Medina começou e Medina terminou. Naquela que foi a última audição dos membros do Governo no âmbito da apreciação na especialidade do Orçamento do Estado para 2022, o ministro das Finanças voltou a rejeitar, tal como a 26 de abril, que este seja um orçamento de austeridade. E voltou a insistir que o Governo está a dar a resposta correta para mitigar os efeitos da inflação. Será o comportamento dos preços no segundo semestre a ditar se poderá haver mudanças nas previsões, e na resposta.

O tema da inflação foi transversal a várias intervenções, desde logo pela parte do PSD. Joaquim Miranda Sarmento apresentou contas dos social-democratas segundo as quais, mesmo que a inflação aumente 0,5 pontos ao mês até ao final do ano, o indicador vai ficar em 7,3% no total do ano. E perguntou ao ministro das Finanças se mantém a estimativa de 3,7% do índice de preços de consumidor para 2022.

Medina voltou a dizer que se vive um “tempo de incerteza”. “Estamos neste contexto de incerteza relativamente ao andamento da inflação”, começou por dizer o ministro, sublinhando que as projeções do Governo estão praticamente em linha com as do Conselho das Finanças Públicas — que já admitiu que estejam desatualizadas — e do Banco de Portugal, feitas em março. Por isso, acrescentou: “Veremos”.

“Creio que a questão fundamental quando ao andamento da inflação é se nos encontraremos numa situação no topo relativamente ao aumento e a partir daqui há uma estabilização ou se o processo vai ser mais lento”, acrescentou. A garantia que deixa é que, consoante seja um ou outro cenário, essa evolução “vai influenciar a política económica do segundo semestre”.

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“Não é um orçamento de austeridade”

Nas três vezes foi feita a pergunta, três vezes foi dada a mesma resposta pelo ministro das Finanças. “Não há qualquer tipo de austeridade no Orçamento do Estado para 2022”. A questão foi colocada, e repetida, por André Ventura, do Chega.  A pergunta não era nova. A resposta de Medina também não.

Medina: “Em nenhum dicionário este é um Orçamento de austeridade”

“Depois de mais um comício do PS, vamos às perguntas que interessam”, arrancou André Ventura. Dois terços dos trabalhadores estão a perder poder de compra, capacidade de consumo e de poupança. Já 96% dos pensionistas perderam rendimentos. Mesmo as pensões mínimas perderam rendimentos. Estamos ou não perante uma certa austeridade?”.

Medina afirmou que o Governo “nunca negou nem pretendeu iludir ou minimizar a leitura e as consequências da situação que estamos a viver”, e que para mitigar essa situação foram adotadas medidas. “Tomámos medidas para mitigar a subida dos preços, proteger os rendimentos e o poder de compra de vastos setores da sociedade. Não pode ignorar o forte investimento em minorar o aumento do preço dos combustíveis, que tem um efeito transversal na economia portuguesa”.

O ministro lembrou ainda medidas como o desdobramento de escalões do IRS, da revisão do mínimo de existência, do aumento do salário mínimo e do aumento das pensões. “As políticas não cobrem em absoluto todas as necessidades. Concordo. As necessidades são muitas. Procuramos responder da forma mais efeitva aos públicos mais vulneráveis. O OE tem uma preocupação com o futuro. É esse futuro que temos obrigação de defender”, realçou o ministro.

André Ventura voltou à carga, e acusou o ministro de promover uma “austeridade indireta” por via, por exemplo, da fiscalidade verde. “A partir de junho atualizam-se mais de 600 taxas ambientais sobre as empresas”, sublinhou o deputado, lembrando a taxa de 30 cêntimos sobre as embalagens de plástico que vai entrar em vigor em junho.

Medina voltou a rejeitar a existência de austeridade no OE, e asusmiu até “dificuldade em entender a razoabilidade da pergunta”, lembrando que o Governo foi acusado pelo PSD de ter um OE “expansionista”.

“Não sou capaz de reconhecer o que não existe. Não é um OE de austeridade”, vincou.

“Este é o OE que deve ser. Baixa o IRS, baixa o IRS dos jovens, aumenta pensões, apoia a redução de preços dos combustíveis, aumenta  a despesa do SNS em 700 milhões de euros, aumenta a despesa com educação em 900 milhões com o plano de recuperação de aprendizagens. Não há nenhum imposto que suba, com a exceção do imposto selo sobre o crédito ao consumo”, alegou Medina, referindo que o OE não aumenta impostos, “pelo contrário”. Medina argumentou ainda que o OE também não é “irresponsável”, por não prever défices de 3%, 4% ou 5%, nas vésperas de um aumento dos juros.

André Ventura ainda comparou Medina ao ministro iraquiano da defesa, “porque todos sabem que há austeridade menos o minstro das Finanças”.

Baixar IRS nos primeiros 5 escalões sem perder receita, “só com um milagre de Fátima”

Baixar o IRS nos cinco primeiros escalões de rendimento e não ter perdas de receita fiscal só mesmo no domínio do milagre. E hoje é dia 13 de maio, dia do milagre. Foi a “brincadeira” de Fernando Medina perante a proposta da Iniciativa Liberal de redução do IRS para uma taxa de 14,5% nos primeiros cinco escalões de rendimento. Durante a discussão da proposta orçamental no Parlamento, Carla Castro argumenta que tal permitiria um alívio fiscal direto, permitindo repor o poder de compra sem perda de receita fiscal e interpelou diretamente o ministro das Finanças:

Aceita reduzir o IRS para uma taxa única para os primeiros 5 escalões de rendimento?
Para o ministro das Finanças, tal só seria possível transferindo impostos para os escalões de cima agravando impostos sobre a classe média. A deputada da IL contrapõe com uma subestimação de receita fiscais. E repete: “Se aceitasse esta medida continuaria a cobrar mais face a 2021 porque as receitas estão subestimadas” devido ao efeito da inflação que faz subir preços e a receita fiscal, alertando ainda para os riscos da queda de rendimento e do consumo.

Medina insiste no tom da resposta. “Não pode ficar com o melhor dos 3 mundos. Baixar impostos para os escalões mais baixos, não diminuir para os outros e por fim preservar a receita. Ninguém acredita. Só mesmo a 13 de maio ou 1 d abril. E detalha as taxas do IRS são marginais. Se as reduz para os primeiros escalões, nos rendimentos mais altos há uma forte perda fiscal.

E lembra que o OE prevê um aumento da receita fiscal de dois mil milhões, mas que vai financiar a mitigação dos efeitos da crise.  Invocando as boas contas dos liberais, a deputada da IL realça que a inflação está desatualizada — 4,5% conta a os mais de 7% atingindo em março.

A inflação e a austeridade “escondida” está a ser um dos temas centrais da discussão da proposta orçamental que se realiza esta sexta-feira com o ministro das Finanças.

Medina rejeita taxar lucros extra da Galp. Imposto daria um milhão de euros

No bate boca com Mariana Mortágua, o debate centrou-se sobre os ganhos extraordinários das empresas de energia, tema que a deputada já tinha abordado na audição desta quinta-feira com o ministro da Economia. “O CEO da Galp diz que está a ter lucros extraordinários. Há um movimento internacional para taxá-los. Porque é que o Governo não taxa os lucros extraordinários da Galp?”, questionou a deputada do BE.

Sobre este tema, Medina defendeu que os modelos de taxação devem ser estudados “com atenção para sermos eficazes em relação às medidas que tomamos”. Mariana Mortágua citou Itália como exemplo, ao que Medina afirmou que este é um caso que “levanta sérias dúvidas”. “A taxação italiana foi contornada no primeiro mês e resultou numa receita estimada de 10 milhões de euros”.  A medida adaptada à realidade portuguesa resultaria numa receita de um milhão de euros, estimou o ministro. “Tenho a certeza que a senhora deputada tentaria ridicularizar a iniciativa do Governo perante uma receita de um milhão de euros. Não contribuo para isso. Não encontra países que estejam a aplicar a medida com eficácia”, sublinhou o ministro das Finanças.

A deputada questionou ainda o ministro sobre a “justiça” do regime dos residentes não habituais, que prevê uma taxa “plana” para estes cidadãos, ao que o Ministro admitiu que o regime está “em avaliação”, e que serão feitas as “alterações necessárias”. “Temos que primar estes regimes por um sentido de justiça e eficácia”, afirmou, sublinhando que “seria um erro pais com a dimensão de Portugal abdicar de um instrumento que é usado por outros países”, e que “se a tributação fosse outra, o número de beneficiários não seria o mesmo”.

Executivo “disponível” para discutir IMI das barragens

Fernando Medina foi ainda questionado pelo PSD sobre a isenção do imposto municipal sobre imóveis (IMI) das barragens e se estaria disponível para resolver a “injustiça”.

“O PSD entende que não faz sentido o estado central arrecadar a receita proveniente do IRS e do IVA e os municípios ficarem sem a sua receita de IMI. Estamos perante uma espécie de isenção originada por quem dela beneficia, o que é caricato”, disse o deputado Artur Soveral de Andrade, acrescentando que os municípios “suportam um elevado esforço financeiro com a manutenção das infraestruturas urbanísticas”.

“O estado quando negoceia concessões pode negociar de maneira a que quem tem os elevados lucros acabe por suportar também o encargo que o Estado pagaria de IMI aos municípios”, defende.

Na resposta, Medina disse que o Governo está “disponível” para discutir a base de incidência da tributação. “Temos disponibilidade para trabalhar, discutir e debater a base de incidência relativamente à tributação”, afirmou, reconhecendo que “não é um tema de solução simples e não está isento de contencioso”.

Medina reconhece que medidas dos combustíveis “abrandam” transição energética

Em resposta à deputada Inês de Sousa Real, do PAN, o ministro das Finanças reconhece que as medidas para mitigar o impacto dos preços dos combustíveis nas famílias “abrandam” a transição energética, mas assegura que não interrompem “o caminho de fundo”.

“Estamos num momento em que há um conjunto de medidas que têm de ser tomadas que, de certa forma, abrandam um caminho relativamente ao processo da transição energética”, começou por dizer, atirando que “não podia ser de outra forma”.

Dá o exemplo do prolongamento do congelamento da taxa de carbono, mas diz que o Governo o faz porque “não interrompe o caminho de fundo”. O Orçamento tem “um dos valores mais altos de investimento público dos últimos anos” relativamente “à parte ambiental”, acrescenta.

Criptomoedas vão ser taxadas

Já no fim, na segunda ronda de perguntas, uma novidade. O Governo está a preparar um modelo para tributar as mais-valias em investimentos em criptomoedas, indicou o ministro das Finanças durante a discussão do Orçamento do Estado esta sexta-feira no Parlamento. Fernando Medina não se quis comprometer com calendários, mas reconheceu que vários países têm sistemas e “nós vamos construir o nosso. Vamos adaptar a nossa tributação para não termos lacunas com mais valias em transação de ativos”. O objetivo é ter uma tributação adequada, mas que não tenha um número tão elevado de exceções que reduza a receita a zero, afirmou.

Governo prepara modelo para taxar mais-valias em criptomoedas, mas não se compromete com data

Fernando Medina respondia a Mariana Mortágua do Bloco de Esquerda, mas vários foram os deputados que levantaram o tema, dado que Portugal tem sido apontado como um “paraíso” para os investidores de criptomoedas por causa do vazio fiscal para os ganhos destas operação. A situação destes ativos, sublinhou ainda o ministro das Finanças, é distinta da aplicação de um imposto sobre os lucros inesperados a empresas de energia como a Galp que estão a lucrar mais com o aumento dos preços.

Também em resposta à insistência de Mariana Mortágua na proposta, Medina diz que não se trata de escarnecer da ideia, mas realça que “não existe, que seja do meu conhecimento, qualquer sistema aplicado em qualquer país que tenha materialidade e relevância. Não estou aqui para discutir na base de sombras e floreados. É preciso saber como agir e com que eficácia”.