A comissão criada pelo Conselho Pedagógico da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa recebeu 50 denúncias de assédio moral e sexual, mas a direção desta instituição não pode abrir processos disciplinares aos docentes em causa. Por este motivo, a Faculdade de Direito pondera enviar as cinco páginas do relatório que incluiu 31 docentes para o Ministério Público, adiantou Paula Vaz Freire, diretora desta faculdade, ao Observador.
Durante uma semana e meia, os alunos puderam submeter as respetivas denúncias através da plataforma Google Forms, que garantia o anonimato. E este anonimato é precisamente o que impede a instituição de ensino de avançar com investigações internas. “A factualidade em causa implica sempre que a prova passe pela demonstração de uma relação entre A e B. As denúncias permitem aferir alguns indícios, mas não nos servem, enquanto direção, para movermos os adequados procedimentos“, explicou Paula Vaz Freire.
50 queixas de assédio moral e sexual na Faculdade Direito da Universidade de Lisboa
Neste momento, a decisão de avançar para o Ministério Público está a ser discutida e, sublinha a diretora desta faculdade, “há um dever dos titulares de cargos públicos, em que quando existem indícios da prática de um crime, devem denunciá-lo”.
O canal de denúncias aberto pela comissão do Conselho Pedagógico serviu então para produzir um relatório, que traduziu as queixas dos alunos em números e avançou com cinco propostas: elaboração de um código de conduta, de um manual de boas práticas pedagógicas, revisão do regulamento de queixas pedagógicas, revisão do regulamento de avaliação dos docentes e envio do referido relatório à diretora.
O sumário das denúncias foi, de facto, enviado à direção da Faculdade de Direito, mas o relatório não refere os nomes dos docentes. “Nós não temos acesso às queixas, não sabemos os factos que constam das queixas, nem as pessoas visadas. Neste momento, a informação que a direção tem é igual à informação que qualquer outra pessoa tem, porque é a informação que consta no relatório”, explicou.
“Não descarto que, numa instituição com esta dimensão, possam existir situações de assédio”
O canal para submeter denúncias relacionadas com assédio surgiu depois de os alunos que fazem parte do Conselho Pedagógico alertarem para a existência de casos semelhantes e até mais antigos. Aliás, ainda esta semana, Marcelo Rebelo de Sousa falou sobre esta questão e admitiu ter tido conhecimento de “casos de indisciplina ou de problemas”, ainda que “poucos”.
Um dos casos que foi recentemente denunciado envolve o professor Guilherme Waldemar D’Oliveira Martins. Este foi, aliás, o único inquérito disciplinar aberto pela universidade por assédio, que terminou com um pedido de desculpas formal.
E foi também o único caso que Paula Vaz Freire teve conhecimento, enquanto diretora. No entanto, e apesar de admitir que nunca teve conhecimento de situações específicas, envolvendo docentes específicos, a diretora da Faculdade de Direito de Lisboa diz ter consciência de que estes casos possam existir.
Não descarto que, numa instituição com esta dimensão, possam existir situações de assédio. Naturalmente não descarto, de todo, que isso exista.”
Faculdade cria e-mail para que denúncias não sejam feitas de forma anónima
Ainda durante a recolha de denúncias anónimas, a Faculdade de Direito criou um e-mail para que as queixas sejam apresentadas formalmente, com identificação da vítima. Desde 18 de março, dia em que o endereço foi criado, foi recebida uma queixa. Segundo a direção, esta denúncia é recente e ainda está a ser analisada.
As queixas enviadas para este e-mail têm então de ser “devidamente circunstanciadas, com aspetos relativos à prova e identificação das pessoas envolvidas para nos dar, de facto, matéria para que possamos agir em conformidade”.
A par da criação do e-mail para denúncias, será também criado um gabinete de apoio a vítimas de assédio. Ainda em fase de preparação, o gabinete deverá estar em funcionamento em maio, avançou também Paula Vaz Freire. A Ordem dos Advogados nomeou Rogério Alves para prestar apoio jurídico, para ajudar os alunos a perceber se “estão perante uma factualidade com relevância e em que termos é que a queixa deve ser formulada”, explicou.
A Faculdade de Direito anunciou que terá também o apoio da Ordem dos Psicólogos e, neste contexto, vai recorrer à bolsa de especialistas existentes nesta Ordem para que os alunos possam ser acompanhados.