“Sabemos que um canal está a considerar uma alegada história que faz acusações sem fundamento sobre a organização dos Suns em relação a vários assuntos. As provas documentais que estão na nossa posse e os testemunhos recolhidos diretamente contradizem as acusações do repórter e estamos a preparar todas as respostas a essas questões. Pedimos a todos que não se apressem em julgamentos, especialmente quando são baseados em mentiras, insinuações e uma falsa narrativa para atacar a organização e a liderança.”
Nos EUA, como em tantos outros países no mundo, existem várias formas de tentar agir em vez de reagir a uma história que terá necessariamente impacto pelo assunto em causa. No caso dos Phoenix Suns, finalistas na última temporada da NBA onde só perderam na decisão frente aos Milwaukee Bucks, a ideia passou por fazer uma antecipação da “bomba” que estava prestes a ser lançada pedindo apenas uma espécie de benefício da dúvida quando a mesma fosse publicada. O objetivo pode ou não ter sido concretizado mas, se calhar até de forma inadvertida, a publicação feita nas redes sociais chamou ainda mais a atenção para algo que viria mesmo a detonar com efeitos colaterais na NBA, que abriu uma investigação após o artigo da ESPN.
– Tu sabes porque é que o Daymond Green vai para o campo e diz nigga? [utilizado sempre pela publicação com ‘N-word’]
– Não podes dizer isso…
– Porquê?
– Não podes mesmo dizer isso…
A ESPN falou com mais de 70 antigos e atuais funcionários da organização dos Phoenix Suns a propósito daquele que é o comportamento do dono da franquia, Robert Sarver. O diálogo supracitado foi apenas um dos muitos relatos que estão agora sob averiguação da NBA, numa conversa mantida com Earl Watson, ex-treinador da equipa que fazia o terceiro encontro no cargo diante dos galácticos Golden State Warriors, em 2016, onde estiveram na frente com mais de dez pontos de avanço mas acabaram por claudicar no último período. “A anedota mostra numa visão rápida a conduta que Sarver foi mantendo de quando em vez desde que comprou os Suns no ano de 2004. As entrevistas descrevem um clima tóxico e às vezes hostil criado por Sarver ao longo de 17 anos”, resume logo no início a publicação, antes de um desfile de muitos mais relatos.
Aos 60 anos, o empresário que até aqui tinha sido apenas “apontado” por ser forreta pela forma como olhava sempre em primeiro lugar para a questão financeira em detrimento da parte desportiva para nunca correr o risco de pagar a “taxa de luxo” é agora acusado de racismo e misoginia com episódios que envolvem alegadas acompanhantes de luxo para contratar jogadores e até fotografias privadas da própria mulher. “O nível de misoginia e racismo passa as marcas. É uma coisa embaraçosa enquanto dono”, disse um dos proprietários. “Não há nada que me possa dizer disso que me possa surpreender”, confessou um executivo.
Proprietário dos Phoenix Suns, das Phoenix Mercury (equipa feminina da WNBA) e da equipa de futebol do Maiorca, Sarver, de 60 anos, é um empresário com interesses sobretudo no ramo imobiliário que é filho de um antigo banqueiro e magnata da hotelaria da cidade de Tucson. Com apenas 16 anos, começou a trabalhar com os pais, assim se mantendo enquanto fazia a formação académica em administração de empresas, e fez um percurso de menos uma década até fundar o Banco Nacional de Tucson, que não demorou a expandir-se, a passar a Banco Nacional do Arizona e a ser vendido no primeiro grande negócio de milhões (mesmo muitos milhões) que realizou uma década depois. À parte de tudo isso, o empresário nunca deixou de ter o fascínio pelo desporto, em especial pelo basquetebol e pela NBA. E foi assim que outra história começou.
Depois de ter consultado o treinador da Universidade de Arizona, Lute Olson, Sarver foi “encaminhado” para o ex-campeão pelos Chicago Buls, pelos San Antonio Spurs (ambas como jogador) e Golden State Warriors (como treinador), Steve Kerr. Foi com a ajuda deste que conseguiu aquela que se tornaria uma oportunidade de vida, concretizada em 2004 com a compra dos Phoenix Suns por 401 milhões de dólares. A equipa voltou na última época a uma final da NBA depois de vários insucessos na construção de equipas e na dispensa de algumas posições no draft a troco do equilíbrio financeiro (exemplos: Rondo, Luol Deng ou Joe Johnson) mas era sobretudo notícia nesta fase pelo investimento em infraestruturas como o Verizon 5G Performance Center, um campo de treinos pioneiro nos EUA pelas facilidades na análise de dados e nas ciências do desporto, ou as melhorias no Footprint Center, pavilhão da equipa com capacidade para 16.500 espectadores.
Com a “bomba” detonada pela ESPN, tudo parece agora preso no tempo. Da parte dos jogadores, os poucos comentários têm passado ao lado das acusações. Contudo, a NBA encara a questão de outra forma.
Os primeiros rumores em torno de Sarver apontavam para alegados casos de abusos sexuais, algo que foi de imediato desmentido pelo próprio. Agora, as acusações tomaram direções distintas e já se fala daquilo que aconteceu com Donald Sterling em 2014, quando o antigo dirigente dos Los Angeles Clippers foi confrontado com revelações de comentários racistas e durou apenas mais alguns dias no cargo por pressão também de Adam Silver, comissário da NBA que assumira a posição há pouco tempo e fez do caso um exemplo.
“Em primeiro lugar, quero refutar qualquer insinuação de racismo pessoal ou organizacional ou qualquer tipo de discriminação de género. Desprezo a linguagem que falte ao respeito a qualquer indivíduo, qualquer que seja a raça, o género ou preferência. Começou a não saber como demonstrar que algo não se passou, é difícil apagar ou esquecer acusações desagradáveis a partir do momento em que são feitas. Os indícios de racismo ou sexismo na nossa cultura atual são tóxicos, danosos e não devem ser referidos de forma ligeira. Nego de forma categórica todas as acusações em relação ao uso de linguagem que desrespeite alguém, pela raça ou pelo género. As minhas ações durante toda a vida nos negócios e no serviço comunitário responderão de forma adequada a qualquer pergunta que alguém queira fazer sobre o meu compromisso com a justiça e a igualdade”, comentou o proprietário dos Phoenix Suns na primeira reação pública ao caso.
Voltando ao artigo da ESPN, a publicação recorda um episódio em que Sarver quis mostrar a todos os seus empregados como era um verdadeiro fã dos Suns. Para isso, numa reunião, terá passado o telemóvel por vários elementos da organização mostrando uma imagem da mulher com um biquini da equipa. “Estávamos a passar aquilo uns para os outros como se fosse uma batata quente. O que é que podíamos fazer?”, contou uma das mais de 70 fontes contactadas. O empresário referiu que só mostrou porque tinha sido aprovada pouco antes a licença para vender o produto e a marca tinha enviado uma amostra para ele e para a mulher mas a ESPN diz que mais de uma dúzia de funcionários recordou comentários obscenos em reuniões onde discutia o sexo oral com a mulher e quatro ex-funcionários dizem que chegou mesmo a dizer que precisava de preservativos extra grandes, além de questionar os jogadores sobre as suas vidas sexuais.
Outro dos casos está relacionado com a ideia de dispensar das funções de coordenação uma mulher porque estava grávida e que como tal tinha de ficar em casa a amamentar, algo que de acordo com as fontes que foram contactadas não chegou a acontecer porque outros membros dos Suns se aperceberam do que iria acontecer e evitaram a ideia. Outras mulheres que trabalharam na organização falaram em machismo.
Há ainda mais episódios de cariz sexual que apontam a Sarver. Em 2012/13, de acordo com um antigo membro da organização, o proprietário mostrou-se preocupado com o rendimento da equipa e com a vida noturna dos jogadores, tendo assim prometido ao plantel levar no avião mulheres acompanhantes caso assim fosse mais fácil cumprir com os seus deveres. Em 2015, na sequência da contratação falhada de LaMarcus Aldridge, que optou pelos San Antonio Spurs para estar mais perto do filho que vivia no Texas, Sarver terá dito a dois membros da equipa de operações que precisavam contratar strippers para que ficassem grávidas de jogadores da NBA, o que faria com que ficassem depois a jogar nessa área. “Muitas destas coisas são ditas para provocar este tipo de reações mas como é que uma pessoa pode dizer que não? Fala sempre através de ameaças, gosta disso para mostrar quem manda. Quer controlar tudo e todos”, revelou uma fonte.