Cinco dias antes de as forças de Moscovo invadirem a Ucrânia e abrirem guerra no país, os tanques e carrinhas militares russos colocados na fronteira entre os dois países exibiam uma letra que nem sequer existe no alfabeto cirílico da Rússia. Era um“Z” branco, com hastes largas e sem serifas — um símbolo que conquistaria a atenção dos analistas bélicos e tornar-se-ia num símbolo de apoio à investida russa.
De acordo com as Forças Armadas ucranianas, o “Z” tem um significado militar: é uma das cinco letras identificadas até agora no material bélico russo. Sozinha, a letra “Z” rotula as forças vindas do distrito oriental da Federação Russa; mas se estiver emoldurada num quadrado branco identifica os militares da Rússia colocados na Crimeia, a região ucraniana anexada pela Rússia em 2014.
Existe também o “O” para as forças da Bielorrússia, o “V” utilizado pelos fuzileiros navais, o “X” para as forças vindas da Chechénia (a república na região do Cáucaso que tem sido palco de conflitos com Moscovo na luta pela independência) e o “A” exibido pelas forças especiais. Utilizando estes símbolos, os militares garantem que não atacam os próprios companheiros — é fogo amigo. Mas o “Z” e o “V” têm sido amplamente replicados por atletas olímpicos, instituições e artistas também como forma de apoio a Putin. Porquê?
Numa fase inicial, julgava-se que o “Z” tinha sido adotado pelos militares russos como símbolo do apoio da Rússia à independência das regiões separatistas ucranianas de Donetsk e Lugansk, expressa a 22 de fevereiro de 2022 (22/02/2022) — apesar de, no alfabeto cirílico, o símbolo “Z” ser mais semelhante a um “3”. Mas a letra já tinha sido detetada em tanques militares muito antes dessa data, quando as tropas de Putin se posicionaram na fronteira com a Ucrânia.
A resposta pode estar em duas publicações que o Ministério da Defesa russo, liderado por general Sergey Shoygu, colocou nas redes sociais e que atribui às duas letras outro simbolismo: o “Z” vinha de “za pobedu”, que em português significa “pela vitória”; e o “V” surgiria de “sila v pravde” ou, em português, “o poder está na verdade”, como sugere a página governamental de Instagram.
O assunto não ficou fechado com as explicações vindas diretamente do governo de Putin e há quem procure mais respostas nas entrelinhas. Uma das teorias é que as duas letras foram escolhidas para recordar a Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, a tenacidade da Rússia na investida contra a Ucrânia. Há também quem teorize que o “Z” é uma mensagem de guerra ao Ocidente, palavra que em russo é “zapad”; e que o “V” é um sinal de apoio a Vladimir Putin.
As duas letras, mas sobretudo o “Z” ganharam tanta importância que se tornaram verdadeiros símbolos da identidade nacional russa. E o caso do ginasta russo Ivan Kuliak, que tinha um “Z” improvisado com o que parecia ser fita-cola no uniforme quando subiu ao pódio numa prova do campeonato mundial de ginástica artística no Qatar, não é o único.
Um pouco por toda a Rússia, mas também fora dela, circulam carros com o “Z” desenhados nas janelas e nas portas, explica Kamil Galeev, investigador com a bolsa Galina Starovoitova (dissidente russa que batalhou por reformas democráticas no país) pelos Direitos Humanos no Centro Wilson nos Estados Unidos e especialista em História Moderna, no Twitter. Segundo ele, a expansão da letra como símbolo da ideologia de Putin está a ser tanta que há quem a compare a adoção da suástica pelos apoiantes do regime nazi.
Uma das imagens mais impressionantes partilhadas por Kamil Galeev é a de um “Z” composto por militares russos com recurso aos distintivos de soldados ucranianos mortos em combate. Outra é uma fotografia aérea de crianças com doenças terminais dispostas em “Z” numa rua coberta de neve, à porta do hospital onde estão internadas.
Here you see terminally ill children from hospice and their parents making a Z formation. Yes, Russians are forcing terminally ill children dying from cancer, and their families to declare their support to Russian invasion of Ukraine. See letters Детский хоспис? Hospice for Kids pic.twitter.com/3yeHMPWXl0
— Kamil Galeev (@kamilkazani) March 6, 2022