“Senhor Arão, é preciso respeitar o Palmeiras! É preciso respeitar o Palmeiras! Iam ganhar 2-0… Os jogos não se ganham antes, é preciso respeitar o Palmeiras!”, gritava Felipe Melo, o sargento do Verdão, olhando para as câmaras televisivas a seguir ao encontro agarrando a bola de jogo que não mais voltaria a largar.

O apito final na Taça dos Libertadores soltou de tudo um pouco: euforia, lágrimas, loucura, abraços, corridas sem destinos certos. Mas soltou, sobretudo, um sentimento de resposta a tudo o que se disse e escreveu nos últimos dias sobre o favoritismo do Flamengo. Foi também com isso que Abel Ferreira jogou.

Entre tantos nomes, podem chamar-lhe mais um: bicampeão continental. Abel faz história e ganha segunda Libertadores seguida com Palmeiras

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“Queremos ser fiéis a nós próprios. Fizemos uma preparação de duas semanas com a certeza absoluta daquilo que temos de fazer e temos de estar gratos por estarmos aqui pela segunda vez seguida a disputar o maior troféu da América do Sul e queremos muito. Trabalhámos muito, preparámos muito, chegámos pelo caminho mais difícil mas estamos mais do que preparados. Que seja uma grande festa e que o nosso propósito se cumpra porque desde o primeiro dia é ganhar esta competição. Conhecemos o nosso rival mas o mais importante é estarmos concentrados no que temos de fazer, que é o que controlamos. Não sei se vai jogar mais alto, mais direto, não sei. O que vou pedir aos meus jogadores que sejam só fiéis a eles próprios porque acredito que nestas finais o nosso maior adversário está dentro de nós próprios”, tinha dito o treinador português à chegada ao Estádio Centenário. Disse e cumpriu, a 100%. E fez história.

Mal acabou a partida, onde esteve particularmente interventivo na área técnica e junto ao quarto árbitro e aos árbitro assistente, vendo mesmo um cartão amarelo a seguir ao 2-1 de Deyverson aos 90+5′, Abel fez uma corrida lançado para cumprimentar alguém na bancada, voltou ao relvado e não foi contendo as lágrimas enquanto ia abraçando os elementos da sua equipa técnica. Parou, apenas, quando foi falar de forma muito calma a todos os jogadores e treinadores do Flamengo, com um carinho especial a David Luiz e a Renato Gaúcho, com quem esteve ainda à conversa. Depois, mais abraços e lágrimas.

Com esta conquista, a terceira do Palmeiras, Abel Ferreira entrou não só na história do Verdão com duas das três Taças dos Libertadores conquistadas – a outra foi com Luiz Felipe Scolari, em 1999 – como da própria competição, juntando-se a Telê Santana (São Paulo, 1992 e 1993) e Carlos Bianchi (Boca Juniors, 2000 e 2001) como únicos treinadores a vencer a prova em anos consecutivos. Em paralelo, Abel foi também o primeiro europeu a vencer por duas vezes a competição, prolongando para três os triunfos de treinadores portugueses na principal prova sul-americana depois do triunfo de Jorge Jesus em 2019.

“Estou tranquilo, em paz comigo, com a sensação de dever cumprido. A forma como se joga no Brasil é muito intensa, a forma como se joga não dá saúde a ninguém. Vou ter que refletir muito o que quero para mim para o presente e para o futuro”, começou por dizer o técnico, em declarações à Fox e à ESPN.

“Acima de tudo estou grato de estar aqui, por juntar mais uma medalha, não esqueço das derrotas que tivemos contra o mesmo Flamengo (na Supertaça do Brasil) e contra o Defensa y Justicia (Supertaça Sul-Americana). Quando está preparado para perder, sabe ganhar. O rival Flamengo é uma grande equipa, merece os parabéns, valorizou ainda mais nossa vitória, mas os meus jogadores estão de parabéns. Um grande abraço de gratidão aos nossos jogadores”, acrescentou ainda Abel na mesma entrevista.

“A estes que estão aqui atrás de mim [membros da equipa técnica], que me guardam as costas, para eles gratidão eterna. Quando aqui cheguei perguntei se existiam livros de treinadores brasileiros. Estou há um ano a escrever um livro. Um livro que vai sair em janeiro. É uma forma de agradecer ao futebol brasileiro. Vou responder a todas as perguntar nesse livro. Futuro? Tudo no tempo de Deus. Foi o Palmeiras que me abriu as portas para me poder juntar a grandes nomes. Cheguei sem títulos e já a levar paulada. O calendário brasileiro é insano e desumano para mim. O clube já demonstrou a sua vontade mas tenho de fazer uma reflexão muito grande com a minha família. Não consigo estar na minha máxima capacidade. É desumano o que fazem daqui. Temos que tirar espaço para proporcionar. Vou parar e refletir e decidir aquilo que for, sobretudo, melhor para o Palmeiras”, disse depois na conferência.

“Vim para um país que tem a cultura do jogador de futebol. O jogador brasileiro é bom de bola. Têm que se comprometer. Faltam os outros 50%, como eu já falei. Aprendi que para ter o grupo na mão tens de ser verdadeiro com todos, que só sendo todos como um é que podemos ganhar títulos. Aprendi mais do que ensinei, talvez. Tenho muito tempo para dedicar ao futebol. Não tenho família em casa. A empregada vai lá uma vez por mês, o resto sou eu que faço. Está feito o livro. Não conheço um campeonato em que hajam tantos possíveis campeões como aqui. É muito competitivo. Estou grato por esta estrutura toda, oferece tudo aos seus profissionais. Fizemos história, juntamente com os jogadores. Sei que nem sempre é o suficiente para os nossos adeptos mas sempre demos o melhor dentro do Centro de Treinos. Demos sempre tudo para conseguirmos títulos”, prosseguiu, antes de falar da final em si.

“Meti-os todos dentro de uma sala e disse: ‘Quero fazer isto e isto. Mas só faço se vocês estiverem dispostos’. Um capitão disse: ‘Se é para ganhar, vamos fazer o que é preciso’. Foi esta a fórmula que eu encontrei para derrotar esta equipa. Tem um dos melhores treinadores brasileiros. Tem mesmo. Não deem porrada. Não sou o herói nem sou o vilão. Não precisamos disso. O nosso adversário valorizou ainda mais a nossa vitória. Reforçou ainda mais a montanha que tivemos de escalar. E o que foi fundamental foi os nossos jogadores acreditarem na estratégia. Como é que o treinador troca o Scarpa e o Dudu de corredor? Não sou um génio. Sou uma pessoa humilde que trabalha. Se perdesse era um babaca como vocês dizem aqui. O futebol ainda é um jogo. Precisamos de qualidade, de competência. É preciso também um bocadinho de sorte. Quero dar os parabéns ao adversário pelo caminho, pelo trajeto e também pela grandeza do seu clube”, concluiu Abel Ferreira depois da segunda vitória na Taça dos Libertadores.