A noite eleitoral comunista acabou cedo: eram 23h quando Jerónimo de Sousa, ciente de que as notícias não seriam boas mesmo quando a contagem ainda ia no adro, discursou e deixou o Sana Metropolitan Hotel. Dezassete horas depois, e já com as contas feitas, os comunistas decidiram acrescentar uma reação já com uma análise mais fina aos resultados, e encontraram vários culpados — entre outros, a comunicação social, a pandemia, uma suposta “campanha anticomunista” ou uma “desfocagem” da natureza local destas eleições.

A reação surgiu nos e-mails das redações assinada por João Oliveira, líder parlamentar do partido e membro da comissão política do Comité Central. E, embora não substitua a tradicional reunião em que o órgão se reunirá para analisar os resultados (que ainda não está marcada), com uma conferência de imprensa no fim, já serve fazer uma leitura mais completa do quadro comunista, sendo certo que o PCP baixou a votação global (8,23%) embora se mantenha como terceira força política e viu a derrota de 2017 consolidar-se, sem conseguir recuperar a maior parte dos bastiões ao PS.

O “quadro” era “particularmente exigente”, reconhece João Oliveira nesta reação, aproveitando logo para disparar o primeiro tiro contra a comunicação social, onde se “prolonga a linha de menorização da CDU”. Contra essa menorização, argumenta, há algumas formas de ver o copo meio cheio: a obtenção de “mais de 450 mil votos”, a eleição de “dois mil mandatos diretos”, a “confirmação como terceira força mais votada” e a “grande força da esquerda local” são as boas notícias — “ainda que cirurgicamente” sejam “apagadas” na comunicação social”, volta a referir.

Depois, a admissão de derrota — e a explicação para ela. Por um lado, aponta-se a culpa ao “peso da epidemia” por condicionar a “proximidade” com a população e as atividades do movimento associativo ou das organizações de reformados, por exemplo. Por outro, os efeitos de uma suposta “prolongada e intensa campanha anticomunista” que terá, com “mentira e manipulação”, visado atingir “a seriedade” dos eleitos da CDU e apresentar o partido como “detentor de supostos privilégios e egoísmo partidário”.

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Os comunistas consideram ainda ter sido prejudicados pela “desfocagem” dos objetivos destas eleições, que acabou por “esbater o seu caráter local” e a “distinção” entre “os vários programas e projetos em disputa” — e a essa crítica não será alheio o facto de António Costa ter usado durante a campanha o Plano de Recuperação e Resiliência como argumento eleitoral, merecendo críticas duras do PCP. Mais: para o PCP, estes discursos induziram os eleitores a decidir “em função de critérios de política nacional” — e atribuíram ao PCP “posicionamentos nesse plano que não tem”.

No cocktail de motivos para o desaire eleitoral entram ainda a “descarada promoção dada a outras forças políticas acompanhada, nalguns casos, de uma ostensiva menorização da CDU”, além de, por último, os “fatores” específicos de cada concelho.

Na sua análise, o PCP não deixa de fora o tratamento dado aos outros partidos, nem a análise aos resultados destes: por um lado, é recorrente a crítica à “insistente e despropositada promoção de outras forças políticas” que não alcançaram os seus objetivos eleitorais — e aqui o recado vai para os novos partidos de direita, até porque os comunistas consideram ter havido aqui uma “operação” para atribuir a esses “projetos retrógrados e antidemocráticos” uma ideia de adesão e “crescimento imparável”… mas artificial.

O partido, via João Oliveira, faz aliás questão de recordar que a votação de PSD e CDS — “sem subestimar as maiorias obtidas em algumas autarquias mais emblemáticas” — é inferior em 1,5 pontos percentuais a 2017; e que o Chega “fica como quinta força eleitoral”, “longe da ambição” de destronar a CDU como terceira força. “Regista-se em particular, enquanto desmentido inequívoco da operação que insinua uma relação entre eleitorado da CDU e daquele partido, o resultado verificado em Moura, em que a CDU esteve a escassos 90 votos de recuperar a autarquia”, fazem os comunistas questão de assinalar, para acabar com a ideia de que haverá uma transferência de votos direta CDU-Chega, sobretudo no Alentejo.

A análise também visa os vizinhos da esquerda: “Regista-se a perda pelo PS de um conjunto de autarquias” e a “perda significativa de posições do BE”, que já em 2017 era “residual”.

Contas feitas, os comunistas concluem que o resultado ficou aquém, como dizia Jerónimo, mas pintam um quadro em que muitos fatores — imprensa e campanhas “anticomunistas” à cabeça — contribuíram para os prejudicar. Com algumas ressalvas relevantes: o partido faz questão de lembrar a “confirmação de posições” em várias câmaras — destaque para Lisboa, onde João Ferreira conseguiu 10,52%, tornando-se assim um dos rostos vencedores da noite, apesar do resultado do partido.