A secção disciplinar do conselho permanente do Conselho Superior da Magistratura (CSM) decidiu abrir no dia 24 de fevereiro por unanimidade um processo disciplinar a Ivo Rosa. Após várias averiguações disciplinares, esta é a primeira vez que o polémico juiz de instrução criminal tem um processo disciplinar formalmente aberto. O CSM já nomeou um inspetor do Porto para instruir o processo.

Em causa está uma participação formal da 9.ª secção do Tribunal da Relação da Lisboa contra Ivo Rosa por este ter revertido um despacho do juiz Carlos Alexandre num processo relacionado com Isabel dos Santos e Mário Leite da Silva, braço direito da empresária angolana. Os desembargadores Calheiros da Gama e Abrunhosa de Carvalho anularam a decisão de Ivo Rosa, teceram-lhe duras críticas e enviaram o acórdão para o CSM devido às “vissicitudes dos autos”, lê-se no acórdão a que o Observador teve acesso.

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O processo disciplinar, contudo, já começou com um pequeno imbróglio jurídico. É necessário notificar formalmente Ivo Rosa da abertura do processo disciplinar comum mas o juiz encontra-se de baixa, após ter sido operado de urgência a um problema do foro cardíaco. E há diferentes interpretações jurídicas sobre se um juiz de baixa pode ser notificado ou não. Por outro lado, Ivo Rosa mudou de morada e a primeira tentativa de notificação ocorreu na sua anterior morada que constava dos arquivos do Conselho.

Acresce que o CSM estava a tentar protelar a notificação até ao regresso ao trabalho, para proteger a sua saúde. Contudo, o Expresso noticiou esta noite que o Conselho tinha aberto uma averiguação disciplinar quando, na realidade, foi aberto um processo disciplinar.

Ivo Rosa pode ser graduado em desembargador mas promoção fica congelada

Recorde-se que Ivo Rosa candidatou-se ao 10.º Concurso curricular de acesso aos Tribunais da Relação no final do ano passado. Ao que o Observador apurou, a classificação de Ivo Rosa não será prejudicada, sendo certo que a sua última classificação é de “muito bom”.

Contudo, a abertura do processo disciplinar terá consequências importantes. Se Ivo Rosa ficar entre os primeiros 40 classificados, poderá ser graduado em juiz desembargador, mas a promoção ficará suspensa até o processo disciplinar ficar decidido.

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Ou seja, o lugar fica aberto para o magistrado mas a promoção fica suspensa. Porquê? Porque em termos teóricos a pena máxima de um processo disciplinar poderá ser a demissão ou a reforma compulsiva. No caso de Ivo Rosa, é pouco provável que uma eventual sanção disciplinar, a existir, atinja tal gravidade.

Conselho emite comunicado a confirmar noticia do Observador

O Conselho Superior da Magistratura (CSM) emitiu ao final da manhã desta 6.ª feira um comunicado a confirmar a notícia avançada em primeira mão pelo Observador. “Na sessão da Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares do Conselho Permanente Ordinário do CSM, ocorrida em 24 de fevereiro de 2022, foi deliberado por unanimidade dos seus membros instaurar procedimento disciplinar ao Exmo. Senhor Juiz de Direito, Dr. Ivo Nelson de Caires Batista Rosa”.

De acordo com o comunicado do CSM, o processo disciplinar vai apurar se ocorreram factos que “poderão configurar responsabilidade disciplinar pela infração do dever de obediência à Constituição e à lei (…)” e pela “infração consubstanciada na interferência ilegítima na atividade jurisdicional de outro magistrado”.

O Conselho informa que foi “ordenada” a “notificação” da abertura do processo a Ivo Rosa mas não esclarece se a notificação foi concretizada.

O caso contra de Ivo Rosa

O processo disciplinar contra Ivo Rosa nasce de um acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa relacionado com várias decisões do juiz de instrução criminal em 2021 num processo relacionado com Isabel dos Santos. Está em causa um levantamento do arresto dos saldos de montante muito significativo de duas contas bancárias da sociedade Odkas – Consultoria Económica e Marketing, SA, sediada na Zona Franca da Madeira. A sociedade pertence formalmente a Mário Leite da Silva, um dos principais arguidos do Luanda Leaks, mas a verdadeira dona será Isabel dos Santos.

Tudo começa quando o próprio Ivo Rosa concorda e valida o arresto determinado pelo MP dos saldos das duas contas da Odkas no BCP e no Eurobic. Mais tarde, a defesa de Mário Leite da Silva contesta a decisão e apresenta testemunhas. Ivo ouve as testemunhas, concorda com a defesa e ordena a reversão da sua própria decisão. E de imediato dá ordem aos bancos para libertarem os saldos bancários.

Pormenor muito importante: Ivo Rosa emite a ordem a 14 de julho de 2021 para que Leite da Silva possa usar os fundos como entender mas só notifica o MP a 16 de julho de 2021. E o juiz foi de férias.

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Já com Carlos Alexandre como juiz de turno durante o verão, o MP solicita que o recurso tenha efeito suspensivo, que tenha carácter urgente e que os bancos sejam notificados disso mesmo para que as contas continuem apreendidas até a Relação de Lisboa decidir. Carlos Alexandre concorda com o MP. O pior acontece quando Ivo Rosa regressa em setembro ao trabalho, anula todas as decisões de Alexandre e ordena o levantamento dos arrestos.

Os desembargadores Calheiros da Gama e Abrunhosa de Carvalho consideram que o juiz Ivo Rosa “violou o caso julgado formal” devido “ao princípio do esgotamento do poder jurisdicional” ao anular as decisões de um colega que tem o mesmo estatuto hierárquico que o seu.

Ou seja, Ivo Rosa foi duramente censurado pelos desembargadores por se impor como um verdadeiro tribunal de recurso, tendo, dessa forma, usurpado as funções e as competências do Tribunal da Relação de Lisboa.

Um segundo acórdão da Relação de Lisboa deve ser junto ao processo disciplinar

Já depois da decisão de abrir o processo disciplinar por parte do CSM, o Tribunal da Relação de Lisboa voltou a revogar uma decisão de Ivo Rosa que também tem a ver com a libertação de contas bancárias apreendidas. Desta vez, o caso é de Maria João Salgado, mulher de Ricardo Salgado, e estão em causa cerca mais de 700 mil euros que foram apreendidos à ordem dos autos do caso Universo Espírito Santo.

Uma vez mais, Ivo Rosa pegou nos autos e anulou uma decisão anterior do seu colega Carlos Alexandre de 15 de outubro de 2021 que manteve o arresto do saldo da conta de Maria João Salgado. A defesa do casal Salgado apresentou uma reclamação junto de Ivo Rosa quando este já tinha aberto formalmente a fase de instrução criminal do caso e o juiz anulou a 10 de dezembro de 2021 a apreensão do saldo da conta de Maria João Salgado.

Conselho Superior da Magistratura não abre inquérito disciplinar a Ivo Rosa

Os desembargadoras Vieira Lamún e Artur Vargues censuram duramente esta decisão de Ivo Rosa. “O sr. JIC recorrido [Ivo Rosa] (…) assumiu o papel de instância de recurso que não lhe cabe, pronunciando-se sobre o mérito da decisão impugnada proferida pelo colega que o antecedeu na titularidade do processo, quando as questões suscitadas pela parte vencida nessa decisão deviam ser apreciadas pelo tribunal superior”, lê-se no acórdão datado de 8 de março de 2022.

Refira-se que, apesar da decisão de Ivo Rosa, a própria defesa de Maria João Salgado veio a interpor o respetivo recurso no Tribunal da Relação de Lisboa. Já os desembargadores Vieira Lamún e Artur Vargues acordaram “revogar o despacho” de Ivo Rosa, declarando-o “inexistente”.

É provável que este segundo acórdão da Relação de Lisboa venha a ser junto ao processo disciplinar que o CSM abriu contra Ivo Rosa.

Leia o comunicado do CSM na íntegra:

A propósito das notícias ontem divulgadas na edição online do Expresso e do Observador, o Conselho Superior da Magistratura informa:

– Na sessão da Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares do Conselho Permanente Ordinário do CSM, ocorrida em 24 de fevereiro de 2022, foi deliberado por unanimidade dos seus membros instaurar procedimento disciplinar ao Exmo. Senhor Juiz de Direito, Dr. Ivo Nelson de Caires Batista Rosa, para apuramento de factos que poderão configurar responsabilidade disciplinar pela infração do dever de obediência à Constituição e à lei, nos termos do artigo 4.o, n.o 1 do Estatuto dos Magistrados Judiciais e pela infração consubstanciada na interferência ilegítima na atividade jurisdicional de outro magistrado, nos termos do artigo 83.o-H, n.o 1, al. j) do Estatuto dos Magistrados Judiciais.

– Desta decisão foi ordenada a sua notificação ao Senhor Juiz em questão.

– Ao abrigo do disposto no artigo 111.o do Estatuto dos Magistrados Judiciais, que
estabelece a natureza confidencial do procedimento disciplinar, não poderá o CSM
prestar mais informações sobre a matéria.

Data de abertura do processo disciplinar a Ivo Rosa corrigida após a emissão do comunicado do CSM. Artigo atualizado às 12h20m