A antiga ministra do Ambiente brasileira Marina Silva afirmou que o Brasil “tem as melhores possibilidades” de liderar o progresso ambiental a nível mundial, mas o Presidente, Jair Bolsonaro, “caminha na contramão” e “retrocedeu” em compromissos já firmados.
Em entrevista à agência Lusa, e num momento em que decorre a 26.ª cimeira das Nações Unidas sobre alterações climáticas (COP26), em Glasgow, na Escócia, Marina Silva disse não ter dúvidas de que Bolsonaro “tem como estratégia” não travar a desflorestação e as queimadas nos principais biomas do país.
“O Brasil vive uma grande contradição, um paradoxo, porque somos o país que tem as melhores possibilidades e oportunidades de fazer uma inflexão diante da crise ambiental global que estamos vivendo no mundo, tanto face à perda de biodiversidade, quanto aos problemas das mudanças climática, e, infelizmente, o Brasil caminha na contramão de tudo isso”, avaliou.
“Temos um Governo que destruiu as políticas públicas ambientais, tivemos aumento da desflorestação, temos um Governo que retrocedeu em relação aos compromissos que foram assinados pelo país, e o Brasil pode sim continuar a ser o país que lidera esse processo. Nós podemos ter uma matriz energética 100% limpa, podemos acabar com a desflorestação, ter uma agricultura de baixo carbono, combinar economia com ecologia“, argumentou.
De acordo com a ativista, isso apenas não é feito porque o ambiente não é tratado com uma política estratégica para os Governos.
Marina Silva fala por experiência própria, revelando, que no período em que foi ministra do Meio Ambiente, entre 2003 e 2008, no Governo do ex-presidente Lula da Silva, enfrentou “muita resistência” dentro do próprio executivo, tendo acabado por pedir demissão do cargo.
“Mesmo na época em que fui ministra, conseguimos um feito muito grande, que foi fazer um plano que reduzisse a desflorestação em 83% por quase uma década, criamos mais de 25 milhões de hectares de novas unidades de conservação, mas mesmo assim havia muita resistência dentro do Governo à época”, contou à Lusa.
O Brasil, que abriga 60% da floresta da Amazónia, vai assinar um importante acordo internacional para a preservação das florestas na COP26, informou na semana passada o Ministério das Relações Exteriores do país.
O Governo brasileiro tem assegurado ainda, em diversas ocasiões, que vai à COP26 comprometer-se com a neutralidade carbónica até 2050 e assinar um compromisso sobre o fim da desflorestação.
Contudo, esses compromissos que o Brasil diz que assumirá na cimeira já vêm sendo anunciados há meses pelo executivo.
Na semana passada, um relatório do Observatório do Clima, uma rede de organizações ambientais sem fins lucrativos, mostrou que as emissões de gases de efeito estufa aumentaram 9,5% num ano no Brasil em 2020, apesar da pandemia de Covid-19.
Ao mesmo tempo, a média mundial caiu 7% devido, em particular, à redução do tráfego aéreo e da produção industrial.
Segundo o relatório, essa exceção brasileira deve-se ao “aumento da desflorestação, principalmente na Amazónia, que colocou o país na contramão do resto do planeta“.
Desde o início do mandato de Bolsonaro, em 2019, a Amazónia brasileira perdeu cerca de 10.000 quilómetros quadrados de floresta por ano, o equivalente à superfície do Líbano, contra 6.500 quilómetros por ano na década anterior.
Segundo Marina Silva, Bolsonaro tem em mãos “projetos que são altamente nefastos para os interesses estratégicos do Brasil, da América Latina e do equilíbrio do planeta”, como políticas “para construção de grandes estradas, de centrais hidroelétricas, de garimpos e exploração de madeiras na Amazónia e no Pantanal”.
“Bolsonaro tem como estratégia não ter política de combate à desflorestação, às queimadas, problemas que têm crescido de forma assustadora. Também as emissões do Brasil (de gases de efeito de estufa) aumentaram e o Governo suga a nossa matriz energética, agora com a crise hídrica, com as centrais termoelétricas que são oriundas de combustíveis fosseis”, acrescentou a ativista ambiental.
A antiga candidata presidencial lamentou ainda que continue a “haver uma adesão cega” a Bolsonaro, que mantém uma significativa base de apoio mesmo “destruindo a Amazónia e estando envolvido em corrupção”.
“Há uma adesão cega a esse tipo de liderança, (…) não há uma atitude critica. Isso vem sendo alimentado há muitos anos e tem tido uma configuração forte na América Latina. Podemos ver o que acontece por exemplo na Venezuela, onde Nicolás Maduro tem cometido atrocidades pela esquerda, assim como Bolsonato tem cometido atrocidades pela direita e, mesmo assim, eles mantém uma base significativa de pessoas que cegamente os segue”, advogou.