“O ponto de situação mantém-se inteiramente válido”. Três dias depois de ter lançado a ameaça de votar contra o Orçamento do Estado e colocado o Governo a fazer contas de cabeça, o PCP mostra-se firme: de lá para cá, as conclusões que o partido tirou sobre a proposta de Orçamento não mudaram e não houve propostas novas que fizessem o PCP reavaliar a sua intenção. Mas apesar do discurso duro, que andam a promover numa série de comícios de rua (há pelo menos mais dois marcados até à data da votação), a decisão não estará mesmo fechada, garantem os comunistas: não só o partido não está a apostar numa crise política como tem “dificuldade em entender a motivação” do Governo para ter apresentado uma primeira proposta tão recuada.
A semana foi, a partir do aviso comunista, feita de uma sucessão de anúncios, uns mais concretos e outros mais genéricos, que iam acompanhando as garantias de abertura negocial do Governo. Fosse numa visita de um ministro às televisões, fosse numa ida de António Costa ao Parlamento para falar aos deputados socialistas, as garantias de “humildade” e referências a medidas no Trabalho iam aparecendo. Mas para o PCP, explica o líder parlamentar, João Oliveira, ao Observador, isto não chega.
Orçamento. PCP ameaça romper, Bloco desconfia de bluff negocial
“Tudo o que o Governo tem anunciado corresponde a questões que já nos tinham adiantado e que tivemos em conta na avaliação de terça-feira. O que tem dito não altera grande coisa”, explica o líder parlamentar. Estatuto do SNS e Agenda do Trabalho Digno? “Já nos tinham adiantado essas questões, só não sabíamos a data do Conselho de Ministros em que seriam aprovados”. Mexidas no regime da contratação coletiva, que não acabam com a sua caducidade? “Não corresponde ao que é necessário”. Uma conclusão, aliás, muito semelhante à que o Bloco de Esquerda transmitiu numa conferência de imprensa que convocou esta sexta-feira especificamente para dar conta do “impasse” nas negociações e desmistificar a ideia de abertura do Governo.
Então e se houver, como o Observador antecipou, hipótese de aumentar mais o salário mínimo ou aliviar os escalões de rendimentos mais baixos no IRS? O PCP fica à espera de novos trunfos do Governo: “Esperamos que o Governo nos dê indicações sobre isso. Não temos nenhuma”.
Pressionado por algumas vozes do PS durante a semana sobre a hipótese de esta posição do PCP poder vir a abrir uma crise política — um cenário que também Rui Rio sinalizou que levava a sério, e que até quis que condicionasse o calendário interno do PSD — Oliveira contra-ataca.
“Tem-se especulado muito sobre uma crise política, sobre cenários de eleições. Eu pergunto: é preciso ir a eleições para haver aumentos de salários, creches gratuitos, aumentos de pensões? A nós parece-nos que não. É preciso haver compromissos concretos”. Mais claro: “Pode haver partidos e dirigentes para quem as palavras pesem pouco e que utilizem as palavras de ânimo leve, sem sentido de responsabilidade. No nosso caso é o contrário. Quando dissemos na terça que, considerando a resistência do Governo, a proposta de Orçamento poderia contar com oposição, também dissemos que não temos nenhum sentido de voto fechado. Quando dizemos isto, é o que queremos dizer”. Farpa a Rio: “Percebo que Rui Rio não dê às palavras o peso que têm de ter e ache que fazemos todos o mesmo que ele”.
O deputado insiste não perceber “o que significa” ver ministros a falar de cenários de eleições antecipadas. “Estão a remeter para segundo plano creches, salários, precariedade, despedimentos? E põem esse discurso em primeiro plano? Aquilo de que estamos a tratar é de eleições, não é de crises políticas. Naturalmente quem coloca como prioridade no seu discurso o cenário é porque não tem exatamente essas prioridades…”, sugere.
Feitas as contas, depois de ter lido o documento de fio a pavio, e questionado sobre se António Costa tomou, desta vez, o apoio do PCP por garantido, o líder parlamentar revela alguma perplexidade em relação à falta de medidas do partido vertidas logo na primeira proposta de Orçamento, depois de semanas de negociação. “Tenho alguma dificuldade em entender a motivação do Governo para não considerar este ano as questões que o PCP coloca com a preocupação que com que considerou no passado, noutras circunstâncias”, explica.
Quanto à questão que provoca, por estes dias, dores de cabeça ao Governo — de que medidas precisará o PCP para viabilizar o Orçamento — João Oliveira faz por desmistificar a ideia de intransigência do partido. Exemplos? O PCP sempre defendeu a redução do IRS para os rendimentos mais baixos, o Governo respondeu com uma redução para quem ganha mais de 1380 euros; o PCP tem exigido um aumento geral das pensões, o Governo devolve um aumento de dez euros “para as mais baixas… e a partir de agosto”.
Desta vez, o PCP quer mais, mas garante que a intransigência esteve até agora do lado do Governo: “Como é que é possível dizer-se que se procura corresponder às questões colocadas pelo PCP? São referidas no OE, mas não têm propriamente um significado que se possa dizer que se corresponda. Também temos defendido a gratuitidade de todas as creches e um avanço na rede pública. Significa isto que é amanhã creche gratuita para toda a gente? Não é”. O que é preciso, explica o partido, é desbravar mais caminho numa série de temas: salários, pensões, creches, leis laborais e IRS à cabeça. Os próximos dias serão de negociação, mas o PCP aposta na discrição máxima dentro de portas, nas reuniões, e no barulho máximo nas ruas, onde continuará a fazer comícios fim de semana sim, fim de semana sim.