O Tribunal da Relação de Lisboa rejeitou o recurso de Armando Vara para anular a sentença de dois anos de prisão efetiva pela prática de um crime de branqueamento de capitais por ter alegadamente ocultado 535 mil euros numa conta bancária na Suíça aberta em nome de uma sociedade offshore por si controlada. O ex-ministro do Desporto de António Guterres vai recorrer para o Tribunal Constitucional para tentar anular a sua segunda pena de prisão de efetiva, confirmou o advogado Tiago Rodrigues Bastos à Rádio Observador.
Esta é a primeira condenação da Operação Marquês a ser confirmada por um tribunal superior.
As desembargadoras Alda Tomé Casimiro e Anabela Simões Cardoso entendem que, tendo em conta o crime de branqueamento de capitais, a pena de dois anos de prisão aplicada “não pode deixar de ser efetiva. (…) Durante décadas os chamados ‘crimes de colarinho branco’ geraram uma sensação de impunidade: os culpados ou não eram pura e simplesmente punidos (dada a dificuldade da prova) ou eram punidos em pena com execução suspensa.”, lê-se no acórdão a que o Observador teve aceso.
Operação Marquês. Armando Vara condenado a dois anos de prisão por branqueamento de capitais
Daí que a Relação de Lisboa entenda que uma pena suspensa poderia ser entendida como uma “benevolência” que “levará ao descrédito das expectativas comunitárias na validade das normas jurídicas violadas, com efeitos na não prossecução dos objectivos da prevenção geral.”
O centro do recurso de Armando Vara era conseguir a suspensão da execução da pena que tinha sido decidida em julho de 2021 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, invocando, nomeadamente, o facto de Vara ter cumprido recentemente mais de metade da pena de cinco anos por três crimes de tráfico de influência no âmbito do caso Face Oculta (foi libertado em outubro de 2021). Contudo, as desembargadoras Alda Tomé Casimiro e Anabela Simões Cardoso rejeitaram totalmente a argumentação da defesa.
“A circunstância de ter sofrido uma condenação em pena efetiva de prisão por crimes situados temporalmente próximos do agora em julgamento não tem qualquer virtualidade de o beneficiar”, lê-se no acórdão a que o Observador teve acesso. “Eventualmente será oportunamente proferida decisão cumulatória”, é a única janela aberta que as desembargadoras abrem para a defesa eventualmente explorar num futuro recurso.
As desembargadoras valorizaram, tal como o tribunal de primeira instância já o tinha feito, o facto de Armando Vara não ser “um cidadão anónimo”, já que “exerceu funções públicas durante vários anos e cargos governativos” — o que é uma agravante na prática de um crime como o de branqueamento de capitais. Além, disso, lê-se ainda no acórdão, “o arguido não manifestou qualquer arrependimento”, “não confessou nem repôs a verdade da sua situação fiscal.”
Acresce que “a integração familiar e social do arguido [Armando Vara], bem como a sua confortável situação económica não o impediu de cometer o crime agora em causa, o que não abona a favor da sua personalidade e não dá garantias ao nível da prevenção especial”, lê-se no acórdão.
Em suma, o tribunal considerou que se “justifica plenamente a pena aplicada” pela primeira instância de dois anos de prisão efetiva, já que é “ajustada à culpa e às exigências reclamadas pela prevenção especial e pela prevenção geral positiva (ou de integração), isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à norma violada”, concluem as desembargadoras.
A defesa de Armando Vara, a cargo do advogado Tiago Rodrigues Bastos, vai apresentar um recurso no Tribunal Constitucional, confirmou a defesa à Rádio Observador. Isto porque, tratando-se de uma confirmação de uma condenação da primeira instância, a lei impõe que os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça só podem verificar-se no caso de penas de prisão superior a oito anos. Ora, Vara foi condenado a uma pena de prisão de dois anos de prisão efetiva.
O caso que levou à condenação de Vara
Recorde-se que Armando Vara foi acusado pelo Ministério Público no âmbito da Operação Marquês de cinco crimes, entre os quais corrupção, branqueamento e fraude fiscal qualificada. Em causa, estava um alegado suborno de um milhão de euros que teria recebido enquanto administrador da Caixa Geral de Depósitos de um grupo de investidores que adquiriu o resort turístico de Vale do Lobo com crédito do banco público. O alegado suborno, que terá sido alegadamente partilhado a meias com o ex-primeiro-ministro José Sócrates.
Contudo, o juiz Ivo Rosa, que assumiu a titularidade da instrução criminal da Operação Marquês, apenas pronunciou Armando Vara por um crime de branqueamento de capitais. Em causa, está o facto de Vara ter alegadamente escondido das autoridades 535 mil euros, numa conta bancária aberta na Suíça em nome da sociedade offshore Vama Holdings.
Nessa conta bancária, Vara tinha cerca de dois milhões de euros (uma parte dos quais foi transferido por Carlos Santos Silva, o alegado testa-de-ferro de José Sócrates) mas apenas cerca de meio milhão de euros foi transferido para Portugal.
Corrigido às 13h01m o crime que levou à condenação de Armando Vara no processo Face Oculta: tráfico de influência e não burla qualificada.