Ivo Rosa afirmou num despacho do processo Universo Espírito Santo que o Tribunal Central de Instrução Criminal, onde o próprio juiz trabalha, será alvo de “extinção como estrutura especializada” e será alvo de “absorção pelo Juízo de Instrução Criminal de Lisboa”. Mas a realidade não é assim.

A afirmação foi feita no primeiro despacho do juiz de instrução nos autos do caso Universo Espírito Santo mas é contrariada de forma absoluta pelo texto do Decreto n.º 192 da Assembleia da República que altera a Lei da Organização do Sistema Judiciário. No texto final, a que o Observador teve acesso, o artigo 3.º é claro: “É extinto o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa”.

Sendo que o art. 5.º, que estipula as regras de transição de processos, define claramente que “os processos que se encontrem pendentes no Juízo de Instrução Criminal de Lisboa [o tribunal extinto], à data da entrada em vigor da presente lei, transitam para o Tribunal Central de Instrução Criminal.”

Ou seja, o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, antigo TIC de Lisboa, é extinto e alvo de fusão com o Tribunal Central de Instrução Criminal, mais conhecido por ‘Ticão’, que herda não só os processos como os sete juízes que compunham o quadro do tribunal que vai deixar de existir. Logo, a realidade do que foi aprovado no Parlamento e deverá ser promulgado pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa nos próximos dias é precisamente a contrária do que o juiz Ivo Rosa escreveu.

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Mais: as regras de competência material do ‘Ticão’ não são alteradas pela alteração legislativa. Não só continua a ter competência territorial alargada, como os crimes de catálogo, que lhe dão um carácter de tribunal de competência especializada, não foram alterados. Quer a ministra Francisca Van Dunem, quer o presidente do Supremo Henrique Araújo, sempre defenderam que essa “aposta na especialização” do Tribunal Central era para manter.

Simplesmente, o legislador acrescentou a essas competências do ‘Ticão’ as outras que pertenciam ao Juízo de Instrução Criminal de Lisboa — e aumentou o quadro do Tribunal Central de Instrução Criminal de dois para nove juízes por absorção dos sete magistrados que estavam no antigo TIC de Lisboa.

Ivo Rosa discorda de alteração aprovada pelo Parlamento

O juiz Ivo Rosa fez uma crítica clara à alteração legislativa promovida pelo Governo e aprovada pela 1.ª Comissão da Assembleia da República num despacho que tinha como objetivo central garantir que a instrução do “maior e mais complexo processo colocado perante a Justiça criminal portuguesa [o caso Universo Espírito Santo]” não terminará dentro do prazo legal de 4 meses e que o próprio Ivo Rosa irá solicitar exclusividade ao Conselho Superior da Magistratura.

E porque razão Ivo Rosa criticou a alteração legislativa? Porque o juiz diz não compreender o “motivo”, a “urgência” e o “momento” para que o poder político tivesse aprovado por larga maioria estas mudanças. Mais: o juiz também argumenta que esta mudança “será um factor de perturbação no normal funcionamento do tribunal, sobretudo pelo momento em que terá lugar, pelo colocar termo à especialização e por implicar um acréscimo significativo do volume de serviço atribuído ao juiz 2 [o próprio Ivo Rosa], titular dos presentes autos”, lê-se no despacho a que o Observador teve acesso.

Combate à corrupção passa para segundo plano

Ivo Rosa acrescenta ainda no seu despacho que, “com o fim do Tribunal Central de Instrução Criminal como estrutura especializada”, ele próprio terá muito mais trabalho, já que após perder a exclusividade do caso Universo Espírito Santo, que deverá ser deferida pelo Conselho Superior da Magistratura, terá um acréscimo “significativo no número de processos até aqui da competência do juízo de instrução criminal da Comarca de Lisboa.”

Pior: como os processos que agora pertencem ao Juízo de Instrução Criminal de Lisboa dizem respeito de forma geral a casos de “violência doméstica, a detenções em flagrante delito, crimes de injúria, furtos, ofensas corporais simples, dano, difamação e etc.”, Ivo Rosa entende que passarão a ter “necessariamente prioridade em relação aos processos relacionados com a criminalidade complexa e económica-financeira”. Porquê? Porque são casos que têm “prazos de prescrição muito curtos”.