Os gases de refrigeração têm um potencial de aquecimento global 23 mil vezes maior do que o dióxido de carbono e ficam na atmosfera 50 mil anos, alertou esta quinta-feira a investigadora Ana Pereiro, que salienta a importância da reciclagem.
Atualmente a quase totalidade desses gases, os gases fluorados, são libertados para a atmosfera quando se deixam de usar por exemplo automóveis, aparelhos de ar condicionado ou frigoríficos. O projeto de investigação KET4F-Gas, que tem como um dos parceiros a Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Nova de Lisboa, pretende inverter a situação.
Através do projeto foram, nos últimos três anos, desenvolvidas tecnologias inovadoras para separar e reciclar os gases fluorados no fim do ciclo de vida dos equipamentos e as conclusões do projeto são apresentadas esta sexta-feira, no ‘webinar’ “Solutions for a Sustainable Management of Fluorinated Greenhouse Gases”. O projeto tem também uma componente de sensibilização para o problema, como explicou Ana Pereiro, investigadora principal da FCT e uma das coordenadoras do projeto.
Os gases fluorados (HFC) substituíram no final da década de 1990 os antigos gases usados nos sistemas de refrigeração, conhecidos como CFC (clorofluorcarbonetos), que eram muito destrutivos da camada de ozono. Os HFC foram na altura considerados ideais, sem serem tóxicos ou inflamáveis, e o seu uso aumentou exponencialmente, lembrou Ana Pereiro, salientando que estes gases fluorados têm afinal um “alto potencial de aquecimento global”.
Por isso, disse, o objetivo do projeto é evitar a libertação desses gases e sensibilizar consumidores, indústria e empresas. Por isso o projeto contempla uma ferramenta ‘online’ e gratuita para, por exemplo, o consumido conhecer melhor que tipo de gás usa o equipamento que está a comprar e poder optar pelos menos poluentes.
“Fizemos uma escala semelhante à etiqueta energética”, explicou, acrescentando que do projeto faz parte também um manual de boas práticas para a indústria.
Ana Pereiro salientou que os compostos em questão são seguros e inofensivos quando estão nos equipamentos, mas que o problema surge quando existem fugas. E a verdade é que só entre 01% e 05% desses gases são recuperados dos equipamentos em fim de vida, ainda que existam unidades de reciclagem.
“Muitas pessoas tiram o cobre dos equipamentos e libertam todo o gás para a atmosfera”, alertou a especialista, acrescentando outro dado: no fim do ciclo de vida dos veículos, por falta de incentivos, o gás é libertado para a atmosfera. “Nenhum veículo chega com gás refrigerante e os ares condicionados chegam também sem esse gás”.
Os gases fluorados têm sido objeto de legislação na União Europeia desde 2015, a emissão para a atmosfera é proibida em Portugal desde 2017, e pretende-se substituí-los por alternativas com menor impacto ambiental até 2030, incentivando-se a investigação e de tecnologias para recuperar, separar e reciclar os gases.
Ana Pereiro alerta para o contrabando de gases fluorados e para o não cumprimento dos regulamentos e a falta de fiscalização, porque não há multas. E diz: “O que propomos é que em vez de se sancionar se incentive as empresas a terem boas práticas, que as empresas que instalem equipamentos com esses gases tenham certificação, que todos percebam que estas boas práticas têm de ser implementadas a nível doméstico e industrial”.
O projeto KET4F-Gas, financiado com dinheiros de Bruxelas e com a participação de 13 sócios e seis entidades associadas de quatro países, Portugal incluído, desenvolveu também tecnologias inovadoras para separar e reciclar os gases fluorados no fim do ciclo de vida dos equipamentos. São, nas palavras de Ana Pereiro, dois protótipos “únicos a nível mundial”, que em outubro devem ser implementados em ambiente real numa empresa gestora de resíduos.
Estima-se que em 2050 até 12% do total de emissões globais de gases com efeito de estufa poderão ter a sua origem em HFC, já que se espera que a procura mundial de energia para equipamentos de refrigeração triplique devido ao aumento da temperatura.
Ana Pereiro salientou a importância de um novo olhar para o problema, incentivando-se a recuperação dos gases fluorados (que são inofensivos para quem os maneja e liberta para a atmosfera). Mas também adiantou que para o setor “não há uma solução perfeita”.
Não havendo o refrigerante perfeito, as misturas que dão os gases fluorados são para já a solução, e “se forem usadas de maneira correta são inofensivas”.
Mas é preciso, salienta, explicar tudo isto às pessoas, porque “as pessoas quando pensam em aquecimento global só pensam no dióxido de carbono”.