Fez-se história quando, a 7 de janeiro, David Bennet tornou-se o primeiro ser humano a receber um coração de porco geneticamente modificado — está agora a ser monitorizado para analisar a reação ao novo órgão. A empresa na vanguarda desta revolução científica é a Revivicor, que cria porcos através de um trabalho genético extremamente delicado.
Coração de porco transplantado pela primeira vez com sucesso numa pessoa
Segundo o El País, na criação destes porcos, os cientistas desativam um gene relacionado com o crescimento do coração, para que caiba no peito humano, e bloqueiam outros três genes ligados à rápida produção de defesas que causam a rejeição de órgãos de porco. Além disso, os porcos Revivicor têm seis genes humanos inseridos no seu genoma para permitir uma melhor aceitação dos seus tecidos pelas pessoas.
O site da empresa apresenta os órgãos suínos como “produtos” num catálogo. Por exemplo, a marca dos corações é a UHeart. Já a 25 de setembro do ano passado, tinha sido transplantado um rim de porco para uma mulher em morte cerebral, numa outra cirurgia inédita. Também esse órgão era da Revivicor, da “coleção” UKidney.
Transplante de rim de porco para mulher em morte cerebral realizado com sucesso nos EUA
Mas que empresa é esta? Pode só agora ter saltado para as notícias mas a Revivicor já trabalha há duas décadas e tem uma “avó” de peso e bem conhecida. Com sede em Blacksburg (Virgínia), foi fundada em 2003 a partir da empresa britânica PPL Therapeutics, que esteve envolvida na criação da ovelha Dolly, o primeiro mamífero a ser clonado.
Em 2011, foi comprada pela United Therapeutics por (apenas) sete milhões de euros, que tem como CEO uma mulher transgénero, em 2014 considerada a executiva mais bem paga dos Estados Unidos e que foi capa da revista New York em 2015: Martine Rothblatt.
Há muitas razões para que as atenções dos media se tenham centrado nesta escritora, advogada e empresária: fez fortuna quando fundou outras empresas conhecidas, a GeoStar e a Sirius, no mundo da rádio e dos satélites, e em 1996 passou para a biomedicina ao criar a United Therapeutics por uma razão pessoal. A filha mais nova, de dois anos, sofria de uma doença rara e grave, a hipertensão arterial pulmonar, levando a empresa a desenvolver vários tratamentos para este problema.
Com uma história de vida digna de um argumento cinematográfico, Martine fundou ainda uma religião futurista que se ramificou numa fundação: a Terasem Movement Foundation.
Com uma clara incursão no mundo das tecnoreligiões, a executiva acredita que a tecnologia será capaz de prolongar a vida de uma pessoa. Foi por isso que criou um robot clone da sua mulher (com quem estava casada quando ainda era homem e cuja união se manteve depois da mudança de sexo). A Fundação tem desenvolvido investigação que leve à criação de uma “ciberconsciência” que possa ser inserida num dispositivo nanotecnológico.
Mas voltemos à Revivicor. Em 2011 valia pouco e permitiu a Martine fazer um bom negócio, porque os xenotransplantes (transplantes entres espécies diferentes) eram histórias marcadas pelo fracasso. Mas a página virou. Um ano depois surgia uma nova técnica genética, a CRISPIR, que permite alterar os genes animais de uma forma muito rápida e barata e a Revivicor ganhou novo fôlego. Com o sucesso dos dois transplantes, a empresa parece trilhar caminhos mais promissores.
Ambos os transplantes — o do rim e o do coração — foram realizadas nos EUA: no centro médico de Langone da Universidade de Nova Iorque e no centro clínico da Universidade de Maryland, respetivamente. Por isso, questiona-se como é que este método passará para a Europa.
Estas cirurgias marcam o derrube de um paradigma antigo: uma pessoa tem que morrer para outra viver. Um relatório da Pontifícia Academia de Ciências estima que os órgãos disponíveis respondem apenas a um décimo das necessidades do mundo. Para Marc Güell, um dos cofundadores da eGenesis, na Universidade de Harvard, os órgãos de porco são a solução mais próxima para suprimir as lacunas do modelo atual.
É um sistema que não é tão bonito do ponto de vista da solidariedade, mas neste momento acho difícil eliminar as listas de espera sem usar algum tipo de inovação radical, porque estamos a envelhecer mais, as unidades de cuidados intensivos estão melhores e há cada vez menos acidentes de trânsito. As listas de espera para transplantes não vão diminuir”, sublinha.