A série que se estreou a 17 de setembro na Netflix e cujo repentino êxito está a intrigar meio mundo é criação da mente de um só homem: o sul-coreano Hwang Dong-hyuk, antigo estudante de cinema em Los Angeles, que escreveu, produziu e realizou “Squid Game”. É dele que fala a imprensa mundial por estes dias, com a série a subir ao primeiro lugar das mais vistas em vários países e a catapultar na bolsa de valores empresas ligadas à produção.
Portugal segue a tendência e por cá “Squid Game” também registava o maior número de espectadores no início desta semana, de acordo com o ranking da própria plataforma de streaming — seguida de “Sex Education” e “Missa da Meia-Noite”. É, aliás, a série dramática coreana mais popular de sempre, escreveu a Forbes. E arrisca tornar-se uma das produções estrangeiras mais vistas de sempre na Netflix americana. Tanto assim é que está a levar os espectadores à redescoberta de propostas semelhantes vindas da Ásia, como sejam “Alice in Borderland” (Japão, 2020) e “Sweet Home” (Coreia, 2020). Esta última era até agora a série sul-coreana que mais atenção tinha despertado na Netflix.
[o trailer de “Squid Game”:]
Banda sonora inclui Tchaikovsky
A primeira temporada de “Squid Game” está disponível para visualização dos assinantes da plataforma desde 17 de setembro. Divide-se em nove episódios, com diferentes durações. O primeiro tem 59 minutos e o oitavo só chega aos 32, por exemplo. É classificado como “programa de suspense” e recomendado para maiores de 16 anos, por culpa de cenas de violência.
Imagens reais são misturadas com efeitos visuais, a banda sonora inclui música clássica de Strauss ou Tchaikovsky e há personagens de máscara que lembram os Power Rangers ou, de outra forma, os ladrões de “La Casa de Papel”, produção com a qual irá certamente competir na liga das séries faladas em línguas que não a inglesa. Há quem veja inspiração em The Hunger Games (Os Jogos da Fome, 2012), da escritora americana Suzanne Collins, que deu origem a uma trilogia homónima no grande ecrã, o que se explica com facilidade.
A história é a de pessoas que decidem arriscar a vida num esquema de sobrevivência que imita jogos infantis tradicionais da Coreia e que lhes permitem alcançar um prémio de milhões. “Centenas de jogadores falidos aceitam um estranho convite para competir em jogos infantis. O prémio que os espera é tentador, mas as consequências são fatais”, diz a sinopse da Netflix, que destaca os atores Lee Jung-jae (“Chief of Staff”) e Park Hae-soo (“Manual do Presidiário”).
“Quis escrever uma história que funcionasse como alegoria, ou fábula, da sociedade moderna capitalista, para assim retratar a competição levada ao extremo, como se fosse a competição extrema da vida”, explicou o autor à Variety. “Mas com o mesmo tipo de personagens que já todos conhecemos na vida. Os jogos que aparecem são muito simples e fáceis de entender, o que permite aos espectadores concentrarem-se nas personagens, em vez de se distraírem a tentar entender as regras.”
O resultado é uma série entre o drama, o humor negro e a exploração de territórios próximos do gore ou do terror, disciplinas nada estranhas à produção audiovisual da Coreia do Sul. Numa comparação de quadrantes diferentes, encontrar semelhanças de uma dramatização tendo por base as provas dos “Jogos sem Fronteiras”, “Nunca Digas Banzai” ou o universo dos jogos de vídeo pode facilmente acontecer — mas os concorrentes, em vez de à procura de entretenimento, são personagens em desespero, com dívidas que nunca vão conseguir pagar de outra forma.
Ainda assim, porquê o sucesso?
A popularidade é tal que pelo menos duas empresas ligadas à produção da série têm tido uma subida em flecha das ações em bolsa, noticiou a Bloomberg na segunda-feira. O facto de em 2020 ter sido um filme sul-coreano a arrebatar os principais prémios na cerimónia dos Óscares — “Parasitas”, de Bong Joon-Ho, que também tinha sido Palma de Ouro em Cannes 2019 — pode ajudar a explicar a apetência do público por uma série da mesma geografia, sugere um artigo do Guardian. O recente culto ocidental da música pop feita no Coreia e conhecida como K-pop também será um fator. Quanto ao conteúdo propriamente dito, diz o Guardian, talvez as emoções que a série proporciona, ligadas ao destino das personagens em ambiente de jogo, seja uma das chaves do êxito.
Ainda assim, não é certo que uma segunda temporada já esteja a caminho. Hwang Dong-hyuk disse à Variety que não tem “planos definidos” quanto a sequelas. “Só de pensar nisso, fico cansado. Se o fizer, não poderei trabalhar sozinho. Teria de pensar numa equipa de guionistas e precisaria de vários realizadores com experiência”, acrescentou. Isto significa que a série de que todos falam foi criada com pouco trabalho de equipa, por incrível que pareça. “Demorei seis meses a escrever e reescrever os primeiros dois episódios. Depois consultei alguns amigos e escolhi as dicas que me permitiam melhorar alguns aspetos.”
Nascido em Seul em 1971, Hwang Dong-hyuk estudou na Coreia e depois de realizar várias curtas-metragens mudou-se para Los Angeles, nos EUA, para fazer um curso de produção de cinema. A banda desenhada japonesa (manga) e a história da própria família são dois elementos muito presentes no seu trabalho — marcado, quase sempre, pelo empenho individual. As duas longas-metragens mais conhecidas de Hwang Dong-hyuk foram realizadas e escritas apenas por ele: a comédia musical Miss Granny (ou Soo-sang-han geun-yeo, 2014) e o drama histórico The Fortress (Namhan Sanseong, 2017).