A Anchorage Digital é a sétima startup com ADN português a alcançar o estatuto de unicórnio (empresa avaliada em mais de mil milhões de dólares). O banco de criptomoedas norte-americano cofundado e liderado por Diogo Mónica foi avaliado em três mil milhões de dólares (cerca de 2,7 mil milhões de euros), após receber 350 milhões de dólares (cerca de 309 milhões de euros) num ronda de investimento, divulgou a fintech [startup de tecnologia financeira] esta quarta-feira. O dinheiro servirá para expansão do negócio e para aumentar a equipa em Portugal.
Portugal é um dos grandes pontos de expansão. Vamos aumentar pelo menos em mais 100 pessoas a presença” no país, diz o empreendedor.
Além disso, explica Diogo Mónica ao Observador, estes milhões vão “responder à procura institucional sem precedentes deste mercado em rápida evolução”. Atualmente a empresa que funciona com uma “infraestrutura” para que os bancos tradicionais possam vender criptoativos tem escritórios no Porto e cerca de 40 portugueses a trabalhar em solo nacional.
O último grande investimento que a empresa recebeu foi em fevereiro, numa ronda série C (fase de angariação de capital para startups em estados mais avançados) de cerca de 65 milhões de euros, que contou com quatro milhões de dólares da Indico Capital Partners, o único fundo de investimento português que participou nessa angariação de capital.
A ronda série D desta quarta-feira foi liderada pela KKR, e contou com investidores como a Goldman Sachs, a Alameda Research, a Andreessen Horowitz, a Apollo, e fundos de investimento de contas geridas pela BlackRock, a Blockchain Capital, a Delta Blockchain Fund, a Elad Gil, a GIC, a GoldenTree Asset Management, a Innovius Capital, a Kraken, a Lux Capital, a PayPal Ventures, a Senator Investment Group, a Standard Investments, a Thoma Bravo, e a Wellington Management.
Como pioneira em permitir o acesso de investidores institucionais a ativos digitais, a Anchorage construiu uma plataforma de ativos digitais de primeira classe, a nível institucional, que combina as melhores práticas de segurança moderna e usabilidade”, refere Ben Pederson, diretor da equipa “Technology Growth Equity” da KKR.
Com sede em Delaware (EUA), escritórios principais em São Francisco, e ainda presença no Porto e Lisboa, a Anchorage Digital afirma que “quer continuar a apostar no talento português”. “O crescimento da adoção institucional dos criptoativos demonstra o impacto que estes estão a ter no sistema financeiro tradicional no mundo, em geral, e em Portugal, mais concretamente”, refere Diogo Mónica. E adianta: “Este investimento é uma validação brutal do nosso negócio e das criptomoedas”.
A Anchorage Digital foi o primeiro banco a receber uma licença do regulador financeiros dos EUA (Office of the Comptroller of the Currency – um órgão independente do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos) para operar exclusivamente criptomoedas. No início de fevereiro, a Visa anunciou que lançou um projeto-piloto em parceria com a empresa para permitir que os bancos ofereçam serviços com criptomoedas, como armazenamento, compra e venda de bens digitais
As outras startups com estatuto de unicórnio e com ADN português são: a Farfetch, a OutSystems, a Talkdesk, a Feedzai (a única com sede em Portugal), a Remote e a Sword Health.
O luso-americano “português de gema” que fez a “carreira académica” em Portugal e a profissional nos EUA
Diogo Mónica, de 34 anos, cofundou a Anchorage Digital em 2017 juntamente com o norte-americano Nathan McCauley. Apesar de o empreendedor ter dupla nacionalidade — nasceu nos EUA, o que “facilitou a ida” para o país — diz que se vê como um “português de gema”.
Filho de pai e mãe portugueses, o empreendedor veio dos EUA para Portugal com três anos e ficou por Lisboa. A “carreira académica”, que inclui um doutoramento em engenharia informática pelo Instituto Superior Técnico, foi toda cá, explica. Foi no Técnico, por exemplo, que também fez o mestrado e a licenciatura. Depois, voltou para os EUA.
Além do Atlântico, e antes de cofundar a Anchorage Digital, Diogo Mónica trabalhou em empresas ligadas a criptoativos e blockchain, como a Square, liderada por Jack Dorsey, fundador do Twitter, ou a Docker. Continuou a fazer “carreira profissional” no país, tendo alcançado nos últimos anos bastante sucesso — em 2020 foi um dos escolhidos pela Forbes no prestigiado ranking “40 under 40”.
Entre milhões, criptomoedas, amizades com fundadores de Silicon Valley e passando mais de metade do ano nos EUA, Diogo diz que quer voltar a Portugal. Esta ligação, que não quer largar, faz com que, além de viver vários meses do ano no país (onde se encontra neste momento), também invista em startups e negócios portugueses “através de capitais próprios” e queira cativar o “talento” nacional, frisou na conversa por videochamada com o Observador.
O meu grande objetivo destas entrevistas é contratação. Se as pessoas [portugueses] conhecerem a Anchorage e for 50% mais provável que aceitem uma oferta, então este é o sucesso”, afirma o presidente executivo da fintech.
O líder da Anchorage Digital diz também: “O meu objetivo sempre é divertir-me enquanto construo negócios e plataformas das quais estou orgulhoso“. Segundo o empreendor, a Anchorage foi criada para ajudar a criar competição ao mercado financeiro atual, “que não tem competição há 300 anos”, refere.
Aquilo que os bancos devem ter preocupação é o facto de haverem triliões de dólares dos babyboomers que vão acabar por ser passados para os millennials e o facto de os millennials terem uma afinidade brutal com os criptoativos”, diz Diogo Mónica.
Sem muitos rodeios, Diogo assume que as criptomoedas são um “capital de risco”. Mesmo assim, de acordo com o engenheiro informático, é inevitável o impacto que vão ter futuro. “Acho que basta uma pessoa interagir com um banco para perceber que não estão a evoluir“.
O empreendedor frisa que estes fenómenos digitais das criptomoedas — como as bitcoins, ethereum, xrp, solano, entre outras –, não “vão substituir o mercado tradicional”, mas são cruciais para a sua modernização. “As criptomoedas têm uma missão muito importante, que é trazerem competição ao mercado tradicional”, sublinha.
Relativamente à Anchorage Digital ter sede em Delaware e não em Portugal, o empreendedor é direto: “Os maiores investidores não investem em Portugal e há regulamentações americanas que impedem o investimento fora”.
Mesmo afirmando que Portugal não conseguirá economicamente competir com os EUA para acolher a sede destas startups, Diogo diz que o país traz vantagens para a expansão da sua fintech. “Um engenheiro em Silicon Valley tem um tempo médio [de presença num emprego] de 18 meses, o que é horrível”, refere, dizendo também que “em Portugal”, este número “é bem mais perto dos três anos”, o que traz mais estabilidade e crescimento para as empresas, acredita.
Não é só o regime jurídico em Portugal [que cria impedimentos para a sede oficial ser no país]. Não tem dimensão para criar a sua realidade económica”, menciona Diogo Mónica.
Por este motivo, Mónica manifesta ainda uma vontade: “Quero que 50% da nossa equipa de design, produto, engenharia, seja em Portugal e 50% seja nos EUA todos. Isso inclui Los Angeles, São Francisco, Nova Iorque, Seattle”. “Portugal é o grande ponto para a Anchorage e muito porque sou português”, diz.