O romance O Plantador de Abóboras, do escritor timorense Luís Cardoso, publicado em Portugal pela editora Abysmo, venceu esta quarta-feira o Prémio Oceanos 2021, organizado no Brasil e que destaca anualmente as melhores obras publicadas em língua portuguesa. É a primeira vez que um autor de Timor-Leste vence o prémio.

A escolha foi anunciada numa cerimónia virtual pelo autor brasileiro Itamar Vieira Junior, que fez parte do júri que escolheu os três vencedores deste ano. “Este é um romance em que deixa muitas impressões em seus leitores. A primeira impressão está no poder da linguagem, e de nos lembrar que a língua portuguesa permanece viva e que ela ganhou densidade e profundidade em cada fração de terra onde é falada”, explicou Vieira Júnior.

Num vídeo exibido durante a divulgação dos prémios, o escritor Luís Cardoso explicou que vive em Portugal, que nunca mais regressou ao seu país, mas contou que visitou Timor-Leste em 2001 com José Saramago e, enquanto estava lá, visitou um local que conhecia, que estava em ruínas por causa da crise que assolou o país, e lá conheceu uma mulher que inspirou o romance.

“Enquanto estava lá passou junto de mim uma senhora que começou a falar da história de Timor, e que começou a contar sua própria história (…) Ela estava ali para falar com as montanhas, foi para ali contar uma história para as montanhas, mas, ao mesmo tempo, fui-me apercebendo que a história que ela estava a contar não era para as montanhas, mas era para mim”, explicou Cardoso.

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“Ela estava a contar 100 anos da história do Timor-Leste, três guerras sucessivas e, desde aquele dia, pus na minha cabeça que um dia havia de contar esta história num romance com uma voz feminina”, acrescentou o vencedor do Oceanos.

Cardoso também explicou que O Plantador de Abóboras traz esta voz feminina, de uma mulher que recebe o noivo que não vê durante 24 anos, durante a ocupação indonésia no Timor, e depois regressa. Segundo o vencedor, as abóboras mencionadas no título e no romance funcionam uma metáfora sobre Timor-Leste, que ainda se sustenta da exploração de petróleo, mas precisa voltar a produzir e a plantar uma alternativa de riqueza sustentável.

O escritor dedicou o prémio ao seu editor, João Paulo Cotrim, da Abysmo, que se encontra internado nos cuidados intensivos com Covid-19.

Oceanos abre caminho para literatura escrita timorense, diz autor

Em entrevista à Agência Lusa, Luís Cardoso disse que ganhar o Prémio Oceanos dá visibilidade à literatura timorense, que começa a dar os primeiros passos.

“Para mim, é uma alegria enorme [ser vencedor do prémio] e creio que para Timor-Leste também”, afirmou. “Temos literatura oral, mas não temos uma literatura escrita em Timor e a literatura escrita está a começar e eu estou a dar o pontapé de saída”, acrescentou o autor, para quem o prémio que ganhou “ajuda a dar visibilidade” ao romance timorense, de que é pioneiro.

Ainda sem data de publicação, Cardoso afirmou que está a pensar no seu próximo romance, de novo sobre Timor-Leste, à semelhança de O Plantador de Abóboras, que retrata, a partir da perspetiva de uma personagem feminina, três períodos distintos da história timorense.

Gonçalo M. Tavares fica em terceiro lugar com O osso do meio

O segundo lugar do Oceanos ficou com o romance O Ausente, do escritor e professor brasileiro Edmilson de Almeida Ferreira. “De acordo com o júri final do prémio Oceanos, este é um livro que rompe as fronteiras entre a prosa e a poesia, resultado de um grande trabalho com a linguagem e com a inúmera possibilidade de subvertê-la”, destacou Manuel da Costa Pinto, jornalista e curador do prémio Oceanos.

O terceiro lugar ficou com o romance O osso do meio, do autor português Gonçalo M. Tavares, que já havia vencido o prémio em duas ocasiões, em 2007, com o romance Jerusalém e, em 2011, com Uma viagem à Índia. Falando sobre O osso do meio, a crítica literária e jornalista portuguesa Isabel Lucas explicou que a romance traz um texto duro, de muita contenção. “É um romance em que a partir da margem, do terror, põe o leitor numa posição de fragilidade mostrando um lado divergente daquilo que entendemos como humano”, destacou.

Já Gonçalo M. Tavares explicou também num vídeo exibido durante a divulgação dos vencedores do prémio que O osso do meio é um “livro sobre a questão da ressaca individual que fica sempre depois dos grandes acontecimentos violentos.”

O Oceanos tem coordenação geral da gestora cultural Selma Caetano, curadoria para os países africanos de língua portuguesa de Matilde Santos, curadora da Biblioteca Nacional de Cabo Verde; Manuel da Costa Pinto, para o Brasil, e de Isabel Lucas, para Portugal. Na primeira etapa, um júri inicial, composto por 95 professores de literatura, críticos literários, escritores e poetas, leu e avaliou os 1.835 livros inscritos, publicados em dez países, para escolher os semifinalistas. Desse conjunto de 54 livros foram escolhidos os dez finalistas.

Participam no júri final a angolana Ana Paula Tavares, os brasileiros Itamar Vieira Junior, Julián Fuks, Maria Esther Maciel e Veronica Stigger, e os portugueses António Guerreiro e Golgona Anghel.

O valor total do prémio é de 250 mil reais (39,5 mil euros), sendo 120 mil reais (19 mil euros) para o primeiro colocado, 80 mil reais (12,6 mil euros) para o segundo e 50 mil reais (7,9 mil euros) para o terceiro.

O Oceanos conta com apoio da Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo do Brasil, do Banco Itaú, do Instituto Cultural Vale, da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas de Portugal, do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde, bem como com apoio institucional da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, para além do apoio e governança do Itaú Cultural.

Artigo atualizado às 18h49