Ao quinto dia, a cimeira das Nações Unidas sobre as alterações climáticas (COP26), que decorre em Glasgow, no Reino Unido, produziu mais um acordo. Num dia de debates em torno da energia, mais de 40 países comprometeram-se a descontinuar a produção de eletricidade a partir da queima do carvão — a fonte de energia mais poluente atualmente em uso — durante a década de 2030 (no caso das economias desenvolvidas) ou de 2040 (no caso dos países em vias de desenvolvimento).

Em 2019, a queima de carvão produziu cerca de 37% da eletricidade consumida no planeta — com uma enorme fatura ambiental associada. Por isso, o abandono deste processo de produção energética altamente poluente é um dos principais compromissos que os cientistas e os ambientalistas esperam das maiores economias mundiais.

Depois de dois acordos alcançados ainda na fase das intervenções de chefes de Estado e de Governo (um sobre o fim da desflorestação e outro sobre o corte das emissões de metano) e de um dia dedicado à discussão em torno da economia e do modo de financiar os custos da transição climática, os representantes nacionais na COP26 debruçaram-se esta quinta-feira sobre as questões da energia — um dos fatores-chave do combate às alterações climáticas.

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Dessas discussões surgiram vários compromissos. Por um lado, 25 países (incluindo Portugal) e vários dos mais importantes bancos e instituições financeiras do mundo comprometeram-se a terminar todos os investimentos internacionais em combustíveis fósseis. Por outro, contam-se acima dos 40 os países que se comprometeram a abandonar o consumo de carvão para produzir eletricidade (incluindo grande consumidores de carvão como o Canadá, a Polónia, a Coreia do Sul, a Ucrânia, a Indonésia ou o Vietname) até ao fim da década de 2040 no máximo. Além disso, 190 países — portanto, a quase totalidade dos membros da COP — concordaram em descontinuar o uso do carvão e em não apoiar a construção de novas centrais termoelétricas.

Portugal, por exemplo, encerrou no início deste ano a central termoelétrica de Sines, ficando apenas com uma central termoelétrica em funcionamento, a do Pego, que deverá fechar ainda este ano também. Por outro lado, alguns dos maiores países do mundo cuja matriz energética ainda depende do carvão — como a Austrália, a Índia, a China ou os Estados Unidos — não assinaram o acordo relativo ao fecho de toda a produção de eletricidade a carvão até à década de 2040.

Ainda assim, os avanços firmados esta quinta-feira não demoveram o presidente da COP26, o britânico Alok Sharma, de sentenciar que “o fim do carvão está à vista“. “Um futuro mais brilhante está cada vez mais perto. Um futuro de ar mais limpo, energia mais barata e empregos verdes de qualidade”, afirmou Sharma esta manhã, repetindo que a cimeira de Glasgow será recordada como um momento crucial em que o carvão está a passar “à história” — algo que não será feito, sublinhou, sem o contributo de todos, incluindo dos países que ficaram de fora.

Para debater a transição energética nas sessões públicas da COP26, estiveram esta quinta-feira em Glasgow o ministro britânico da Energia e Negócios, Kwasi Kwarteng, e a secretária da Energia dos EUA, Jennifer Granholm. Ambos discutiram como conciliar a transição energética (que implica a descontinuação da exploração de combustíveis fósseis) com a manutenção dos empregos de milhões de pessoas que trabalham nessas áreas.

A questão dos custos da sustentabilidade é um dos principais pontos em debate na COP26 — com o problema do desemprego a assumir um papel primordial. Em 2018, a Organização Internacional do Trabalho estimou que a transição para a economia verde poderá fazer desaparecer seis milhões de empregos no mundo, mas criar 24 milhões de novos empregos.

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O problema? Nem todos os desempregados poderão transitar diretamente para novos empregos. Aliás, o relatório da OIT afirma mesmo que há regiões do mundo em que vai haver uma perda líquida de empregos, designadamente o Médio Oriente e África. Kwasi Kwarteng defendeu que “as competências dos mineiros de hoje vão ser precisas para extrair os minerais que vão alimentar os nossos painéis solares de amanhã”.

“É claro que manter o objetivo de 1,5ºC ao alcance obriga-nos a fazer o carvão passar à história”, disse. “Mas há uma revolução industrial verde ao nosso alcance que promete grandes oportunidades económicas para as nossas pessoas e as nossas comunidades.”

Por seu turno, Jennifer Granholm disse estar “obcecada” com a criação de empregos na economia sustentável. “Em 2009, a grande recessão devastou a indústria automóvel dos EUA. Centenas de milhares de pessoas perderam o emprego no Michigan, onde eu era governadora. A dor que vi nos olhos dos trabalhadores ficou gravada na minha alma. Tornei-me obcecada em perceber como podemos criar empregos na energia limpa para diversificar a nossa economia”, afirmou a governante norte-americana.

“Com um grande investimento federal, estadual e privado, começámos a focar-nos nos carros elétricos, e a taxa de emprego voltou a subir. Hoje o Michigan é um líder nacional na produção de veículos elétricos. Os trabalhadores que antigamente montavam carros movidos a combustível agora constroem camiões elétricos.

Que a transição energética vai custar empregos e dinheiro parece já uma evidência indiscutível. Esta quinta-feira, o jornal The Guardian noticiou que cerca metade dos ativos financeiros do mundo associados ao petróleo poderão perder todo o seu valor até 2036 num cenário de transição para uma economia neutra em emissões de dióxido de carbono.

Os debates temáticos que têm marcado a agenda da COP26 são apenas a parte visível da cimeira de Glasgow. Em paralelo, as delegações de quase 200 países têm estado a negociar, à porta fechada, o documento final da cimeira, no qual vão ficar refletidos de modo concreto e técnico os compromissos políticos que têm sido divulgados. Na manhã desta quinta-feira, a BBC noticiava que “os primeiros rascunhos do texto da cimeira estão a ganhar forma”.

À tarde, o presidente da COP26, Alok Sharma, assumiu aos jornalistas que estão “a surgir desafios” nas negociações entre as delegações nacionais, mas considerou que se trata de uma situação normal na formulação de um documento final acordado entre tantos países — com interesses nem sempre convergentes.

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Ainda assim, a cimeira parece estar a dar frutos. Depois de um estudo da Universidade de Melbourne divulgado na quarta-feira ter previsto que os compromissos já assumidos na COP26 limitariam o aquecimento global a 1,9ºC até ao final do século, um novo documento publicado esta quinta-feira foi ainda mais otimista.

A Agência Internacional de Energia estima que, se todos os compromissos climáticos anunciados até à data de hoje — incluindo aqueles que foram apresentados nos primeiros dias da COP26 — forem integralmente cumpridos, o planeta Terra poderá chegar ao final deste século 1,8ºC mais quente do que estava na era pré-industrial (no século XIX).

O Acordo de Paris, assinado durante a COP21, que decorreu em 2015 na capital francesa, determinou como grande objetivo climático mundial a limitação do aquecimento global até ao final do século a 2ºC em relação aos níveis pré-industriais, mas apontou como meta ideal os 1,5ºC. Os compromissos assumidos pelos vários países signatários do Acordo de Paris nos anos seguintes foram insuficientes para colocar o planeta no rumo desse objetivo. Antes da COP26, a comunidade científica estimava que os compromissos então assumidos levariam a um aquecimento global de 2,7ºC até ao fim do século.

Agora, a Agência Internacional de Energia calcula que o aquecimento poderá ficar limitado a 1,8ºC, caso todos os compromissos assumidos sejam implementados dentro dos horizontes temporais previstos.