O juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, após “uma semana do Brasil em Lisboa”, com eventos como o Fórum Jurídico, disse que o seu país negligenciou, ao longo de anos, a relação com Portugal, “um parceiro importante”.

“Acho que talvez o Brasil, ao longo desses anos todos, e isto vem de governos anteriores, tenha negligenciado essa própria relação com Portugal, que é um player [parceiro] importante hoje na União Europeia”, afirmou Gilmar Mendes, um dos organizadores do Fórum Jurídico de Lisboa, que decorreu entre segunda e quarta-feira na capital portuguesa.

Para Gilmar Mendes, embora seja um país pequeno, Portugal tem “uma presença forte” nos fóruns internacionais, é bem representado na União Europeia, com autoridades importantes, como António Guterres, o secretário-geral da ONU e, de certa forma, isso “deve ser olhado” pelo Brasil.

Nós temos esse património cultural comum, que precisamos valorizar, não temos porque negligenciar essa relação”, salientou, em entrevista à Lusa.

Na sua opinião, esta nova aproximação entre os dois países, neste momento, depende “muito do momento e de pessoas, de atores que estão envolvidos” no processo.

Por isso, com o Fórum Jurídico de Lisboa, a Jornada Agostinho da Silva, dedicada aos 25 anos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), no dia 11, seguida do seminário internacional sobre “Agronegócio Sustentável”, e do lançamento do Fórum de Integração Brasil Europa, Gilmar Mendes resumiu o que disse sido “uma semana do Brasil em Lisboa”.

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“Num momento em que muitos brasileiros estão vindo para cá e estão presentes aqui”, sublinhou.

O juiz do STF explicou que com o seminário do “Agronegócio Sustentável” se pretendeu “demonstrar que nem tudo aquilo que se diz no exterior relativamente ao ambiente no Brasil, é verdade”.

“Há problemas, mas não há uma política sistémica de predação. O Brasil é hoje ainda o guardião de uma parte das florestas originárias e há muitos cuidados em relação a isso”, frisou.

Somando o seminário à jornada dedicada à CPLP, organização de que o Brasil é Estado-membro, considerou “muito significativo” ser o parlamento a tomar estas iniciativas.

Isto é, a Câmara dos Deputados e o Senado brasileiro “tomando a frente”, em dois temas sensíveis, tanto o da CPLP, “que tinha sido aparentemente negligenciado pela diplomacia brasileira”, como também o “da economia e do meio ambiente”, alvo de críticas internacionais e nacionais.

“Muitos desses parlamentares que participaram do evento sobre a economia e ecologia vinham da [conferência do clima] COP26 (…) viram a realidade, a cobrança que se faz, não só em relação ao Brasil, mas em relação aos demais países, em relação às metas, e acho que nesse sentido tem um certo simbolismo”, declarou Mendes.

“O importante é que esse tema voltou a ser colocado e espero que seja prioridade inclusive para o próximo governo”, advogou.

Já sobre o Fórum Jurídico de Lisboa, em que a passagem do Brasil de um sistema presidencialista “de colisão”, como lhe chamaram, para um sistema semipresidencialista esteve em destaque no debate, fez um balanço positivo.

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“Há uma perspetiva de que o Brasil possa mudar para um sistema semipresidencialista. Porque se olharmos para a história recente do país, dos quatro presidentes anteriormente eleitos, excluindo o Temer, que veio como vice, e o [atual] Presidente Bolsonaro (…) só dois terminaram o mandato”, Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva, apontou.

Os outros dois, continuou, “passaram por processo de impeachment [destituição], Fernando Collor de Mello, o primeiro eleito na nova República, e depois a Presidente Dilma Rousseff”.

Em relação a Bolsonaro, como nós sabemos, há um acúmulo de pedidos de impeachment na Câmara dos Deputados e muita insistência em que o presidente da Câmara [dos Deputados] instaure o procedimento. Portanto, se tornou algo comum no Brasil pedir-se o impeachment do Presidente”, frisou.

Na sequência disso tem havido “várias crises que afetam a governabilidade”, constatou.

Então há uma pergunta “básica” que deve ter uma resposta, perante o poder do Congresso Nacional: “Não seria o caso de nós, eventualmente, caminharmos para um modelo em que o Presidente seria eleito, em eleições diretas, teria lá alguns poderes como, por exemplo, tem o Presidente português ou, eventualmente, o Presidente francês, até de dissolver a Câmara, mas não teria as funções administrativas”.

Neste caso, as funções administrativas, “ficariam com o primeiro-ministro”.

Deste modo, em caso de crises, “o debate não se centraria na figura do Presidente da República, mas se centraria na figura do primeiro-ministro”, que se não tivesse apoio seria substituído ou levaria a “eleições antecipadas”.

Foi esse o debate travado no Fórum Jurídico, com personalidades do Brasil e de Portugal, do mundo político, económico e judicial.

Tenho a impressão que uma parte da crise que nós vivemos tem a ver com o regime presidencial e essa eleição de pretensos salvadores acabou frustrando as expectativas ao longo do tempo”, salientou Gilmar Mendes, quando, na verdade, a atividade política “é uma construção coletiva”.

O juiz do STF lembrou que já existe uma emenda constitucional “tramitando no Congresso Nacional” e que o próprio presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, já se manifestou no sentido de avançar com a sua aprovação.

Apesar de dificuldades relacionadas com contas públicas e outras questões, a instabilidade do sistema presidencialista não permite resolvê-los, como referiram alguns dos oradores no Fórum Jurídico.

As pessoas mais pobres sofreram muitíssimo mais com a crise. Foram atingidas de maneira brutal, muita gente perdeu o emprego, muita gente empobreceu de maneira muito rápida. Houve medidas de emergência para tentar ajudá-las e agora se discute inclusive uma ajuda e um modelo de auxílio, cujo nome tem disputas, mas que fundamentalmente é para ajudar” essas pessoas, destacou Mendes.

“Só que isso custa caro e custa numa dimensão significativa, então precisa haver o equacionamento. Tem que se dizer de onde virá esse recurso. E esse é o desafio com o qual se depara o Governo nesse momento”, realçou.

Assim, defendeu, “muitas coisas no Brasil podem até ser adiadas para as próximas eleições, portanto para o próximo Presidente, mas esse é um tema que precisa ser resolvido agora”.

Juiz do STF aponta “desafio” de Moro para explicar ligações em campanha à presidência

O juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro Gilmar Mendes considera que o ex-juiz e eventual candidato à presidência Sergio Moro tem “um desafio” de explicar em campanha as ligações antes de entrar na política.

“Eu tenho a impressão de que essa vai ser uma explicação que, certamente, ele [Sergio Moro] terá que dar, desde a opção que fez de servir ao governo Bolsonaro”, afirmou, em entrevista à Lusa, um dos organizadores do Fórum Jurídico de Lisboa, que terminou na quarta-feira na Faculdade de Direito.

Lembrando que Moro não é um caso único no Brasil de magistrados ou membros do Ministério Público que saem da carreira para se dedicarem à política, Gilmar Mendes citou outros exemplos, como o da juíza Selma, do seu estado do Mato Grosso, também da área criminal.

“Era chamada a ‘Moro’ do Pantanal” e a sua candidatura “também terminou de forma melancólica, porque se verificou que já durante a sua atividade como magistrada exercia uma atividade política e já recebia recursos para fazer a campanha”, referiu.

Mas, considerou que “tudo isto é bastante complicado” e defendeu a criação de uma lei da ineligibilidade, que, no entanto, não espera ver aprovada durante esta legislatura.

Com uma certa ironia, porém, referiu que a opção de Sergio Moro “de fazer política nos partidos políticos, pelo menos é a opção correta”.

“É melhor do que fazer política estando no judiciário”, acrescentou.

Assim, “certamente, [Moro] vai discutir com os políticos, no campo da política e não usando dos poderes soberanos do Estado, prendendo inimigos políticos, favorecendo eventuais amigos políticos”, sublinhou.

Quanto às consequências para a operação Lava Jato da eventual candidatura de Moro, Gilmar Mendes afirmou que a maior operação anticorrupção no país “já sofreu um certo esvaziamento, além de um certo descrédito a partir da revelação, do episódio das comunicações, do telegrama chamado Vaza a Jato”.

“E o próprio judiciário começou a fazer talvez uma autocrítica mais forte desse episódio”, apontou.

“A própria Procuradoria-Geral, sob nova gestão, tem sido muito crítica em relação ao modelo de força tarefa e a tudo o mais”, referiu.

Mas as consequências económicas e políticas da Lava Jato foram muito sérias, e fala-se que “trouxeram também muitos prejuízos à própria economia e às próprias empresas”, realçou. “Certamente nós não conhecemos tudo o que ocorreu, mas todos os desdobramentos não são bons”, acrescentou.

“O facto de Moro deixar uma vara federal e assumir o Ministério da Justiça de um Governo de um Presidente que se beneficiou da prisão do adversário, prisão que foi por ele decretada, obviamente que não é um facto positivo”, afirmou o juiz STF.

Depois, Moro “deixa o Governo e vai trabalhar numa empresa americana, que presta serviços, inclusive de gestão falimentar [de falências], na recuperação judicial, que é a gestora de empresas que foram quebradas pela Lava Jato”, revelou.

“Portanto, toda essa história, certamente é uma boa oportunidade de ele [Moro] explicar isso na campanha”, o que considera ser “um desafio” para o candidato.

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“Há muitas teorias conspiratórias sobre isto”, que a operação Lava Jato foi “estimulada pelos americanos”, para desta forma retirarem as empresas brasileiras do cenário internacional de concorrência, referiu Gilmar Mendes.

“Esse debate certamente virá, inclusive a partir desse emprego que ele [Sergio Moro] conseguiu de uma empresa americana de consultoria e que presta esse tipo de serviço mundo afora”, frisou.

Apesar disto, considerou que a operação Lava Jato teve “méritos no que diz respeito a muitas revelações e ao combate à corrupção, mas certamente vai ter a pecha de falta de imparcialidade”.

Assim, na sua opinião, “muitas coisas serão anuladas, outras não” e “isso tem que ser avaliado topicamente”.

Quanto à passagem de magistrados para a política “é uma questão bastante delicada” e “não é bom para o judiciário nem para o sistema de justiça”, vincou.

Por isso, defendeu que seja feita “uma avaliação” desse problema.

No entanto, sobre quando poderá avançar essa lei, Gilmar Mendes referiu que há uma discussão no Congresso Nacional “de tornar esses personagens que exercem essas funções, que muitas vezes são muito visíveis, inelegíveis, por um período, que fosse seis, oito anos, de modo a que a memória do público já fosse atenuada, se eles tivessem de facto vocação política e quisessem fazer a política”.

Mas para o juiz do STF é um debate que “não é fácil de ser implementado, porque juízes e promotores dirão e porque não os oficiais da polícia?”.

“Hoje temos muitos policiais na atividade política, e que deixaram o cargo”, frisou. Então, a questão é porque não abranger também “o delegado que atua numa operação muito rumorosa e que depois então se lança candidato”.

Por agora, tudo não passa de uma medida que “está em amadurecimento no Brasil”, porque casos como os que citou e o de Sergio Moro “não ajudam a justiça e os próprios atingidos, condenados, certamente fazem cobrança em torno desse tema”.

E, apesar de tudo, não acredita que a medida possa ser aprovada nesta legislatura.

A lei de inelegibilidade “estabelece as condições para alguém não ser elegível por um período, sem que isso seja uma sanção, é apenas uma condição de vida, deixou a magistratura, mas fica oito anos sem poder se candidatar”, concluiu.