A primeira edição da Taça da Liga teve o V. Setúbal como vencedor mas, entre 2009 e 2016, a prova foi quase como um primeiro troféu garantido para o Benfica à exceção de 2013 (Sp. Braga). Oito edições, sete vitórias. E, a partir daí, um hiato. De triunfos e de finais. Na antecâmara da Final Four da época 2021/22, Nelson Veríssimo quase desvalorizava a importância de um triunfo na competição face ao quadro global de toda a temporada mas era em Leiria que os encarnados enfrentavam cinco dias que poderiam funcionar como uma rampa de lançamento para os meses seguintes. Entre a instabilidade, era um estabilizador.

Problemas de Covid-19 à parte, que assolam nesta altura todas as equipas e todos os plantéis (embora a ausência de Rafa conhecida no próprio dia de jogo tivesse uma influência mais premente dentro do que era a estratégia dos encarnados), o clube enfrentou de tudo um pouco no último mês: uma rebelião do plantel pelo castigo a um dos capitães, a saída de Jorge Jesus, a segunda derrota consecutiva no clássico frente ao FC Porto no Dragão já com o antigo treinador da equipa B, um sem número de escutas reveladas sem que as mesmas tivessem qualquer valor processual ou criminal, a omnipresença de Luís Filipe Vieira de várias formas no presente do clube, a igualdade caseira com o Moreirense para o Campeonato. Foi por isso que, apesar do triunfo e correspondentes três pontos, a vitória em Arouca não chegou a ser esse dínamo.

“Nesta altura preocupa-me tudo. O processo ofensivo, o defensivo, os momentos de transição, a bola parada. Olhando os jogos que fizemos, sentimos que há obviamente correções que temos que fazer, nomeadamente no nosso processo ofensivo. Como tenho dito, estamos a introduzir alterações em termos de dinâmicas com a competição a decorrer, o que nem sempre é fácil, mas os jogadores têm dado uma resposta positiva. É difícil estabelecer um parâmetro e dizer até que ponto esta equipa já está com a ideia do treinador porque a ideia nunca vai estar completa. O modelo de jogo vai-se construindo e está em permanente evolução. Pegamos nos jogos que fizemos, temos que analisá-los e há sempre coisas para corrigir mas o foco tem sido o processo ofensivo da equipa”, explicara o técnico Nelson Veríssimo.

Se em Arouca a produção atacante tinha sido curta, com poucas oportunidades e um caudal ofensivo algo preso, as ausências de Darwin Núñez, Rafa e Seferovic por diferentes razões também não ajudava naquelas que eram as contas do técnico, que chamou o jovem Henrique Araújo aos 23 convocados. E o Boavista, o adversário que aparecia pela frente até à final (mesmo que muito limitado com dez ausências), consolidou a parte defensiva com Petit, com uma derrota em oito jogos e só um golo sofrido por encontro. “O principal objetivo é a conquista da Liga. Temos que dar importância a este jogo, frente uma equipa competitiva e com um grau de dificuldade acrescido. Importância da vitória na Taça da Liga? É a mesma desde o início da época, a conquista da Taça da Liga não vai salvar a época”, destacara o treinador dos encarnados.

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Estava em causa um regresso às finais da prova mas estava em causa mais do que isso perante o contexto que o Benfica atravessou nas últimas semanas. Era também, ou sobretudo, um desafio ao próprio grupo de trabalho. “Sinto os jogadores unidos, conscientes do momento em que estamos e a trabalhar de forma afincada nos objetivos do clube e nas competições em que estamos inseridos. Quando é para brincar é para brincar, quando é para trabalhar é para trabalhar e é isso que temos feito”. A confiança estava lá, o resto nem por isso: apesar de um início interessante em termos de dinâmica coletiva, o Benfica fez o pior jogo com Veríssimo no comando, viu o Boavista empatar o jogo e estar perto da reviravolta em três ocasiões no segundo tempo e salvou apenas o triunfo nos penáltis. Se cada golo valia duas toneladas de alimentos para a Rede de Emergência Alimentar, e só nesta meia-final já foram quatro, Vlachodimos tirou mais duas toneladas de cima de uma equipa sem confiança, sem rasgo e que voltou a ser assobiada pelos adeptos.

Com o posicionamento muito bem definido no terreno em 4x3x3, com Paulo Bernardo a cair mais sobre a direita e João Mário na esquerda com Weigl à frente da defesa tendo depois Diogo Gonçalves e Everton bem abertos a dar largura de jogo à equipa, o Benfica teve uma entrada mais confiante na partida, a circular entre corredores de forma rápida e com muita mobilidade, a ter um cruzamento de Diogo Gonçalves que Nathan não conseguiu cortar por falhar a bola e a beneficiar da primeira grande oportunidade da partida logo no oitavo minuto, com João Mário a simular, Paulo Bernardo a assistir e Yaremcuk, sozinho na área, a rematar para defesa de Bracalli. Petit não disfarçava a insatisfação por erros no centro da defesa de unidades que não estão habituadas às funções mas aplaudia ao ver melhorias da equipa.

Aos poucos, o Boavista conseguia ter mais posse até no meio-campo contrário, fazia chegar jogo ao último terço, variava também com qualidade o jogo perante uma formação encarnada que não defendia tão alto e escolhia os melhores momentos de pressão dos médios, e obrigava sobretudo Weigl a atenção constante nas “dobras” aos centrais ou no espaço central-lateral. No entanto, e em mais um lance com demérito para os axadrezados, o Benfica chegou mesmo à vantagem com Nathan a tentar sair com bola, a ficar sem ela por culpa própria e a ver Everton isolar-se para atirar para o 1-0 em arco à entrada da área (16′). Numa fase em que o conjunto do Bessa começava a ficar mais confortável no jogo, os encarnados passavam para a frente, podendo a partir daí fazer um outro tipo de gestão dos momentos que a partida vivia.

O Boavista acabou por não acusar o golo sofrido e sobretudo a maneira como o mesmo foi consentido, com o Benfica a privilegiar sempre uma boa organização defensiva para depois jogar em ataque rápido sempre a explorar os corredores laterais. E se foram os axadrezados a terem o maior número de remates, com dois enquadrados de Pérez e Musa para defesas fáceis de Vlachodimos, a melhor oportunidade até ao intervalo seria de novo do Benfica, com Diogo Gonçalves a combinar com Grimaldo, a encontrar espaço na área com um movimento individual e a cruzar rasteiro para um desvio muito por cima de Everton em boa posição ao segundo poste mas já num movimento contrário que não permitiu rematar de forma adequada.

Em 51 jogos em que saiu na frente frente ao Boavista, o Benfica apenas por uma vez tinha perdido no final. As estatísticas mostravam uma equipa encarnada mais pragmática, com mais bola, menos remates e uma maior eficácia, e a contar também com essa parte histórica a dar outro conforto na abordagem à segunda parte mas os axadrezados estavam apostados em reentrar no encontro e acabaram por beneficiar também de um erro crasso da defesa contrária, neste caso de Morato, para chegarem mesmo ao empate: o jovem brasileiro quis sair com bola na área, perdeu a posição para Musa, carregou o avançado croata e Gustavo Sauer, de grande penalidade, não deu hipóteses a Vlachodimos (53′). E ainda foi o guarda-redes a evitar a reviravolta pouco depois, com Musa a atirar sem ângulo para grande defesa do grego (60′).

Entre os muitos problemas de um Benfica que não conseguia jogar e que tinha três vezes menos remates do que o Boavista, as dificuldades do flanco direito a defender e a atacar eram demasiado evidentes e Nelson Veríssimo tentou mexer com isso mesmo a partir do banco, voltando a um 4x4x2 com Gil Dias à esquerda, Everton a passar para a direita ajudando Lázaro e Gonçalo Ramos mais ao lado de Yaremchuk. Todavia, todos esses problemas continuaram a ser evidentes e explorados de forma cirúrgica pelo Boavista, que voltou a ameaçar o golo num cruzamento de Filipe Ferreira (central pela esquerda) com desvio de cabeça de Musa para grande defesa de Vlachodimos (69′). O croata estava mesmo em grande no jogo e, no minuto seguinte, assistiu no ar para a entrada de Gorré que, na área em boa posição, rematou ao lado (70′).

Petit ainda tentaria resolver o encontro nos 90 minutos, lançando Ntep em vez de Gustavo Sauer enquanto Veríssimo procurava sobretudo refrescar os corredores laterais como se tinha visto nos jogos anteriores, mas só voltaria a criar perigo em mais uma ocasião, com Hamache a subir pela esquerda e a arriscar um remate quase sem ângulo para nova intervenção de Vlachodimos (81′). Do lado do Benfica, só mesmo com Pizzi em campo houve uma oportunidade com um tiro do médio que levou Bracalli a fazer uma defesa de recurso para canto (90′). A meia-final iria mesmo para as grandes penalidades, onde os três falhanços iniciais dos axadrezados com dois remates fora da baliza (e um travado pelo grego) tiveram um peso irreparável até ao 3-2 de Weigl que carimbou a passagem ao jogo decisivo dos encarnados.