Há quem nos EUA esteja a comparar este “Não Olhem Para Cima”, de Adam McKay (“A Queda de Wall Street”, “Vice”) com “Dr. Estranhoamor”, de Stanley Kubrick. Ora fazer tal comparação é como pôr ao mesmo nível uma refeição primorosamente confecionada por um cozinheiro de renome internacional, e um jantar de sopa rala e bitoque requentado. “Não Olhem Para Cima” poderá ter um elenco onde se acotovelam Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep, Mark Rylance, Timothée Chalamet e Jonah Hill, mas pouco mais tem para apresentar que isso. E a maioria destes atores interpretam personagens de uma nota só, caricaturas ambulantes e bonecos atamancados, sobretudo Streep a cabotinar numa versão com saias de Donald Trump.

[Veja o “trailer” de “Não Olhem para Cima”:]

DiCaprio e Lawrence são um professor e uma doutoranda de Astronomia da Universidade do Michigan, que descobrem que há um cometa do tamanho do Evereste que vai colidir com a Terra dentro de seis meses. Tentam alertar a Presidente dos EUA, mas esta está mais preocupada com o escândalo em redor de um seu nomeado para um alto cargo político, e com as eleições intercalares; os media, desde um prestigiado diário de referência até um popular programa matinal de televisão, ou apoucam e aligeiram o assunto, ou acabam por o retirar da agenda porque as audiências foram más; e as redes sociais estão mais preocupadas e emocionadas com o recente fim do namoro entre uma cantora da moda e um DJ.

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[Veja uma entrevista com Adam McKay:]

Na sátira, temos que sempre que dar algum desconto ao exagero e às implausibilidades, e “Não Olhem Para Cima” não é exceção.  Mas o problema não está aí. Adam McKay, que também escreveu o argumento, dispara em tantas direções que acaba por falhar praticamente todos os alvos. O filme quer atirar-se aos cientistas que se deixam levar pela fama mediática, aos políticos nepotistas, incompetentes e corruptos, aos jornalistas de referência e do “infotainment”, à alienação e ao caos das redes sociais, ao poder e à influência excessivas dos donos das companhias de “big tech”, as divisões profundas nas sociedades contemporâneas e à humanidade em geral. Mas McKay não tem munição cómica, pontaria satírica, sentido do ritmo nem subtileza para lidar com tanta coisa, e ao mesmo tempo.

[Veja uma sequência do filme:]

“Não Olhem Para Cima” é um pastelão em forma de farsa política e apocalíptica frouxa, repetitiva e dispersa, com mão pesada de “mensagem” sobre o perigo de ignorarmos os avisos feitos pela ciência (há a clara intenção de fazer um paralelo com os alertas dos catastrofistas do clima, o que transforma Adam McKay num demagogo que denuncia a demagogia dos outros e goza com ela), e que se arrasta por duas cansativas e intermináveis horas e meia. De tal forma, que dá vontade de aplaudir com toda a força quando o fim do mundo acontece finalmente (e ainda por cima, os efeitos especiais não são lá grande espingarda). Vão ver “Manobras na Casa Branca”, de Barry Levinson (1997) para perceber como se fazem bem estas coisas. E em hora e meia.