Liam Gallagher não é alguém fácil de impressionar. O músico britânico, conhecido por ter formado os Oasis com o irmão Noel e pela relação epicamente turbulenta que os dois partilham, não tem propriamente opiniões cinzentas. Ou gosta, ou odeia. Feroz adepto do Manchester City, é um igualmente feroz rival do Manchester United; feroz apoiante do Partido Trabalhista, é um feroz crítico do Partido Conservador; feroz defensor do rock, é um feroz detrator de quase tudo o que não é rock. Mas quando gosta de alguém, Liam Gallagher não esconde. E Liam Gallagher gosta muito de Emma Raducanu.

No início de julho, quando a tenista britânica chegou à quarta ronda de Wimbledon, o músico descreveu a prestação da atleta como “bíblica”. Dias mais tarde, quando Emma teve de abandonar o encontro contra Ajla Tomljanović devido a dificuldades respiratórias, Liam Gallagher pediu a todos que a apoiassem. O motivo? “É um talento celestial”, escreveu no Twitter. Antes de conquistar o mundo, Emma Raducanu já tinha conquistado metade dos Oasis.

Este sábado, a tenista de apenas 18 anos vai defrontar Leylah Fernandez, canadiana de apenas 19, na final do US Open. Em conjunto, já fizeram história: esta será a primeira final feminina do Grand Slam norte-americano disputada entre duas adolescentes desde 1999, quando Serena Williams enfrentou Martina Hingis. Mas, a título individual, Emma Raducanu tem somado registos surpreendentes e inéditos desde que começou a competir em Nova Iorque. Tornou-se a primeira qualifier de sempre, homem ou mulher, a chegar à final de um Grand Slam, a primeira mulher britânica a chegar à final de um Grand Slam em 44 anos e ainda a finalista mais jovem de um Grand Slam desde 2004. E além de tudo isso, os 18 sets sem perder que alcançou na caminhada até à final fizeram com que subisse mais de 100 lugares no ranking WTA, entrando no top 100 e depois no top 50 mundial pela primeira vez na carreira e saltando para o número 1 no Reino Unido.

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Emma nasceu em novembro de 2002 em Toronto, no Canadá. O pai, Ian, é romeno, enquanto que a mãe, Renee, é chinesa: uma ascendência que explica rapidamente o porquê de Simona Halep, da Roménia, e Li Na, da China, serem as tenistas favoritas da britânica. A família mudou-se para Bromley, no sul de Londres, quando Emma tinha apenas dois anos e o ténis surgiu quando esta tinha acabado de completar cinco enquanto uma das várias modalidades em que os pais a inscreveram. Ainda assim, depressa se tornou mais importante do que o ballet ou o ciclismo, que também praticava. Em entrevistas, a tenista já explicou que foi na Newstead Wood School, o colégio exclusivamente feminino e altamente seletivo que frequentou, que adquiriu a disciplina necessária para se tornar atleta de alta competição.

2021 US Open - Day 8

A britânica de apenas 18 anos eliminou Shelby Rogers, que tinha afastado Ash Barty, nos oitavos de final do US Open

“Ficar na escola ajudou-me porque assim tenho um grupo de amigos, fora do ténis, para quem voltar. Foi uma forma de vida diferente. Era um escape, de certa maneira. Ter outra coisa a acontecer para lá do ténis, para manter a cabeça ocupada. Quando treinamos, só treinamos algumas horas por dia, ainda há muito tempo para preencher. Por isso, sim, ajudou-me a manter a mente ativa. Acho que me ajudou tanto fora do court como dentro, porque sinto que consigo absorver muita informação. Sinto que, no court, sou taticamente mais astuta do que algumas adversárias”, contou Emma Raducanu numa entrevista ao site da WTA.

Aluna de 20 a matemática e economia, a britânica nunca deixou que o ténis afetasse os estudos. “Ela é incrivelmente determinada e concentrada. Trabalha muito. Fazia os trabalhos de casa entre sessões de treino. Treinava todos os dias, três a quatro horas por dia, e quando estava no court percebia-se que estava a dar tudo o que tinha. Fazer isso enquanto continuava na escola e mantinha as notas é ainda mais impressionante”, revelou James Carlton, treinador da tenista dos 10 aos 16 anos, à Sky News.

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Ainda assim, o facto de levar a escola tão a sério impediu-a de ter mais sucesso nos torneios juniores. “Foi frustrante em várias ocasiões porque via as outras tenistas com quem tinha crescido e elas já estavam a alcançar muitas coisas. Houve momentos em que muitas tenistas da minha idade já estavam a dar-se bem no Tour e como profissionais. Mas acho que o mais importante é tentar e dar o meu melhor quando tenho oportunidades, como aconteceu em Wimbledon. Foi a minha oportunidade de mostrar que estou cá, que o meu nível está cá”, contou durante o Grand Slam britânico.

Apesar das dificuldades, o percurso juvenil da tenista foi acelerando e, em 2018, Emma Raducanu já estava no 20.º lugar do ranking mundial de juniores. Nesse ano, chegou aos quartos de final tanto na edição júnior de Roland Garros como do US Open — mas perdeu em ambas as ocasiões, justificando-se depois com uma lesão e também, novamente, com o facto de estar em época de exames. Depois de completar 18 anos no passado mês de novembro, tornou-se profissional e estreou-se no circuito WTA em junho, no Viking Open de Nottingham, onde foi eliminada logo na primeira ronda. Ainda assim, na semana seguinte e no ITF 100K também de Nottingham, foi até aos quartos de final e eliminou Storm Sanders e Timea Babos em dois sets pelo caminho. Uma participação que levou o All England Tennis a oferecer-lhe então um wildcard para Wimbledon, onde fez a sua estreia em Grand Slams. Uma aposta que, três meses depois, parece estar a revelar-se mais do que acertada.

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Em Wimbledon, no início de julho, desistiu na quarta ronda com dificuldades respiratórias, acabando por assistir ao resto do torneio a partir da bancada

Em Wimbledon, onde apareceu enquanto número 338 do ranking, Emma Raducanu bateu Vitalia Diatchenko, Markéta Vondroušová e Sorana Cîrstea e tornou-se a britânica mais nova de sempre a chegar à quarta ronda do Grand Slam na Era Open. Aí, desistiu então durante o segundo set, devido a dificuldades respiratórias, e acabou por perder para Ajla Tomljanović. A história, porém, estava feita: a tenista tornou-se um dos símbolos do verão no Reino Unido, a par da seleção de futebol que chegou à final do Euro 2020, e foi elogiada não só pelos colegas de profissão e por Liam Gallagher como por Marcus Rashford, Gary Lineker, Lewis Hamilton e até Kate Middleton.

De Wimbledon até agora, Emma mudou de treinador e voltou a trabalhar com Andrew Richardson, que já a tinha orientado anteriormente, depois de um curto período com Nigel Sears, o sogro de Andy Murray e antigo técnico de Ana Ivanovic. Pelo meio, entre os torneios WTA em que participou e a preparação para o US Open, deu entrevistas para algumas das publicações mais conhecidas do mundo, tornou-se uma autêntica estrela no Reino Unido e está a caminho de ser a atleta feminina mais bem paga do país. Até que chegamos a Nova Iorque.

Eliminou Osaka, é treinada pelo pai e quer ir à final do US Open: a história de Leylah Fernandez, a tenista com nome de canção de Clapton

Em Flushing Meadows, Emma Raducanu bateu Bibiane Schoofs, Mariam Bolkvadze e Mayar Sherif na qualificação e depois afastou Stefanie Voegele na primeira ronda, Zhang Shuai na segunda, Sara Sorribes Tormo na terceira, Shelby Rogers nos oitavos de final, Belinda Bencic nos quartos de final e Maria Sakkari nas meias-finais até alcançar a qualificação para a final. Apesar de ter marcado voos para logo depois da qualificação, não perdeu um único set e é com esse registo nas costas que este sábado vai defrontar Leylah Fernandez na primeira final de um Grand Slam na carreira. Aconteça o que acontecer, algo é certo: Emma vai encarar a partida como se fosse um teste de matemática.

“Toda a gente me diz que sou absolutamente fanática pelos meus resultados na escola. Dizem que tenho o ego inflacionado por causa disso. Os meus pais acham que sou louca. Mas a verdade é que é só porque não aceito nada que não um 20. E agora sinto que também tenho de corresponder às expectativas. É por isso que trabalho tanto para ter essas notas. Não sei o que vai acontecer mas pelo menos sei que fiz o meu papel, sei que dei o meu melhor”, disse a tenista.