“Os mesmos que andam há 40 anos a fazer-nos funerais ligeiramente exagerados vaticinaram, no início do mês passado, que dezembro seria um mês fatídico para o FC Porto. Só os desatentos ou ignorantes podem ter ficado surpreendidos com as nossas prestações. A competência do nosso treinador é demasiado evidente, além de que a qualidade da equipa também é inquestionável (…) Unidos e solidários, resistentes perante todas as adversidades. Foi com base nesses valores, apesar das injustiças que nos impuseram e que não temos como controlar, que nos sagrámos campeões do mundo de hóquei em patins no pavilhão do Sporting. Seguindo a linha, acredito que teremos um ano de 2022 recheado de êxitos”.

No habitual artigo de opinião mensal na revista Dragões, Pinto da Costa regozijava-se com a campanha da equipa no futebol entre desafios de elevado grau de dificuldade (falhando apenas a passagem aos oitavos da Liga dos Campeões) e mostrava esperança num ano ainda melhor. E, verdade seja dita, dificilmente podia ter um arranque tão bom: o Sporting sofreu a primeira derrota nos Açores com o Santa Clara e descolou da liderança, o Benfica não foi além de um empate este sábado frente ao Moreirense. Assim, e qualquer que fosse o resultados dos leões em Vizela, um triunfo no Jamor frente ao Belenenses SAD iria significar não só o prolongamento da série de encontros consecutivos sem perder na Liga (que atravessou todo o ano de 2021 depois do início em outubro de 2020) como pelo menos três pontos de avanço no Campeonato.

“Desenganem-se aqueles que pensam que serão favas contadas para os dragões. Nas últimas (e únicas) três vezes que visitaram a casa dos azuis do Jamor em jogos do Campeonato, os portistas empataram dois e venceram apenas um – no distante ano de 2018, com o golo da vitória a ser marcado aos 96 minutos. Por isso mesmo terá de ser um FC Porto 100% focado aquele que subir ao relvado do Estádio Nacional”, recordava este domingo o clube azul e branco na newsletter diária Dragões Diário, na única espécie de antevisão feita ao encontro depois da decisão do TAD em manter a suspensão de Sérgio Conceição, que ficava assim mais uma vez na bancada deixando a liderança para o adjunto Vítor Bruno.

O histórico podia não ser o melhor mas a importância do triunfo percebia-se até em pormenores como a presença dos capitães Pepe, Marcano e Otávio na comitiva mesmo ficando de fora do jogo (os primeiros por lesão, o último por castigo), ainda para mais numa semana em que o clube viu partir Sérgio Oliveira para a Roma e Corona para o Sevilha. Juntando a isso as baixas por lesão de Wilson Manafá e João Mário, o que retirava a Sérgio Conceição uma opção de raiz para o lado direito da defesa, o FC Porto tinha mais do que três pontos em disputa pela importância dos mesmos e esperava mais figuras além das do costume.

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Luis Díaz tem sido o destaque em tudo e com todos, como voltou a ficar bem patente na reviravolta dos azuis e brancos no Estoril com três golos no segundo tempo. Vitinha assumiu de vez a batuta do meio-campo, sendo mesmo considerado o melhor jogador da Liga em dezembro à frente do colombiano e de Paulinho. E havia ainda Uribe, que muitas vezes passa de forma injusta ao lado das análises mas que se tornou um médio todo-o-terreno com características que encaixam na perfeição na maneira de jogar do FC Porto. Todos eles estiveram até mais discretos do que é normal. No entanto, apareceram outras figuras. Como Evanilson, que fez um hat-trick. Como Francisco Conceição, determinante na primeira vez que tocou na bola. Como Fábio Vieira que, quando jogou mais ao meio, mostrou que é mesmo um artista.

Ainda esta semana, Sérgio Conceição esteve na Cooperativa Árvore para a inauguração da exposição “Ir, Ver, Perder, Olhar, Parar, Transformar” da pintora Susana Bravo. “Sou apreciador de arte, identifico-me bastante com alguns artistas, nomeadamente com alguns artistas da cidade do Porto, como a Susana Bravo, o António Bessa. Nos meus tempos livres, o que faço é andar a tentar descobrir esses grandes artistas onde transmitem muito daquilo que é a sua vivência e a nossa cidade. Todos nós somos um bocadinho artistas dentro daquilo que é a nossa profissão”, comentou na altura. No Olival, o técnico tem arte. Muita arte. Mas há uma peça que se voltou a destacar de todas as outras. E o rendimento que teve sobretudo quando foi jogar mais para o meio, a par das três assistências, mostram que o jogador está apostado em aceitar o repto lançado após jogo com o Vizela, quando o seu líder comentou que “era um dos jovens portugueses com mais qualidade”. “Mas tem de juntar a isso algumas características que acho que são importantes não só no que é o seu jogo mas também no que é o comportamento fora do campo”, lançou.

O encontro começou com um festival do amarelo sem aviso prévio (ainda que com entradas que todas elas justificavam ação disciplinar) que chegou a Sithole, Calila e Bruno Costa e teve apenas um remate de Uribe sem perigo nos minutos iniciais, confirmando-se ainda assim as tradicionais dificuldades dos dragões no Jamor frente a um Belenenses SAD que muda mas é sempre um quebra-cabeças: pouco espaço para jogar, linhas muito juntas, velocidade cruzeiro dos azuis e brancos quase à espera que o encontro se resolvesse por si sem grandes preocupações. Esse foi o primeiro passo para não desbloquear o nulo. Esse foi o passo seguinte para passar para uma zona de desvantagem, com Calila a marcar um canto na direita e a defesa portista a deixar Abel Camará surgir sozinho ao primeiro poste a desviar de cabeça para o 1-0 (13′).

Foi preciso esperar até aos 22′ para se ver uma verdadeira oportunidade do FC Porto, que verdade seja dita tinha sofrido na única aproximação do Belenenses SAD e chocava com uma muralha de branco com linhas juntas que dificultavam o encontro: a bola passou pelos pés de Fábio Vieira, teve assistência curta de Pepê e acabou com um remate cruzado de Vitinha para defesa de Luiz Felipe. No entanto, e à semelhança do que aconteceu noutros encontros, os lisboetas puxaram pelo azar e deram mais um tiro de pé por Sithole, que com amarelo teve uma entrada considerada por Manuel Mota faltosa e acabou expulso (32′).

Estava dado o mote para aquilo que seria o encontro a partir daí: FC Porto a dominar por completo, com as linhas muito subidas e a tentar ganhar a bola junto à área contrária, a explorar de outra forma as laterais para dar largura ao jogo e obrigar o adversário a abrir espaços para aparecerem os artistas. E, num lance menos “trabalhado”, a chegar ao 1-1: Fábio Vieira atirou à baliza numa segunda bola, Evanilson conseguiu receber a bola e rematar, o lance foi invalidado pelo árbitro assistente mas o VAR deu outra indicação, com as imagens a mostrarem o calcanhar de Tomás Ribeiro a colocar mesmo o brasileiro em jogo (34′).

O intervalo chegaria mesmo com o empate no final dos sete minutos de descontos mas até lá houve a entrada de Taremi para o lugar de Bruno Costa (39′), um remate de Taremi para defesa de Luiz Felipe (40′), um golo anulado a Evanilson por fora de jogo de Luis Díaz (45+2′), mais duas grandes defesas do guarda-redes do Belenenses SAD por instinto (45+4′), um remate de Luis Díaz no movimento habitual de fora para dentro que passou pouco ao lado da baliza (45+5′) e outro golo anulado a Taremi por uma alegada falta sobre Tomás Ribeiro pelas costas antes da impulsão que não poderia ser revertida pelo VAR se fosse o caso por Manuel Mota ter apitado antes da bola entrar (45+6′). Ameaças não faltaram e até a cara confiante e as conversas descontraídas entre jogadores no regresso aos balneário mostravam a confiança portista.

Ainda assim, e quando se esperava de novo uma avalanche de futebol ofensivo dos portistas, a equipa da casa mostrou uma boa capacidade de conseguir esticar o jogo mesmo sem criar oportunidades (algo que não conseguira fazer no final do primeiro tempo) e o FC Porto sentiu dificuldades em encontrar os espaços que conseguira pouco antes do intervalo, conseguindo apenas um série aviso à baliza de Luiz Felipe num remate em arco de pé esquerdo de Fábio Vieira que saiu a rasar o poste da baliza dos azuis (55′). Por ali não seria tão fácil, com mais um desequilibrador na frente poderia ser melhor. Foi nessa ótica que Sérgio Conceição mexeu mais cedo na equipa do que é habitual, prescindindo de Vitinha para lançar Francisco Conceição em campo e puxando Fábio Vieira mais para o meio. Foi aí que resolveu o jogo.

Na primeira vez que tocou na bola, Francisco Conceição tirou do caminho Chima Akas com uma finta, foi progredindo no terreno até assistir para Evanilson e o brasileiro, com nota artística como se fosse um jogador de futsal, puxou para o pé esquerdo e rematou na área cruzado para o 2-1 (58′). Pouco depois, Fábio Vieira recebeu na zona central com espaço, colocou a bola na cabeça de Taremi com um grande passe e deu a oportunidade ao iraniano para fazer o 3-1 (61′). Em três minutos o encontro ficava resolvido, sendo que nunca o conjunto lisboeta teve capacidade para colocar o resultado em risco a partir desse momento. E até foi o FC Porto a passar ao lado de uma goleada maior, com Luis Díaz a falhar mesmo um penálti (78′) antes de Evanilson fazer o hat-trick no seguimento de um canto marcado por Fábio Vieira (84′).