Não é a primeira vez que Élisabeth Borne faz história como uma das primeiras mulheres a ocupar cargos políticos de relevância em França. Em fevereiro de 2013, com François Hollande na presidência e Jean-Marc Ayrault como primeiro-ministro, Élisabeth Borne tornou-se a primeira autarca do sexo feminino de sempre na região de Poitou-Charentes (entretanto extinta numa reforma territorial em 2014) e em Vienne.

Nove anos depois, Élisabeth Borne repete a proeza: tornou-se a segunda mulher na liderança do governo de França e a primeira desde que Édith Cresson deixou o cargo, em abril de 1992, depois de onze meses como primeira-ministra. No primeiro discurso que fez ao país após ter tomado posse, Élisabeth Borne dedicou a conquista a “todas as raparigas”: “Nada pode parar a luta pelo lugar da mulher na nossa sociedade”.

A socialista salta assim do comando do Ministério do Trabalho, cuja pasta geriu durante a pandemia de Covid-19, para a liderança de um dos mais poderosos governos do mundo numa outra crise: a guerra na Ucrânia. Élisabeth Borne tem raízes num dos lados da barricada: o pai, Joseph, é judeu e tem origem russa, mas refugiou-se em França em 1939 durante a II Guerra Mundial. Chegou a ser deportado em 1942, mas naturalizou-se francês em 1950.

Joseph Borne casou então com a mãe da nova primeira-ministra francesa, Marguerite, uma farmacêutica do departamento francês de Calvados, na Normandia. O casal geria uma farmacêutica e teve Élisabeth Borne a 18 de abril de 1961 em Paris, no 15º arrondissement (divisão), nas margens do rio Sena. Para Jean Costex, que se demitiu esta segunda-feira, Élisabeth Borne livra-se assim de uma das críticas que mais lhe atingiram: o sotaque sulista, brincou o ex-governante no discurso de boas-vindas à sua sucessora.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A carreira da nova primeira-ministra começou em 1987, no Ministério de Equipamentos, depois de ter passado os primeiros anos da década a estudar engenharia na Escola Politécnica, na Escola Nacional de Pontes e na Faculdade de Engenharia de Paris. No ano em que entrou na direção regional de Equipamentos na Île-de-France (a região capital do país), em 1989, Élisabeth Borne casou com o físico Olivier Allix. O casal divorciou-se mais tarde, mas da união nasceu um filho em 1991: Nathan Allix.

Mas o vasto currículo de Élisabeth Borne contrasta com a vida privada (e mais discreta) da nova primeira-ministra de França. Sabe-se que a morte do pai, quando tinha 11 anos, a marcou profundamente: “Nem sempre foi fácil. Perdi o meu pai muito nova. E acabámos com a minha mãe, que tinha duas filhas e não tinha um ordenado muito bom“, recordou ela num dos mais famosos programas da rádio francesa, Touche Pas à Mon Poste. Élisabeth Borne conseguiu ainda assim continuar a estudar graças a uma bolsa de estudos pública.

A sua família ficou sob proteção social e a primeira-ministra era “Pupila da Nação” — um programa em que o governo francês ajudava os filhos menores de pessoas feridas ou mortas durante uma guerra travada em nome de França, num ataque terrorista ou durante a prestação de alguns serviços públicos. Foi “um verdadeiro alívio”, admitiu ela: encontrou na Escola Politécnica um ensino “tranquilizador” e “racional”. “Permitiu-me seguir uma escola que me abriu muitas portas”, admitiu Élisabeth Borne.

Mais recentemente, chegou a estar internada por causa da Covid-19. Depois de ter desenvolvido os primeiros sintomas da infeção por coronavírus a 14 de março de 2021, Élisabeth Borne acorreu ao hospital três dias depois — intervalo em que esteve a trabalhar — para já não sair: precisou de oxigenação artificial, ficou incapaz de comer e beber e diz que não saiu ilesa da “agonia” causada pelo vírus. A 30 de março de 2021, Élisabeth Borne dizia: “Acho que antes vou precisar de tempo para recuperar a minha condição física”. Um ano mais tarde, assume um dos cargos mais importantes da política francesa.

Élisabeth Borne é a nova primeira-ministra de França, a segunda mulher no cargo

Dos primeiros passos na carreira a govenante em França

Ainda nos anos 90, Élisabeth Borne trabalhou na empresa público-privada Sonacotra (agora chamada Adoma), que alojava trabalhadores migrantes. No início do milénio, foi diretora de estratégia da Companhia Ferroviária Nacional Francesa, diretora de concessões da empresa de construção Eiffage e diretora-geral de planeamento urbano na Câmara de Paris, quando Bertrand Delanoë era presidente do município.

Depois de ela mesma ter liderado uma autarquia, entrou no Ministério da Ecologia como diretora do gabinete de Ségolène Royal — a primeira mulher a chegar à segunda volta das eleições francesas, em que foi derrotada por Nicholas Sarkozy — entre 2014 e 2015. Sai para liderar a Autoridade Autónoma dos Transportes de Paris. Dois anos mais tarde entra finalmente na liderança de pastas governamentais.

O primeiro cargo é o de ministra dos Transportes, sob a presidência de Édouard Philippe. Depois assume o Ministério da Transição Ecológica e Inclusiva, mas ao contrário de Nicolas Hulot e François de Rugy, os seus dois antecessores, não junta à liderança dessa pasta o cargo de ministra do Estado: mantém, isso sim, a pasta dos transportes.

É nesta altura que o jornal  L’Opinion a descreve como “amplamente reconhecida, dentro e fora de suas fileiras, como uma ministra que domina seus arquivos e sabe como levá-los a uma conclusão”, mas também pela “falta de peso político”. Formado o governo de Jean Castex, Élisabeth Borne é então nomeada como ministra do Trabalho, Emprego e Integração.  Foi em julho de 2020. Menos de dois anos depois, chega a liderança do governo sob a presidência de Emmanuel Macron.

Élisabeth Borne, nova primeira-ministra de França, discursa pela primeira vez: “Nada pode parar a luta pelo lugar da mulher na sociedade”

No primeiro discurso à nação no novo cargo, a primeira-ministra dirigiu-se ao homem que vai agora substituir, Jean Castex: “Obrigada pelo seu compromisso inabalável em servir o nosso país. Obrigada pelas suas palavras e obrigada pelas muitas batalhas que travamos juntos”.

“Muitas mulheres e homens franceses, como eu, sentem uma pontada no coração agora que deixa o seu posto. Conquistou os corações dos franceses em todo o país”, considerou a nova primeira-ministra. Élisabeth Borne recordou que tem “muitas diferenças” em relação a Jean Castex, mas também “muito em comum”: “Acreditamos que as políticas públicas devem ser construídas por meio do diálogo”, sobretudo as que estão relacionadas com a ecologia. “Este é todo o sentido do novo método desejado pelo Presidente da República”.

Depois, Élisabeth Borne deixou “um pensamento” à primeira mulher a assumir o cargo de primeira-ministra — Edith Cresson, que governou entre maio de 1991 e abril de 1992. “Gostaria de dedicar esta nomeação a todas as raparigas. Corram atrás dos vossos sonhos“.