O Governo ouviu “com atenção” as reações dos parceiros à proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano e garante que não vê o “processo como finalizado”. Ao Observador, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares fala pela primeira vez depois de o Bloco de Esquerda ter apontado ao voto contra a proposta do Governo e o PCP ter ameaçado com o mesmo, mas evita centrar-se nas declarações públicas, sublinhando que a negociação será “longa, como no ano passado” e “exigirá dos vários partidos vontade de aproximação. Da parte do Governo ela existe”.

Existe e é necessária, já que os socialistas continuam a não chegar para aprovar sozinhos o Orçamento do Estado. A atual geometria parlamentar não exige a viabilização por parte dos dois maiores parceiros, o PCP e do BE — como se viu nos dois últimos orçamentos, o Suplementar e o de 2021 –, por isso, Governo socialista precisa de quem lhe dê a mão. Duarte Cordeiro (que acompanha todas as negociações parlamentares do Governo) diz que ouviu o que foi dito pelas várias partes, nas reações à proposta do Governo, e quando questionado sobre o tom dos comunistas, que desta vez falaram de forma clara na possibilidade de um voto contra, diz apenas que “o Governo não vê a negociação com o PCP como finalizada. Antes pelo contrário. Vamos procurar aproximações como nos outros anos”.

Orçamento entregue mas Governo continua sem garantias de apoio

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O Governo não dá sinal de nervosismo quando tem uma proposta apresentada e sem ter ainda apoios (pelo menos públicos) suficientes para aprová-la — e com as contas difíceis, como o Observador já tinha antecipado aqui. Entre socialistas o chumbo do Orçamento não é, no entanto, colocado como um cenário possível e as posições manifestadas esta terça-feira pelos parceiros, sobretudo pelo PCP, são vistas como parte da mise en scène orçamental. Mas também não se dá nada como garantido. Aguarda-se para ver o que se segue e ainda se segue muito. Os parceiros já receberam do Governo uma lista de ganhos concretos que já estão inscritos na proposta entregue no Parlamento esta segunda-feira. Um dos exemplos apontado à cabeça no PS é a autonomia nas contratações do SNS que já era pedida pelo BE no ano passado, mas acabou por entrar neste ano.

Mas ao mesmo tempo o Governo também fez saber que existe um cenário macroeconómico favorável — com um crescimento na ordem dos 5,5% no próximo ano e um défice estimado nos 3,2% do PIB, quando as regras orçamentais ainda estão suspensas. O cenário tem largura para acomodar mais pedidos dos partidos, que possam vir a ser acautelados na discussão na especialidade? “Sim, é possível ir mais longe do que está na proposta”, admite o secretário de Estado sem avançar em que matérias concretas.

A entrega da proposta não encerra o processo, mas também não traz o alívio de uma primeira votação ultrapassada. O Governo continua nessa busca e Duarte Cordeiro aponta as próximas semanas como tempo útil para “continuar o processo” que irá até à especialidade, altura em que a proposta será debatida mais em detalhe, com propostas de alteração a entrarem também por parte dos partidos e algumas delas ainda com a possibilidade de acordo prévio com o PS. Um dos temas que tem sido visto como matéria de possível aproximação é, por exemplo, o aumento extraordinário das pensões mais baixas. A proposta do Governo prevê que ele só aconteça em agosto, mas o PCP pede que surja já em janeiro — como aconteceu no ano passado. Ainda na conferência de imprensa em que apresentou o Orçamento, o ministro das Finanças foi questionado sobre esta possibilidade e não deu resposta direta, deixando tudo em aberto.

Duarte Cordeiro recusa, por agora, entrar nos detalhes, tanto do que está na proposta do Governo como o que veio nas críticas dos parceiros da esquerda, como o ponto em que o BE aponta a insuficiência nas alterações ao nível fiscal, dizendo que o Governo PS colocou, em 2018, mais de 200 milhões de euros para o desdobramento de escalões do IRS, quando agora todas as alterações fiscais totalizam quase o mesmo valor.

O mesmo sobre posições mais extremadas por parte dos dois maiores parceiros. O Governo não quer comentar, mas nos bastidores vai elencando aos parceiros tudo aquilo que vinha nos seus programas eleitorais e que agora encontra correspondência na proposta do Executivo. O Governo pretende insistir junto dos partidos que no passado apoiaram Orçamentos do PS, nos ganhos gerais, mas também nos ganhos concretos de cada partido na proposta final. E atira os detalhes para a especialidade, que é onde vai garantindo que se têm desenrolado muito das negociações desde que, na sequência das eleições de 2019, deixou de contar com o apoio da “geringonça” e deixou de haver um guião para estas rondas orçamentais.