Se é para começar a tomar nota de possíveis compras atente nisto: estamos em vias de uma bofetada de luva branca, ou de outro tom qualquer, claro. Em colour block ou rendidas a texturas, padrões e aplicações, de brocado ou puffer, perfeitas para um cenário après-ski ou um pouco mais rock n’ roll, é um dos acessórios mais avistados na Semana da Moda de Londres, que terminou esta terça-feira, depois de ver desfilar as propostas para o próximo outono-inverno. Um calendário onde se assinalam desde logo ausências de peso. Com nomes como Victoria Beckham, Burberry (em modo off-schedule), Alexander McQueen e JW Anderson fora de cena desta edição (e Christopher Kane ou Vivienne Westwood a apostarem no digital), não faltaram designers estreantes e emergentes para espevitar o circuito de novidades pós-pandemia, como Poster Girl ou Conner Ives. Isto se conseguir vista desafogada para tudo o que aí vem, o que não parece empresa fácil perante as imponentes abas de chapéu que também se juntam às opções com efeito statement, complementando o conforto de um casaco oversized com efeito casulo ou a exposição da pele sob transparências, rendas e derivados.
Por fim, quem precisa de uma passerelle quando pode ter um reality show? Foi assim que a diversão de Collina Strada chegou ao público. Siga os outros destaques, entre semblantes tétricos, lendas irlandesas e vários rasgos luminosos.
Poster Girl
Nem tudo foi péssimo a meio caminho da era pandémica, que o diga a Poster Girl, que em 2021, qual furação, levava tudo à frente enquanto Kylie Jenner e Dua Lipa desfilavam por aí com os seus vestidos, poucos anos depois do pontapé de saída. Fixada em Londres, a marca de Francesca Capper & Natasha Somerville (que combinam a passagem por referências como Christian Dior, Vivienne Westwood, Alexander Wang, John Galliano, Jeremy Scott e Bvlgari), distribui jogo com os seus preços mais próximos do mainstream e, em tempo de estreia na Semana de Moda de Londres, mostrou que também serve para pisar a passerelle (ou para ir dançar à discoteca). Os visuais são arrojados, a diversão é ponto assente (lá está o chamado clubwear), os contrastes de néon são presença assídua e os primórdios do milénio vibram aqui em todo o seu esplendor, na certeza de que a tendência cut out não arreda pé. Ficamos entre os looks “Euphoria” e a estética Y2K.
Erdem
Depois da tempestade Eunice, a bonança servida pela elegância pronta a usar da Erdem. Se as luvas falam até aos cotovelos (com o devido apontamento glam rock), as golas tornam-se românticas, as franjas mostram-se sem rodeios, as transparências alinham num jogo de revelações, e os plissados embrenham-se num modo festim. Mas nem só de vestidos vive a coleção para o próximo outono-inverno segundo a marca fundada em 2005 pelo designer Erdem Moralioglu — nem dos tons escuros. Os fatos disputam lugar na montra e aqui e ali as cores quentes quebram a toada invernil.
Richard Quinn
Orquestra de câmara, padrões originais, versões coleantes e casacos oversized que mais parecem protetores casulos, enormes chapéus, latex e dominatrix (e aquele momento em que Violet Chachki, aka Paul Jason Dardo, drag queen americana e artista de burlesco que venceu a sétima temporada de RuPaul’s Drag Race assumiu as rédeas da trela). O boom de clientes oriundos do Médio Oriente, explica Richard Quinn a Susy Menkes, justifica a valorização da sensibilidade couture (e porventura as referências várias ao véu), sem perder de vista o registo mais ready to wear — mais que não seja para replicar o melhor espírito e vibração Kylie Minogue.
Conner Ives
Aos 26 anos, Conner Ives faz parte de uma das fornadas mais recentes a sair da londrina Central St. Martin — aliás, o designer americano, criado em Bedford, Nova Iorque, filho de uma dentista e de um psicoterapeuta, licenciou-se em 2021, quando as modas estavam em pico de paralisação e dificilmente um finalista veria a possibilidade de um desfile no final do arco-íris. E depois? O chão da pandemia foi fértil no segmento do retalho para quem lançou os seus já famosos vestidos t’shirt em versão patchwork, chegou ao Museu Metropolitan através do curador britânico Andrew Bolton, recebeu convite para a Met Gala e ainda ficou a escassa distância do primeiro lugar no prémio LVMH do ano passado. Fast forward, Ives aposta numa “Senhora Vice Presidente” ou em “A Editora”, piscando o olho a Kamala Harris, Anna Wintour e ainda a ilustres representantes da dinastia Kennedy, para uma realeza americana que vai bem com luvas, lenços mas também com muito denim, franjas e tops assimétricos.
Raf Simons
Palas/capas generosas, capuz, mantos e outros acessórios que adensam o mistério e sigilo, protegendo a face de quem não vê (ou não quer ver), para uma inspiradora viagem ao século XVI feita de velhos ditados flamengos e Pieter Bruegel, resgatando expressões sem tradução direta nas demais línguas europeias . A história contada por Raf Simons envolve um manto azul, mas poderia também envolver as cores associadas à saga The Handmais Tale, neste caso com um pouco mais de vinil. O tom, seja ele qual for, é sempre sombrio – para não dizer sinistro — nesta que parece ser uma pista de dança eletrizante, com o dramatismo a recair ainda nos acessórios em proporções avantajadas e bem buriladas.
Simone Rocha
Por um lado, uma sustentável leveza, com uma parada de vestidos etéreos que mais parecem um suspiro. Por outro, o peso de uma estética tão negra quanto romântica com várias gotas de gótico em cima do estilo vitoriano. Para esta coleção, Simone Rocha inspirou-se numa conhecida lenda irlandesa, “Os Filhos de Lir”, segundo a qual Aodh, Fionnula, Fiachra e Conn foram convertidos em cisnes às mãos da invejosa madrasta. Outro ponto assente, segundo o receituário da casa para os próximos meses frios no horizonte: as balaclavas mantém-se de pedra e cal. Mas há mais acessórios essenciais nesta montra de perdição. As luvas, sempre a luvas, as carteiras, as joias (com as pérolas à cabeça), os brogues de malha, o apontamento dos corações, algumas plataformas e as meias que se tornam fantasia pura.
Molly Goddard
Tafetá, folhos, malhas XXXL e saias sobre calças, para uma matrioska quentinha, camada sobre camada (sem esquecer os gorros). Depois de um hiato de dois anos, Molly Goddard regressa com rabos de cavalo estrategicamente elevados, como se Barbie se cruzasse com Madonna na sala de espera de um consultório para um certo revivalismo punk dos anos 80 (ou nostalgia dos confinamentos mais pesados do ano 2000, quando nos restava circular entre a sala e o quarto com conjuntos confy quanto baste).