Desde o início da guerra na Ucrânia e até às 13h desta quinta-feira, foram 28.780 os cidadãos ucranianos ou estrangeiros residentes naquele país, 10.162 deles menores, a preencher o formulário do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras que dá acesso ao regime de proteção temporária implementado pelo Governo, disse fonte do SEF ao Observador. Desses, 11.387, cerca de 40% do total, já receberam o documento com o QR Code onde estão impressos números de Identificação Fiscal, do Serviço Nacional de Saúde e da Segurança Social.

Também de acordo com o SEF, o processo, agora automatizado a partir do formulário online criado para o efeito, está a ser completado, em média, em 12 dias úteis.

Não é o caso de Larissa e do filho David, de 17 anos, que chegaram a Lisboa e à casa da família que os acolheu a 14 de março, uma segunda-feira à noite, e na manhã do dia seguinte foram imediatamente tratar de se legalizar num dos balcões do SEF em Lisboa — 23 dias depois, 17 deles úteis, continuam à espera e sem qualquer informação adicional sobre o processo.

Apesar de, para já, continuarem alojados em casa da família que os recebeu e de não existir qualquer pressão para que de lá saiam, contam com a emissão do documento o mais rapidamente possível, a mãe para poder trabalhar, o filho para poder frequentar a escola.

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Larissa, que em Kharkhiv era professora, já tem inclusivamente um emprego assegurado, como auxiliar de infância, explica Rosa Amado que, juntamente com o marido e os quatro filhos, acolheu mãe e filho em Lisboa, mas legalmente continua a não poder trabalhar. “Estas pessoas não querem viver de caridade, querem trabalhar. Às vezes vão a uma loja social — que não é do Estado — e trazem massa e ou arroz, e é uma alegria imensa poderem contribuir para a casa”, diz ao Observador, lamentando a falta de ajuda por parte do Governo não apenas aos ucranianos que procuraram refúgio em Portugal mas também às famílias que os acolheram a expensas próprias.

Famílias queixam-se de falta de apoios por parte do Estado

No grupo que criou no WhatsApp, e que conta já com cerca de 90 pessoas que também acolheram refugiados vindos da Ucrânia nas suas casas, Rosa Amado diz que os temas são recorrentes: as burocracias e as idas ao SEF e documentos que não chegam. Se nos casos de Larissa e David a situação não é assim tão grave, porque contam com a ajuda da família Amado, diz, para outros refugiados pode não ser assim. “Mesmo que sejam duas semanas à espera para receber os documentos, só depois disso é que podem pedir o Rendimento Social de Inserção, que também não é imediato. Portanto vivem um mês debaixo da ponte? E depois, se por acaso conseguirem arranjar trabalho, vão trabalhar com a roupa que trouxeram no corpo?”, questiona. “Estas pessoas estão desacompanhadas. Ou são as famílias a tratar de tudo ou não acontece nada. E mesmo para as famílias não há informação. Para estas crianças irem para a escola vão precisar de uma morada — damos a nossa? Para abrirem uma conta no banco, para poderem receber, quando tiverem trabalho, é a mesma coisa. O que fazemos?”

Por coincidência, Maria, de 60 anos, a filha Zoriana, de 31, e os netos Verónica, de 8, e Vladislau, de 3, também se inscreveram no SEF a 15 de março — e também continuam sem ter a situação regularizada. A viver no T2 anexo à casa de Rita Roquette, no Banzão, em Colares, tiveram este fim de semana de ir às urgências do Hospital D. Estefânia, em Lisboa. Vladislau, com uma otite, não deixou de ser visto por um médico por não ter ainda número do SNS, conta Rita Roquette ao Observador, mas talvez tenha tido de esperar mais por isso: “Apesar de estarem poucas crianças, esteve lá seis horas, cheio de febre e mal-estar”.

Chegada a Portugal vinda de Lviv a 11 de março, a família inscreveu-se no SEF quatro dias mais tarde, com o auxílio de uma amiga ucraniana, que a acolheu, e está em casa da portuguesa, viúva, de 61 anos, desde dia 22 do mesmo mês. “Não temos ajuda nenhuma”, queixa-se Rita Roquette, que começou por dizer a Maria e Zoriana que até junho teriam alojamento, contas e alimentação garantida, mas que começa a duvidar de que o prazo seja exequível. “Era preciso haver uma ajuda concertada a nível das autarquias para ver onde é que estas pessoas podem morar, com uma renda acessível; onde é que podem trabalhar… Não podem pedir às famílias que o alojamento se prolongue sine die”, diz, apontando o dedo às autoridades. “Quem se chegou à frente para ajudar foi a Paróquia de Colares, que conseguiu imediatamente pôr as crianças no colégio da paróquia, vai a carrinha levá-los e buscá-los e ainda levam uma refeição para a família inteira uma vez por dia.”

Como Rosa Amado, também ela tem relatos de outras famílias que abrigaram pessoas fugidas da guerra na Ucrânia e que se debatem com as mesmas dificuldades. “Reuni-me com um casal, na casa dos 40 anos, com 3 filhos, que também acolheram na sua casa em Colares, uma família de refugiados ucranianos, um casal e dois filhos. Enfrentam os mesmos problemas. Apesar de a família que acolheram ter chegado logo nos primeiros dias de guerra, continuam à espera de receberem os documentos que lhes permitiriam aceder aos ‘benefícios’ criados ou anunciados pelo Estado.”

Processo é automático, em análise estão menos de 50 requerimentos

Como o processo é feito online e já dispensa a presença física dos requerentes nos balcões do SEF — a não ser nos casos de menores de 18 anos, explica o SEF ao Observador —, tudo leva a crer que possa ser acelerado no futuro. Assim que os pedidos dão entrada na plataforma, é automaticamente feita uma busca por potenciais alertas, que tanto podem dizer respeito a mandados de detenção por parte da Interpol, por exemplo, como a falhas de documentação.

Uma vez confirmado que o requerente tem “a ficha limpa”, o processo segue para Autoridade Tributária, Segurança Social e Serviço Nacional de Saúde, para que possam ser atribuídos números a estas pessoas, que durante um ano, com possibilidade de duas prorrogações, de 6 meses cada, vão ter direito ao estatuto de proteção criado pelo Estado. Quando surge algum alerta, os processos ficam pendentes — neste momento, são menos de 50 os requerimentos “em análise”, diz o SEF.

Já nos casos das crianças, estão a ser avaliadas as condições em que os menores se encontram, bem como as capacidades dos adultos que os têm a cargo, mas não está a ser feita qualquer recolha de dados biométricos — que, por lei, é inclusivamente proibida abaixo dos 12 anos, explica a mesma fonte.

No que diz respeito às ofertas de trabalho disponíveis, disse fonte do Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social (MTSSS) ao Observador, esta quarta-feira às 8h eram 27.151 as vagas existentes, 4.261 as pessoas inscritas no Instituto do Emprego e da Formação Profissional para serem colocadas — e apenas 359 os contratos de trabalho assinados. “Existe uma enorme diversidade de profissões pretendidas, sendo que os principais setores com ofertas de emprego colocadas são tecnologias de informação, turismo e restauração, construção civil, setor social e transportes”, detalhou a mesma fonte. “Em termos de profissões, são pedidos programadores e profissionais do setor da restauração, hotelaria e construção civil.”

Já a aprender português, nos cursos do IEFP, contabilizou ainda o MTSSS, há neste momento 2.880 cidadãos ucranianos.