo atualmente e já com 19 anos, tem apenas um 1,68 metros, uma altura inferior à média normal das atletas profissionais. “Disse-lhe que estava tudo bem, que íamos conseguir sozinhos”, contou o pai da tenista, que orquestrou uma total imersão na modalidade e passou a treinar a própria filha, estudando quase incessantemente e assistindo a centenas de vídeos. O grande objetivo, acima de tudo, era garantir um equilíbrio entre trabalho e diversão para que Leylah continuasse a divertir-se nos courts e não ficasse esgotada.

Para isso, um dos fatores decisivos foi a descoberta de um ídolo — alguém em condições semelhantes que a tenista pudesse admirar, imitar e igualar. Justine Henin, a belga de 1,67 metros que ganhou em Wimbledon, em Roland Garros (quatro vezes) e no US Open, foi a eleita. Leylah Fernandez passou a pré-adolescência a assistir a filmagens de Henin, a aprender movimentos, a adquirir técnicas e a descobrir formas de cobrir as distâncias que as adversárias preenchiam com os centímetros que tinham a mais. Nos anos seguintes, a tenista canadiana tornou-se gradualmente a melhor das respetivas categorias e até dos escalões superiores, ganhou o Roland Garros júnior e conquistou tantos torneios que a Tennis Canada acabou por convidá-la oficialmente para treinar com a federação.

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Mas, como tantas vezes acontece entre pais de atletas e federações, existiram várias divergências de opinião — principalmente no que dizia respeito à quantidade de torneios que Leylah deveria disputar, já que Jorge defendia que a filha não poderia arriscar ficar exausta ainda enquanto adolescente. Meses depois, por opção do pai, a tenista acabou por desistir amigavelmente do programa. “Disse-lhes que iríamos encontrar-nos novamente. E aconteceu. É normal ter desacordos. Queríamos todos o mesmo, que era que a Leylah tivesse sucesso. Mas tínhamos ideias diferentes sobre a forma como chegar lá, durante algum tempo”, indicou Jorge, que não está nos Estados Unidos durante o US Open mas tem acompanhado a canadiana através de chamadas telefónicas diárias.

Ora, assim, o pai de Leylah voltou a ser o grande responsável pela carreira da filha — um cargo que assumiu sem quaisquer distrações, despedindo-se do trabalho e passando a ser treinador a tempo inteiro. Algo que fez com que Irene, a mãe da tenista, fosse a única a contribuir para o orçamento familiar. As dificuldades financeiras da família levaram-na a emigrar sozinha para os Estados Unidos durante três anos, regressando apenas pontualmente a casa. “Foram anos difíceis, as miúdas só viam a mãe umas duas vezes por ano. Foi por isso que decidimos mudar-nos para a Flórida. É a Meca do ténis e assim voltámos a unir a família”, explicou Jorge, sendo que Leylah vive no Estado norte-americano até aos dias de hoje.

French Open Tennis. Roland-Garros 2019.

Jorge Fernandez, o pai de Leylah, assumiu por completo a liderança da carreira da filha, enquanto manager e treinador

Ainda assim, apesar da trajetória intensa e do talento inegável, nada no percurso de Leylah Fernandez deixava antever a enorme participação que está a ter no US Open. Só este ano, a tenista somou sete derrotas com adversárias de fora do top 80 e só ganhou o primeiro torneio WTA no passado mês de março, em Monterrey, no México. De lá para cá, porém, foi eliminada sempre na primeira ou na segunda ronda nos 11 torneios seguintes.

“Não faço ideia do que estou a sentir neste momento. Estava tão nervosa e estava só a tentar fazer o que o meu treinador me disse para fazer. O meu pai diz-me sempre tantas coisas mas hoje disse-me só para ir, divertir-me e lutar por cada ponto. Disse-me que eram os meus primeiros quartos de final e que não podia deixar que fossem os últimos. Disse-me para lutar pelo meu sonho”, contou Leylah logo depois de eliminar Elina Svitolina. Na sexta-feira, Leylah vai carregar a perseverança do pai, os sacrifícios da mãe e os objetivos que sempre teve para procurar chegar a uma inacreditável final de um Grand Slam com apenas 19 anos. Leylah, mais do que uma canção de Clapton, é já parte do futuro do ténis.