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O piano de Joana Gama e a eletrónica de Luís Fernandes: muito mais do que uma banda sonora

Este artigo tem mais de 2 anos

Uma peça de 50 minutos compõe o novo álbum do duo de piano e eletrónica formado por Joana Gama e Luís Fernandes. "There’s no knowing" é estreado ao vivo esta quinta-feira na Culturgest, em Lisboa.

"There's no knowing" deriva de música criada a convite do diretor artístico da série "Cassandra" (RTP2, ainda por estrear), o dramaturgo Nuno M. Cardoso, mas não se trata da edição em disco dessa banda sonora
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"There's no knowing" deriva de música criada a convite do diretor artístico da série "Cassandra" (RTP2, ainda por estrear), o dramaturgo Nuno M. Cardoso, mas não se trata da edição em disco dessa banda sonora

Fotografias: Renato Cruz Santos

"There's no knowing" deriva de música criada a convite do diretor artístico da série "Cassandra" (RTP2, ainda por estrear), o dramaturgo Nuno M. Cardoso, mas não se trata da edição em disco dessa banda sonora

Fotografias: Renato Cruz Santos

A pianista Joana Gama diz ao Observador que é “por acaso”. Isto de a cada dois anos lançar um novo álbum no duo de piano e eletrónica que mantém com Luís Fernandes — é por acaso. O trabalho que tem apresentado é tão intenso e diverso — recitais de Erik Satie, composições para artes performativas e cinema, colaborações com músicos experimentais, apresentação de recitais comentados para adultos e crianças e espetáculos infantis, organização de um festival sobre o compositor alemão Hans Otte — que não duvidamos por um segundo da sua sinceridade.

O mais recente projeto dos dois músicos de Braga é There’s no knowing, peça de quase 50 minutos que deriva de uma banda sonora para uma série da RTP2 que está ainda por estrear, “Cassandra”. A acompanhar o lançamento do álbum esta quinta-feira, 20, com o cunho da editora Holuzam, está o primeiro de quatro concertos associados, todos em janeiro. Primeiro na Culturgest, no mesmo dia 20, às 21h. Segue-se o Centro Cultural Vila Flor, em Guimarães, no dia 22, o Centro de Arte de Ovar, a 28, e por fim o Cine-Teatro Louletano, a 29. Estas instituições são co-produtoras do projeto, a que se juntam ainda a Casa das Artes de Famalicão e o Theatro Circo em Braga, que receberão o espectáculo mais adiante.

O álbum deriva de música criada a convite do diretor artístico da série, o dramaturgo Nuno M. Cardoso, mas importa referir que não se trata da edição em disco dessa banda sonora — por natureza objetos fragmentados e dispersos. “There’s no knowing é uma peça que funciona de forma contínua e que foi pensada para este tipo de formato de disco e de espectáculo e que vamos interpretar de ponta a ponta em palco pela primeira vez”, diz Joana.

Na génese esteve um pedido inicial para criarem um genérico de 30 segundos para a série. Nuno M. Cardoso não lhes deu quaisquer referências visuais, apenas os textos escritos pelos autores da série — cada episódio funciona como uma curta-metragem autónoma, inclusive alguns já foram mostrados em festivais de cinema.

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Havia uma definição temática que tinha a ver com o mito de Cassandra, que previa o futuro mas ninguém acreditava nela. A partir dessa ideia foram desenvolvidos textos para teatro, dramaturgias que foram levadas a palco no centenário do TNSJ”, explica Joana.

Já Luís Fernandes conta como tentaram desde logo condensar nesses 30 segundos elementos que servissem de base para diferentes aplicações musicais ao longo da série. Só mais tarde viram os episódios e procuraram os elementos musicais que melhor se encaixassem a cada momento. “Houve um processo de sensibilização em relação ao que a série pedia, mas não fizemos música para servir apenas de muleta às imagens. Há aqui uma componente autoral. Fizemos música que fazia sentido para nós e que pudéssemos mais tarde transportar para um disco”, diz Luís.

"There’s no knowing" funciona como um todo, num grande arco que começa nas primeiras notas do piano, ao qual a eletrónica de Luís Fernandes se junta, e termina passados quase 50 minutos

CREDITOS RENATO CRUZ SANTOS

Joana acrescenta: “Há um lado um bocadinho negro e cinzento na música, uma certa penumbra, que tem a ver com a incerteza. Há um lado negro que trespassa a série toda e isso passa também para a música. Não há nem um episódio luminoso.”

O duo trabalhou na banda sonora no início de 2021. Deixaram-na em pousio por uns meses e só  mais tarde voltaram à carga. “Para nós, a ideia da música na série até já vai um pouco longínqua porque entretanto retrabalhámos o material. Se por um lado havia um lado funcional, porque é usada em momentos pontuais da série e foi um pouco adaptada para servir os timings e os contextos, quando o Nuno M. Cardoso nos convidou foi com a ideia de fazermos música que tivesse a ver connosco. E nós revemo-nos completamente no que fizemos.”

Adaptação da série para o palco

Depois de destrinçar o material da série que não faria sentido ser usado fora daquele contexto do que continha os elementos que lhes interessavam, Joana e Luís foram aprumando até obterem a forma de uma peça contínua, que no disco está dividido em cinco partes “apenas pela questão prática de poder ser selecionada uma secção específica” .

There’s no knowing funciona como um todo, num grande arco que começa nas primeiras notas do piano, ao qual a eletrónica de Luís Fernandes se junta, e termina passados quase 50 minutos. Essas primeiras notas formam uma frase, um movimento ou um código — escolha o leitor a analogia que preferir — que serve de pilar à volta do qual a música do duo se vai erguendo, ora em tensão e conflito ora em harmonia. Nas palavras da editora Holuzam, “a peça cresce numa espécie de sussurro entre os dois e desenvolve-se num progressivo jogo de proximidade. À medida que se avança em There’s no knowing, há uma maior interligação entre os elementos e a consumação do que Joana e Luís fazem em conjunto: puxar o melhor de cada um deles.”

Inspirados pela dupla Sakamoto e Alva Noto, ambos perceberam nessa conversa que tinham vontade de explorar o formato piano e eletrónica

CREDITOS RENATO CRUZ SANTOS

Pianista de várias formas, faces e interesses, foi em 2013 que Joana Gama começou a tocar com Luís Fernandes. O primeiro concerto chegou em janeiro de 2014, no Theatro Circo, Braga. Embora ambos fossem bracarenses e até tivessem amigos em comum, não se conheciam. Foi Pedro Santos, programador musical da Culturgest (então no Teatro Maria Matos, em Lisboa), que os juntou num evento dedicado ao centenário do compositor John Cage intitulado 100 Cage, em 2012. Cada um participou individualmente, e no fim conversaram. “Falámos en passant deste formato com piano e eletrónica de que ambos gostávamos”, recorda Joana, que até aí ainda só tinha trabalhado com o piano numa vertente de música clássica.

Inspirados pela dupla Sakamoto e Alva Noto, ambos perceberam nessa conversa que tinham vontade de explorar o formato piano e eletrónica. E tem sido uma escadinha desde então. Marcaram um ensaio. Como correu bem, continuaram e ensaiar. Foram tocando e gravando. Daí escorreu a ideia de que deveriam marcar um concerto, o que os levou à realização de que já tinham material suficiente para gravar um disco.

Esse seria Quest, lançado em 2014 pela editora Shhpuma. Em 2016 saiu Harmonies (Shhpuma), no qual trabalharam a herança de Satie em colaboração com Ricardo Jacinto. At The Still Point Of The Turning World (Room40) onde, com José Alberto Gomes, estenderam o seu trabalho a uma orquestra, chegou em 2018. E em 2020 editaram Textures & Lines, em co-criação com o Drumming GP, na então recém-criada Holuzam.

“Como ambos temos trabalhos e projectos fora do duo, acabamos por não ter qualquer pressão de produção ou estratégia. As coisas vão acontecendo um bocadinho por acaso, mas também fruto do nosso trabalho”, diz Luís Fernandes.

[“Night Drive”, do álbum “Quest”:]

Na última década, o músico vem desenvolvendo projetos a solo na música eletrónica. “Interessa-me a eletrónica ao vivo, em tempo real, sem grande sustentação de bases gravadas”. Luís está ainda ligado à programação de projetos artísticos e cultural — como o espaço GNRation ou o festival Semi-Breve, ambos em Braga — por isso tem de ser criterioso no que faz enquanto músico. O tempo não estica.

Já Joana Gama, apesar de inicialmente ter decidido dedicar-se à música seguindo a herança associada a uma ideia de música clássica e repertório canónico, foi-se desviando desse caminho. “Quando terminei o curso em 2005, ainda tinha a ideia de que o que me iria satisfazer seria fazer recitais ligados à música clássica. Mas aos poucos foram acontecendo coisas que me fizeram mudar de ideias. Uma série de acontecimentos em cadeia. Quando há uma abertura ao inesperado, às vezes esse inesperado acontece”, conta, referindo-se, por exemplo, a Dança Ricercata, a primeira peça que fez com a coreógrafa Tânia Carvalho, que coreografou os seus movimentos enquanto tocava uma peça de György Ligeti. “Isso foi um ponto de viragem”, remata.

Se até 2013 não fazia qualquer trabalho de improvisação, apenas música com partituras, aos poucos estes acontecimentos foram sendo marcantes no caminho que seguiu.  Daí que nos últimos anos tenha trabalhado com gente recomendável como João Godinho, Rafael Toral, Victor Hugo Pontes, João Fiadeiro, Mala Voadora, João Botelho ou Manuel Mozos — além de nunca ter deixado de apresentar recitais, sobretudo de Erik Satie.

E desde 2010 que se dedica a divulgar a obra do compositor francês: em 2016, assinalou o 150º aniversário com a digressão SATIE.150 e o lançamento do livro Embryons desséchés (Pianola). Foi nesse contexto que tocou a peça Vexations, de Satie, em três performances que duraram 7, 14 e 15 horas.

Em outubro de 2020 ajudou a organizar o Festival Hans Otte, que foi a primeira ação de divulgação da obra do compositor alemão em Portugal. Na mesma altura, estreou ainda o espectáculo infantil As árvores não têm pernas para andar. É esta mescla de valências e interesses livres, sem se preocupar com categorias ou em cumprir expectativas de terceiros, que define o seu trabalho ao longo dos anos. “Procuro verdadeiramente fazer aquilo de que eu gosto e que eu sinto que faz sentido”.

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