O empresário Joe Berardo lançou uma ação em tribunal contra os bancos Millennium BCP, Caixa Geral de Depósitos, BES e Novo Banco, acusando estas instituições financeiras de terem lesado a Fundação Berardo e a sua gestora Metalgest. Ao todo, o empresário pede uma indemnização de 900 milhões de euros, o que inclui 100 milhões por danos morais.
A notícia é avançada esta terça-feira pelo Diário de Notícias, que refere a ação que já foi registada no portal Citius e a que Observador também já teve acesso na íntegra. Na queixa, Joe Berardo diz ter sido enganado pelos bancos citados, nomeadamente “acerca das circunstâncias relativas à situação interna dos bancos – especialmente o BCP – e do sistema financeiro português, em que a Fundação contraiu empréstimos para a aquisição de participação qualificada no BCP”.
Em 2006, o Presidente do Conselho de Administração da FJB e da Metalgest, o Comendador José Berardo, foi convidado por vários membros do Conselho de Administração Executivo do BCP, entre os quais o Presidente do Conselho de Administração Executivo, Dr. Paulo Teixeira Pinto, e os Vice-Presidentes Dr. Filipe Pinhal e Dr. Alípio Dias, a tomar uma posição acionista relevante no BCP, reforçando as participações da FJB e da MTG, com financiamento das aquisições a 100% pelo BCP, garantido apenas com penhor das próprias ações BCP”, pode ler-se na queixa.
“Esses referidos administradores frisavam a enorme solidez financeira do BCP e que o mesmo tinha condições para reforçar a sua posição de liderança no sistema financeiro português, não só por crescimento orgânico, como também por incorporação de outras instituições financeiras, em termos tais que passaria a ser indiscutível a sua primazia destacada entre todas as instituições de crédito a operar em Portugal”, acrescenta a ação que diz mesmo que Joe Berardo “aceitou a referida proposta-convite/aliciamento de membros do Conselho de Administração do BCP, os quais deliberadamente omitiram a verdadeira situação do BCP, que as contas públicas deste também não evidenciavam, e os enormes riscos do investimento que pretendiam que JB fizesse”.
Berardo lamenta que “essa aparência, propalada como realidade, veio a revelar-se uma das mais trágicas falácias em que foram enganados os investidores e, presume-se, as autoridades de supervisão, com graves consequências dessa falsa informação prestada ao mercado e aos clientes, quer para estes últimos, quer, como é hoje público e notório, para todos os contribuintes”.
Em linha com a argumentação que fez na audição parlamentar de 10 de maio de 2019, Berardo também culpa os bancos por terem deixado que as ações empenhadas como garantia dos empréstimos perderem valor e nunca tenham cumprido aquilo que, na sua opinião, deviam ter feito: exigir “a obrigação de as executar na altura devida”, antes de as perdas se terem aprofundado ainda mais.
Também critica o que diz ser a “grande promiscuidade” nas relações entre os bancos. Berardo foi financiado pelo BCP, BES (agora Novo Banco) e CGD. “Eram assim de grande promiscuidade as relações entre os bancos, que tinham perfeito conhecimento recíproco das respetivas situações internas e debilidades, incluindo as da CGD, que se queria ver livre da participação qualificada no BCP que tinha adquirido num concorrente direto, contra as regras básicas do Direito da Concorrência, para viabilizar o plano político do governo Guterres, de demonstrar ao Banco Santander que Portugal não era uma ‘república das bananas’”.
E diz ainda que se sentia respaldado pelo Banco de Portugal, cuja atuação é atacada por Berardo. “A racionalidade da decisão de adquirir a participação estratégica qualificada no capital do BCP era ainda reforçada pelo juízo do Banco de Portugal de que a aquisição da participação exclusivamente com financiamento bancário cumpria os requisitos legais e prudenciais de que dependia a sua não-oposição”, argumenta na ação, na qual acrescenta que a situação, afinal, não era “a que os bancos davam a entender e a situação do sistema financeiro também não correspondia ao que o Banco de Portugal relatava”.
A compensação por danos morais está relacionada com o que diz ter sido a “denegrição pública da imagem de Berardo como empresário e como pessoa, agressão dolosa à sua personalidade e a toda a sua obra de enorme alcance económico, cultural e social e consequente indescritível sofrimento e profunda depressão, com reflexos de dramático agravamento do seu processo de envelhecimento físico e mental”.
Berardo diz-se vítima “uma verdadeira subversão da realidade, manipulada pelos bancos, ao serviço da sua desresponsabilização e em conluio com o Estado, ao serviço da ilegítima pretensão de apropriação da Coleção Berardo”, sendo descrito na ação como tendo dedicado 20 anos da sua vida “a tentar melhorar a educação, a saúde e, de uma forma muito marcante e singular da sociedade portuguesa, a educação cultural das futuras gerações”, um esforço “totalmente ignorado na sociedade portuguesa, em resultado da campanha orquestrada”, nomeadamente pelos bancos que “conseguiram, com a sua atuação, fabricar uma imagem de Joe Berardo como alguém, pasme-se, que provocou danos superiores a mil milhões de euros ao sistema financeiro português e, mais ainda, como o principal responsável por quase todos os custos que os portugueses suportaram com os demandos” dos bancos.
Na ação garante-se que Berardo tentou sempre chegar a acordo para pagar as suas dívidas. Já terá feito o pagamento de 230 milhões “e pretende concluir a negociação com os bancos para pagar tudo o efetivamente devido, sem a desconsideração das responsabilidades dos bancos e dos custos que as mesmas para eles devem importar à luz do direito, da moral e dos bons costumes”.
Além de serem acusados de enganar o investidor madeirense no valor das participações a adquirir, nomeadamente no BCP, Berardo acusa os bancos de interesse próprio na execução dos contratos de financiamento e de arrestos inapropriados. Não deixa também de atacar o Governo por tentar, diz, apoderar-se da Coleção Berardo.
“O próprio governo, com o maior despudor e certamente em entendimento com os bancos, assume como certo e seguro que a Coleção Berardo, arrestada, está nas mãos dos bancos, com os quais trata de arquitetar a respetiva apropriação”, catalogando de “ataque” pelo governo “à titularidade da Coleção Berardo, que está dada em comodato ao Estado, que o Estado não quis comprar pelo justo valor e de que procura agora apropriar-se em conluio com os bancos, não pode deixar de ferir profundamente Joe Berardo, como autor da Coleção”.
A lista de testemunhas requerida
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Na ação são arroladas várias testemunhas, além dos representantes legais do BCP — “a prestar pelo presidente Miguel Maya”, BES, Novo Banco — “na pessoa do seu presidente António Ramalho” e CGD – “na pessoa do seu presidente Paulo Macedo”.
Além destes responsáveis pede-se a inquirição de:
- Bernardo Pinto de Almeida, da Faculdade de Belas Artes do Porto;
- Carlos Santos Ferreira, ex-BCP;
- Alípio Dias, ex-BCP;
- André Luiz Gomes, advogado
- Graça Fonseca, ex-ministra
- Fernando Faria de Oliveira, Ex-CGD;
- Jorge Tomé, ex-CGD;
- Bernardo Espírito Santo, ex-BES;
- Sofia Chaves Catarino, que trabalhou com Berardo;
- Pedro Bernardes, do Museu Coleção Berardo;
- Vítor Constâncio, ex-Banco de Portugal;
- Pedro Duarte Neves, ex-Banco de Portugal;
- Duarte Pitta Ferraz, Nova School of Business;
- Paulo Teixeira Pinto, ex-BCP;
- José Fino, da Investifino;
- João Costa Pinto, ex-Banco de Portugal;
- Ângela Ferreira, ex-secretária de Estado;
- Vasco Fraga;
- Bernardo Moniz da Maia;
- Rafael Mora;
- Francisco Marques Pereira;
- Diogo Vaz Guedes;
- Armando Vara;
- Norberto Rosa;
- Luís Champalimaud;
- Filipe Pinhal;
- Cecília Meireles;
- Carlos COsta;
- Pedro Siva Vieira;
- Mário Centeno;
- Luís Patrão;
- António Costa
Os advogados patrocinadores da ação falam mesmo de “perseguição” a Berardo “feita por um Governo de uma República que no mínimo devia ser grata a Joe Berardo”, o que lhe causa “imenso sofrimento emocional, do qual certamente não será ressarcido ainda em vida, pois infelizmente já tem uma idade avançada e acompanhada de uma saúde que se deteriorou de forma aguda pela perseguição inqualificável a que tem sido sujeito com os propósitos acima estigmatizados”.