Chegou ao fim a primeira das duas semanas da COP26, a cimeira global das Nações Unidas sobre as alterações climáticas que decorre em Glasgow, e o balanço é um misto de sentimentos: uma série de compromissos políticos já assumidos terão, em teoria, um impacto ambiental muito positivo, mas os ambientalistas receiam que não passem de promessas vazias de sentido. Depois de uma fase de alto nível no início da semana, a COP26 entrou numa fase negocial mais técnica e perdeu fôlego mediático — com o protagonismo a passar para os milhares de ativistas climáticos que estão em Glasgow.

O que sai da primeira semana da COP26?

Um regresso de peso e, sobretudo, muitos compromissos, com muitos números e muitos signatários.

  • Joe Biden foi a Glasgow garantir que os Estados Unidos estão de volta aos esforços globais de combate às alterações climáticas. Após quatro anos de Donald Trump, que tirou os EUA do Acordo de Paris e reverteu grande parte das políticas ambientais de Obama, Joe Biden assegurou que o país, que é o segundo maior poluidor do mundo (só atrás da China), está pronto para se comprometer de novo com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC até ao final do século. “Queremos demonstrar que os EUA não estão apenas de volta à mesa [de negociações], mas vão liderar com o poder do exemplo”, disse no seu primeiro discurso na COP26, na segunda-feira.

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  • A Índia comprometeu-se a alcançar a neutralidade carbónica até 2070. Foi a primeira grande notícia da cimeira de Glasgow. O país asiático, onde vivem 1,3 mil milhões de pessoas, é o terceiro maior poluidor do mundo e ainda obtém cerca de 70% da sua energia a partir da queima de carvão. Até aqui, a Índia tinha-se recusado liminarmente a assumir uma meta para a neutralidade carbónica (que a maior parte do mundo colocou em 2050, e a China em 2060), argumentando que isso colocaria em causa o grande crescimento económico que está a viver — e que a defesa do clima implicaria, na verdade, que os países desenvolvidos ajudassem os mais pobres a fazer a transição energética de modo economicamente sustentável.

Índia apresenta compromisso para neutralidade carbónica até 2070 pela primeira vez

  • Uma centena de países assumiram o compromisso de acabar com a desflorestação a nível global até 2030 e reverter os efeitos do processo a partir daí. O acordo contou, inclusivamente, com a assinatura de alguns dos líderes mundiais até aqui considerados mais céticos relativamente às necessidade de combater o aquecimento global, como Jair Bolsonaro ou Xi Jinping. A declaração assinada por uma centena de chefes de Estado e de Governo pressupõe um investimento de cerca de 20 mil milhões de dólares públicos e privados (um dos grandes financiadores é Jeff Bezos, da Amazon) — e os signatários têm jurisdição sobre cerca de 85% das florestas mundiais, incluindo a Amazónia.
  • Mais de 80 países, incluindo Portugal, comprometeram-se a cortar as emissões de metano em 30% até 2030, em relação aos níveis de 2020. Trata-se de um esforço global liderado pela União Europeia e pelos EUA e que poderá trazer efeitos positivos a curto prazo. O metano é o segundo gás de efeito de estufa mais emitido no planeta, a seguir ao dióxido de carbono. Representa cerca de 17,3% das emissões a nível global, mas o seu potencial de aquecimento do planeta é cerca de 80 vezes maior do que o do CO2, pelo que o metano é uma das maiores ameaças ao planeta (e foi responsável por cerca de 0,5ºC de aquecimento global desde a era pré-industrial até aos dias de hoje). A comunidade científica considera que este acordo poderá reduzir em 0,3ºC o aquecimento global do planeta até 2030, o que o torna num dos mais importante compromissos assumidos na cimeira.

Florestas e emissões de metano. Dois acordos globais alcançados na primeira fase da COP26. Agora, continuam as negociações

  • Mais de 40 países prometeram descontinuar a produção de eletricidade a partir da queima do carvão durante a década de 2030 (para os países desenvolvidos) ou de 2040 (para os países em vias de desenvolvimento). O acordo conta com a assinatura de alguns grandes consumidores de carvão, como a Polónia, a Ucrânia, o Canadá ou o Vietname, mas ficaram de fora nações como a Austrália, a Índia, a China ou os EUA, cuja participação no acordo seria fundamental para que tivesse um efeito significativo. Ainda assim, a presidência britânica da COP26 não hesitou em apresentar o compromisso como um enorme sucesso nem em assegurar que “o fim do carvão está à vista“.
  • Quarenta e cinco países comprometeram-se a investir mais 4 mil milhões de dólares [3,5 mil milhões de euros] em inovação agrícola, num acordo alcançado no sábado, dia dedicado às florestas, agricultura e uso dos solos. “Aproximadamente um quarto das emissões mundiais de gases com efeito de estufa vêm da agricultura, silvicultura e outros usos dos solos — o que cria uma necessidade urgente de reformar o modo como cultivamos e consumimos comida”, disse o governo britânico, anfitrião da cimeira, no anúncio do compromisso, salientando que é fundamental “transformar a agricultura e os sistemas alimentares” com políticas que reduzam as emissões sem esquecer “a produção de comida e os empregos”.

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É suficiente?

Dificilmente. Alguns estudos publicados esta semana ajudam a ter uma ideia concreta do impacto que os compromissos assumidos poderão ter. Um deles, divulgado pela Universidade de Melbourne, estima que se os compromissos assumidos na COP26 forem todos implementados na extensão e no calendário previstos, o planeta poderá chegar ao final do século 1,9ºC mais quente do que no período pré-industrial. Um outro estudo, da Agência Internacional de Energia, aponta para um aquecimento de 1,8ºC. Importa recordar que, antes da COP26, os modelos científicos estimavam que os compromissos então em vigor levariam o planeta a aquecer 2,7ºC, pelo que se trata de uma redução significativa — mas ainda aquém dos 1,5ºC considerados essenciais para mitigar o impacto das alterações climáticas e assumidos como desígnio global no Acordo de Paris.

O presidente da associação Zero, Francisco Ferreira, um dos nomes maiores do ambientalismo em Portugal, faz uma avaliação cautelosa. À chegada a Glasgow, onde participará como observador nas negociações da segunda semana da COP26, Francisco Ferreira disse numa entrevista à Agência Lusa que já foram dados “passos importantes” na cimeira, mas apontou as fragilidades. Por um lado, salientou que é necessário que os compromissos não sejam apenas assumidos — mas também cumpridos, algo que a história do Acordo de Paris mostra não ser absolutamente linear. Por outro lado, Francisco Ferreira sublinhou que há “países-chave” que ficaram “de fora” de acordos fundamentais, como a Rússia, a China ou a Índia no caso do metano.

Além disso, apesar dos compromissos políticos assumidos em público, ainda faltam os compromissos técnicos — que serão cruciais para que os objetivos sejam alcançados.

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Os líderes mundiais estiveram em Glasgow para a cimeira de líderes na segunda e terça-feira, mas abandonaram a cidade escocesa e deixaram as delegações nacionais encarregadas de negociar o acordo final da COP26 — o documento que deverá ser assinado por todos os países participantes e que incluirá os compromissos técnicos que governos de todo o mundo terão de implementar nos próximos anos. Essas negociações têm decorrido de modo intenso, paralelamente a um conjunto de debates e conferências temáticas no centro de congressos de Glasgow.

A expectativa é de que o documento final esteja pronto e traduzido em todas as línguas da ONU na próxima sexta-feira, dia 12 de novembro. O presidente da COP26, o britânico Alok Sharma, reúne-se na noite deste sábado com as várias delegações nacionais presentes na cimeira para se inteirar do estado das negociações e para reiterar aos negociadores que os textos finais estejam prontos na quarta-feira, para que na quinta sejam resolvidos todos os assuntos pendentes e entre quinta e sexta o documento final possa ser preparado.

Nas ruas, Greta Thunberg diz que a cimeira é “um falhanço”

Depois da fase de alto nível com as intervenções dos chefes de Estado e de Governo (em que Portugal não esteve representado devido à incompatibilidade da agenda de António Costa com a agenda da cimeira), e com a cimeira a entrar numa fase mais técnica, as atenções voltaram-se sobretudo para as ruas de Glasgow, onde milhares de ativistas têm repetido apelos e manifestado o seu descontentamento com a falta de ambição da COP26.

COP26. No dia dedicado à juventude, o protagonismo foi dos jovens (e de Greta Thunberg) nas ruas de Glasgow

Na sexta-feira, milhares de jovens saíram à rua para se juntarem à ativista sueca Greta Thunberg numa marcha pelo clima em que a jovem não poupou nas palavras para criticar a cimeira. “Não podemos resolver uma crise com os mesmos métodos que nos trouxeram aqui“, disse Greta num discurso, no final da marcha. “Os líderes mundiais não estão a fazer nada”, considerou, antes de classificar a cimeira como “um falhanço” e uma “manobra de relações públicas”.

Este sábado, as ruas voltaram a ofuscar os trabalhos oficiais da cimeira, com milhares de pessoas (a organização do protesto fala em 100 mil, a polícia não confirma) a saírem para se manifestarem contra os decisores políticos reunidos em Glasgow — protestos que se repetiram um pouco por todo o mundo, incluindo em Portugal.

No domingo, os trabalhos da COP26 estarão suspensos, sendo retomados na segunda-feira.