A invasão da Ucrânia por parte da Rússia começou oficialmente e há uma comparação que se repete nas páginas dos mais variados jornais: é um combate de David contra Golias. Seja qual for o critério da comparação – número de militares no ativo, força militar por terra, por mar, capacidade para ataques aéreos – a conclusão é a mesma: estamos perante um confronto desigual em todas as frentes.

Os números são claros: do número de militares ativos – 900.000 do lado russo, 196.000 ucranianos, a somar a dois milhões contra 900.000 de reserva – à desproporção de navios de guerra – 74 contra dois – ou dos veículos armados – são 19.783 contra 2.870 – a Ucrânia, cuja fronteira a Rússia está a cercar há semanas, pode ter força para oferecer uma “resistência significativa”, mas dificilmente para contrariar uma invasão de larga escala. No mar, a distância é ainda mais evidente: a Rússia tem dez vezes os efetivos militares da Ucrânia.

E, embora na infantaria o balanço seja mais equilibrado em número de militares – 280.000 soldados russos, 125.600 ucranianos – a aparente aproximação dos ucranianos esfuma-se quando comparada com a capacidade russa em termos de equipamento e armamento.

Rússia com “maior poderio desde a URSS” e segunda maior força militar

Como aponta o Global Firepower, site que reúne estatísticas sobre a área da Defesa, a Rússia é o quinto país com maior investimento no setor e o segundo com maior “força militar”. Os especialistas do prestigiado Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, com base em Londres, notam que a Rússia tem hoje “um poderio militar mais capaz do que em qualquer altura desde a dissolução da União Soviética”, graças ao processo de modernização militar que começaram a pôr em prática no final de 2008, depois da guerra na Geórgia, e com o arranque do programa de armamento do Estado que decorreu entre 2011 e 2020.

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O progresso tem sido desigual – as forças aéreas e marítimas têm equipamento mais moderno do que as de infantaria – mas, com a anexação da Crimeia e no conflito na Síria, onde muitos comandantes russos estiveram destacados, aponta o mesmo instituto, o país liderado por Vladimir Putin foi ganhando experiência valiosa. 

A isto soma-se a tecnologia de ponta de alguns tanques russos e, como explica o Telegraph, os especialistas em engenharia militar que deverão chegar ao terreno para construir pontes, reparar estradas e limpar campos de minas — tudo para manter o exército russo, que quererá ganhar esta guerra em dias, a avançar e a impedir os ucranianos de recuperarem força.

A anexação da Crimeia também significou uma melhoria significativa na posição militar e marítima da Rússia no Mar Negro. “A frota está agora muito melhor colocada, particularmente para bloqueios e para negar à Ucrânia acesso marítimo”, aponta o instituto.

A conclusão é semelhante para a força aérea: a atuação “sem brilho” na Geórgia foi contrariada nos anos seguintes com a experiência ganha na Síria e significa agora que a ameaça aérea sobre Kiev – onde veículos militares russos já tinham entrado esta quinta-feira – é “mais capaz, mais bem equipada e com experiência de combate”.

Forças ucranianas motivadas e mais experientes, mas em clara desvantagem

O resumo, aponta a Reuters, é simples: as forças da Ucrânia são menores em número e têm acesso a menos armas. Mesmo assim, a Ucrânia pode conseguir oferecer uma resistência significativa e provocar baixas relevantes aos russos: as forças armadas também estão mais bem treinadas do que em 2014, durante a anexação da Crimeia, e ganharam experiência com os confrontos na região separatista de Donbass. Além disso, estarão “altamente motivadas” para tentar defender o país.

Com a Rússia a cercar a fronteira ucraniana, nos últimos dias, já com perto de 200 mil militares, e com algumas tropas colocadas também na Bielorrússia, o primeiro-ministro ucraniano anunciou que as últimas medidas tomadas para “fortalecer as capacidades de defesa do Estado”, aumentando a “atratividade” do serviço militar e a “profissionalização” das tropas, pode levar a um aumento de militares para cerca de 361.000 – ainda assim, muito inferior às da Rússia, que está mais perto de um milhão de efetivos, sem contar com os que estão na reserva.

Já o investimento da Ucrânia em Defesa, apesar de ter aumentado entre 2010 e 2020, continuava em 2020 a ser um décimo do russo, com 3,8 mil milhões de euros investidos no setor. Muitos especialistas, citados pela mesma agência, apontam que os equipamentos de defesa contra ataques aéreos e mísseis da Ucrânia são “fracos” e deixam o país vulnerável a ataques russos. A isto junta-se a capacidade dos especialistas de Putin na área eletrónica para “paralisar o adversário” e tentar cortar as comunicações com unidades militares colocadas no terreno.

NATO diz que não vai intervir, mas Ocidente ajuda

Com o secretário-geral da NATO, Jens Stoltenberg, a garantir que a NATO condena a invasão e protegerá os seus aliados, mas não vai intervir militarmente na Ucrânia, o país garante que a ajuda ocidental que está a receber não é suficiente.

Desde 2014, os Estados Unidos providenciaram mais de 2,5 mil milhões de dólares (2,2 mil milhões de euros) em ajuda militar à Ucrânia, entre mísseis anti-tanques, barcos de patrulha costeira, drones, sistemas de radar e equipamentos de rádio, entre outras categorias de armas.

A Turquia também vendeu drones a Kiev – usados contra os separatistas apoiados pela Rússia – e o Reino Unido providenciou dois mil mísseis anti-tanque em janeiro, assim como especialistas britânicos para providenciar formação e treino.

A estes apoios juntam-se armas enviadas pela Estónia, Lituânia, munições que a República Checa “planeia doar” e o co-financiamento alemão para um hospital de campanha.

Como cita o New York Times, ainda em dezembro o líder dos serviços de informação ucranianos, o general Kryrylo O. Budanov, tinha traçado um cenário em que uma invasão russa começaria por ataques aéreos e com rockets contra depósitos de munições, seguidos de trincheiras no terreno. O exército ucraniano, garantia, conseguiria aguentar-se “enquanto tivesse balas”, mas depois disso a ameaça russa seria muito difícil de contrariar.

Segundo os peritos ouvidos pelo Telegraph, as forças russas teriam interesse em evitar atacar as maiores cidades, onde os militares ucranianos poderiam concentrar-se para tentar defender as áreas urbanas, desenrolando-se um conflito “confuso e sangrento” e com condições para a resistência ucraniana colocar em prática os treinos que tem feito em cidades abandonadas, junto de Chernobyl.