Ainda as equipas não tinham feito aquecimento no campo do Estádio da Luz e Edgar Gonçalves já estava a suar atrás do balcão do Café Piolho, na baixa do Porto. Proprietário há mais de quatro décadas deste estabelecimento histórico, serve a grande velocidade cervejas geladas, pratos de tremoços, salgados e francesinhas nas mesas de uma esplanada especialmente concorrida.
“Não há mesas e cadeiras para todos, mas pus uma televisão cá fora como faço sempre em jogos especiais e este é, sem dúvida, um deles”. Edgar é benfiquista, mas confessa que será mais benéfico para o negócio se o FC Porto se sagrar campeão. “Espero que o Benfica ganhe, mas também pode ser goleado. Quero é que seja um bom jogo e que tudo corra bem.”
Ouve-se o apito inicial e a concentração, o nervosismo e o silêncio reinam na esplanada do Piolho, onde muitos jovens sentam-se no chão entre bandeiras e cachecóis azuis e brancos numa tarde de verão. Ao intervalo o jogo ainda ia morno e muitos já faziam planos para o futuro. “Já podíamos ter marcado um golo, acho que vai ficar 1-0 e gostava que fosse o Otávio a marcar”, confessa Beatriz, sentada numa mesa entre amigos. “No fim descemos até aos Aliados, ainda não sei se vou à queima, ainda estou a recuperar da noite de ontem, aliás vê-se, ando a combinar água com o fino”. Ao lado está Sérgio, que apesar de confiante não deixa de criticar a arbitragem. “Não gosto muito do árbitro já cometeu um ou dois erros, vamos ver como corre a segunda parte”.
As palmas e os cânticos de incentivo à equipa começavam a ouvir-se, mas silenciaram-se repentinamente quando o Benfica marcou na baliza de Diogo Costa. “Não acredito”, grita Diana com as mãos na cabeça. Após uns segundos de incerteza e suspense, eis que o árbitro anula o golo e muitos levantam-se quase em jeito de vitória. “Kelvin, Kelvin”, gritavam alguns na reta final e eis que aos 94 minutos de jogo acontece um verdadeiro banho de cerveja com o golo de Zaidu. De pé nas cadeiras e de cachecóis no ar, muitos cantavam o hino do Porto e já não tinham dúvidas: “O campeão voltou”.
O sol ainda não se tinha posto e a poucos metros do Café Piolho, na Avenida dos Aliados, as bandeiras e o fumo dos petardos já se viam de longe. As buzinas dos carros ajudavam a uma festa que estava apenas a começar. Álvaro sentou-se estrategicamente num dos pilares de cimento que rodeiam o perímetro das obras da Metro do Porto para ver melhor o ajuntamento. Nasceu junto ao rio Douro, é portista desde que se lembra e recorda, já rouco, a primeira vitória de um campeonato no Estádio da Luz. “Já vivi de tudo, estive no estádio no golo do Kelvin, vi o apagão na Luz, mas hoje não pude ir. No próximo fim de semana estarei no Dragão a celebrar, estamos a voltar à normalidade e o normal é o Porto ser campeão.”
Vestido a rigor, o adepto ferrenho não esconde a alegria que é voltar à rua dois anos depois, sem máscara, para apoiar a equipa azul e branca. “Depois de uma pandemia e de no último Campeonato não poder festejar nem ir ao estádio, é uma alegria enorme estar na avenida. Tenho saudades de ver a equipa no varandim da câmara, espero que este ano aconteça, todos temos boas memórias desse momento”. Álvaro viu o jogo numa coletividade e garante ter mantido a confiança até ao último minuto. “Se eles marcassem naquele fora de jogo, o FC Porto ia marcar dois a seguir. Esta equipa já provou que dá sempre a volta ao resultado e a nossa confiança é uma coisa inabalável e é para levar até ao fim. Como diz o outro senhor: são 40 anos disto”.
A cada minuto que passava chegava mais gente aquela que é a avenida principal da cidade, para Eduarda o “segundo salão de festas” portista. “Temos os Aliados e depois temos o Estádio da Luz, já estamos habituados a festejar lá”, diz com a filha Carolina, de quatro anos, às cavalitas. “Ganhar é bom, mas lá tem sempre um sabor especial, por um lado ainda bem que não ganhámos em Braga”.
Ouviam-se vuvuzelas, fogo de artifício e cânticos de homenagem a Pinto da Costa e a Sérgio Conceição, quando Luís tirou o telemóvel do bolso para registar a noite de celebração com os filhos. “O FC Porto é muito mais do que um clube, é uma região, uma forma de ser e de estar na vida, todas as vitórias são boas. Lembro-me de estar aqui em 2018 no primeiro campeonato do Conceição, há dois anos não consegui festejar a sério na rua por isso é muito bom voltar a estar aqui no meio desta gente toda, é uma alegria acrescida”.
No próximo fim de semana, o adepto portista já sabe exatamente onde vai estar. “Tenho lugar anual, por isso vou ver o jogo ao estádio do Dragão e depois gostava que a equipa fosse recebida na Câmara do Porto pelo Rui Moreira, se não for para a semana que seja daqui a 15 dias na dobradinha com a Taça”.
Entre a multidão, que já saltava abraçada e cantar “campeões, campeões, nós somos campeões”, viam-se famílias inteiras vestidas a rigor e se uns empurravam no passeio carrinhos de bebé, outros batiam palmas às cavalitas dos pais. É o caso de Alexandre que aos 11 anos viu pela primeira vez a Avenida dos Aliados pintada de azul e branco. “Nunca tinha celebrado aqui, estou a gostar muito, é um orgulho muito grande ser deste clube. O nosso principal rival perdeu em casa e isso é fantástico”.
Exatamente com a mesma idade, Afonso desceu dos ombros do pai para beber água e, ainda que o desfecho fosse quase certo, admite ter sofrido a ver o jogo em casa com a família. “Somos lutadores, sempre merecemos ganhar. Nunca tinha vindo a esta praça festejar, espero poder voltar na próxima semana e que não chova”.
Vendiam-se cachecóis, cachorros quentes e muita cerveja gelada numa avenida fechada ao trânsito, onde os adeptos continuavam a chegar por todas as artérias, e do Túnel de Ceuta já se via a bandeira XXL com o símbolo do Futebol Clube Porto que Tiago abanava lentamente com as mãos. “Foi uma vitória sofrida, os nossos jogos têm sido complicados, o Porto tem facilitado algumas vezes, mas temos muito mérito pela garra e pelo nosso espírito de equipa. Isto é sempre contra tudo e contra todos.”
Regressar à rua e de bandeira em punho quatro anos depois é sinal de satisfação e mesmo sem máscara no rosto Tiago não esquece que a pandemia ainda não terminou. “Isto é voltar ao normal, mas também tenho receio porque a pandemia não acabou. Claro que as notícias já não são tão chocantes, mas temos de ter cuidado, se bem que aqui é quase impossível. A emoção fala sempre mais alto nestas alturas.”
No meio de um mar azul e branco, eis que Rodrigo desce os Aliados trajado, com a bengala numa mão, um copo de cerveja na outra e um cachecol do Futebol Clube do Porto preso na cartola castanha. “Sou finalista de engenharia, mas antes de ir à queima tive que passar por aqui. Já estávamos à espera disto há algum tempo, resta-nos festejar, este ano é nosso.”
Terminar a semana académica com uma vitória no campeonato é para o finalista “a cereja no topo do bolo”. “Ainda por cima foi o Zaidu a marcar, ele que toda a gente chamava de patinho feio, isto foi mesmo uma chapada de luva branca.” Numa avenida sem desacatos, mas já muito vigiada pela polícia, Rodrigo não tem dúvidas de que se respira liberdade: “Há uma sensação de liberdade e isso combina com esta alegria. Sentir esta vitória sem máscaras e com este calor humano é mesmo especial”.