Em dezembro do ano passado, um grupo de oito antigos jogadores de râguebi decidiu processar a World Rugby, a Federação inglesa de râguebi e a Federação galesa de râguebi por aquilo a que chamaram um “falhanço na obrigação de proteger os atletas dos elevados riscos e consequências” associados às pancadas na cabeça durante os treinos e jogos. Agora, perto de um ano depois, surgem as primeiras ondas de choque desse processo — e a prova de que foi, essencialmente, a abertura de um precedente.
Desta feita, 10 antigos jogadores internacionais de râguebi anunciaram a intenção de processar a Rugby Football League, o organismo que regula a modalidade em Inglaterra, exatamente pelo mesmo motivo: o falhanço na hora de proteger os atletas dos elevados riscos e consequências associados às pancadas na cabeça durante os treinos e os jogos. Todos os ex-jogadores envolvidos no caso foram diagnosticados com demência, encefalopatia crónica traumática (ECT) ou doenças neurológicas degenerativas e a equipa de advogados que os representa — que é a mesma que representa os oito que processaram a World Rugby — garante que o número final de queixosos pode ascender aos 50.
Um dos antigos atletas é Bobbie Goulding, ex-internacional inglês que teve uma carreira de 17 anos entre seleção e clube e que entretanto foi diagnosticado com demência. “Receber a notícia assim do nada, como se fosse um autocarro a atingir-me, foi muito difícil. Nunca pensei que fosse demência, achei que era só a vida, o envelhecimento. Quando jogava, era um tipo de 1,70 metros e 80 quilos a bloquear tipos com quase 1,90 metros e 120 quilos mas nem me preocupava com isso. No fim, teve as suas consequências. Em pelo menos três ocasiões, joguei dias depois de ficar completamente inanimado”, explicou Goulding, que tem apenas 49 anos, ao The Guardian.
“Lembro-me de, já no final da minha carreira, jogar num domingo pelo Leigh contra o Huddersfield. Nesse domingo à noite, estava numa enfermaria de Huddersfield porque tinha desmaiado depois de uma pancada na cabeça. No sábado a seguir já estava a jogar contra o Batley”, acrescentou.
Jason Roach, outro antigo jogador que também está envolvido no processo e que foi diagnosticado com demência e possível ECT, tem memórias semelhantes. “Comecei a esquecer-me de coisas uns 10 anos antes de fazer 40, até de coisas importantes. Um dia tive problemas com a polícia por causa disso. Fui detido sete dias depois de um incidente com o meu carro mas, quando a polícia apareceu à minha porta, eu não tinha qualquer memória de alguma coisa ter acontecido. Disseram-me que tinha saído do carro, ameaçado um outro condutor e que depois tinha fugido. O polícia disse-me: ‘Ou é o melhor mentiroso do mundo ou não fez nada disto’. Eu dei-me como culpado mas até hoje não me lembro de nada. Esqueço-me de onde estacionei o carro e tenho de verificar se tranquei as portas centenas de vezes para ter a certezas. Às vezes, estou a fazer café e percebo que pus duas colheres na chávena. Porque faria isso? Não são coisas muito importantes mas deixam-me ansioso em relação ao futuro. Tenho uma filha de 10 meses e preciso de cuidar dela”, revelou Roach, que completou 50 anos no passado mês de maio.
As exigências deste grupo de antigos jogadores são em tudo semelhantes às que foram feitas à World Rugby pelo grupo de dezembro de 2020: recompensas pelas consequências que estão a sofrer, pelo impacto nas perspetivas de emprego e pelos custos dos cuidados de saúde que terão de ter para o resto da vida, assim como uma série de recomendações para mudar a forma como é râguebi é praticado atualmente.