“Não me estava a sentir bem durante todo o dia, não sabia se conseguiria acompanhar os da frente. Não sabia se teria pernas. Lutei para não perder muito tempo. Estou contente, porque pude acabar com eles. Foi duro no início da subida, sofri mas foi um bom final. Senti que não estava com as melhores pernas. Foi o que foi, tive de sofrer, meter um ritmo inteligente e aguentar. Todos temos dias maus, não tive assim tão boas pernas, talvez como os outros, mas penso que continuamos todos na corrida.”

Um dia épico de afirmação: João Almeida resiste a todos os ataques no Blockhaus, acaba em quinto e sobe a segundo do Giro

Quem lesse estas declarações e não tivesse visto a nona etapa da Volta a Itália este domingo (e foi algo que aconteceu com muitas pessoas, que depois tiveram de puxar a box para trás) poderia pensar que tinha sido um dia mau para João Almeida e que tinha ficado cortado como aconteceu com outros corredores como o teoricamente favorito Simon Yates, Hugh Carthy, Kelderman ou Ciccone. Afinal, avançando a fita para esta décima tirada depois de um dia de descanso em Pescara, o português não só terminou com o mesmo tempo dos primeiros na subida ao Blockhaus como entrava na segunda semana de competição no segundo lugar da classificação apenas a 12 segundos do camisola rosa, o espanhol Juanpe López. E não estava bem.

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No início chegou a pensar-se que poderia ser uma espécie de bluff ou uma tentativa de passar a pressão para outros lados (até porque antes da partida em Isernia tinha apontado para as equipas que estavam em melhores condições e mais fortes, como a Ineos). Não era. A noite não tinha sido bem passada, o dia não estava melhor a ser dos melhores. No entanto, e quando houve o primeiro corte, João Almeida conseguiu ir no grupo de 11 que discutiriam entre si a etapa. Após o ataque de Carapaz, que levou Bardet e Mikel Landa consigo, conseguiu fechar espaço com uma distância que chegou a ser de 14 segundos. Depois de mais um ataque de Bardet, voltou a fechar. Só não teve pernas para o sprint que até podia ter sido seu mas já tinha ganho o dia. E, mais uma vez, não estava bem. No segundo grande teste, conseguiu afirmar-se.

Neste dia de paragem, esta segunda-feira, os holofotes continuaram centrados sobretudo em Juanpe López, que segurou a rosa e assumiu-se um candidato ao top 5 (quando muitos apontavam a top 10, o que já seria muito bom para o corredor da Trek), passaram por Carapaz, que foi quase “acalmando” os fãs da Ineos de que estava tudo bem, e foram a Mikel Landa, que se mostrava orgulhoso do que conseguira fazer mesmo depois de duas quedas. Mais uma vez, João Almeida voltou a sair um pouco do radar mediático – algo que o próprio até agradece, por querer apenas aparecer em corrida e nos momentos chave. Mas a inteligência com que geriu a sua condição no seu ritmo para fechar espaços ficou como aviso à concorrência.

Agora, como se esperava, eram dias para rolar. A começar pela ligação entre Pescara e Jesi, mais uma etapa com quase 200 quilómetros (196km) que só não seria discutida ao sprint se alguma fuga conseguisse furar as previsões de Groupama, Lotto, Quick-Step, UAE Team Emirates ou Intermarché, todas com ambições de colocarem os seus melhores sprinters na frente com essa dificuldade extra nos planos de haver uma subida muito perto dos quilómetros finais. Em condições normais, e havendo sempre essa pequena janela de oportunidade para bonificar e ganhar uns segundos, até sábado a classificação geral não deveria mudar, havendo depois em Turim e em Cogne duas etapas de montanha antes da última paragem. No entanto, tudo acabou por mudar e foram muitos dos candidatos a andarem na frente no final da tirada.

A décima etapa começou com o menu do costume: fuga inicial de três corredores (Alessandro De Marchi, Mattia Bais e Lawrence Naesen), uma vantagem que chegou a ser de cinco minutos de um pelotão que abrandou até ver um comboio de rosa e acelerar para lhe dar luta, uma homenagem a Michele Scarponi (italiano que ganhou o Giro em 2011 e morreu aos 37 anos atropelado num treino), um sprint intermédio ganho por Bais contra Naesen e De Marchi e que teve depois mais atrás Nizzolo a bater Démare, Girmay, De Gendt e Gaviria, uma queda que afetou Richard Carapaz (a relva amparou o impacto) e Caleb Ewan e levou a que o corredor da Lotto abandonasse, problemas mecânicos para Mathieu van der Poel.

A 50 quilómetros da meta, a desvantagem era já de pouco mais de dois minutos, sendo que os três da fuga inicial voltaram a ser os primeiros na contagem intermédia numa fase do percurso com milhares e milhares de pessoas nas ruas com balões, cartolinas e camisolas rosas. Alessandro De Marchi, aproveitando uma descida, tentou depois a fuga, ganhando uma margem de 40 segundos de Basi e Naesen que entretanto foram intercetados pelo pelotão a 25 quilómetros. O italiano também não demorou a ser apanhado e, antes do início da subida a pouco mais de 18 quilómetros, a fuga estava neutralizada e “começava” a etapa.

Arnaud Démare tentou assumir a corrida na frente mas perdeu-se no meio da confusão continuando na luta pelos lugares cimeiros, Tobias Foss voltou a tentar um ataque mas a Alpecin conseguiu encurtar pouco depois o espaço, a Ineos a proteger bem Carapaz, Rui Costa a deixar-se cair depois de um grande trabalho mas com Formolo ao lado de João Almeida também entre os da frente. Foi a Ineos que no final da subida assumiu a corrida, João Almeida andou sempre no top 10 nessa fase, o companheiro Alessandro Covi foi para a frente partir mais um pouco o grupo, Bardet e Carapaz colocaram-se também na luta.

Começava aí o festival dos ataques. Nibali, Simon Yates, Ciccone, Mathieu van der Poel, Mauro Schmid. Todos eles a tentar algo que permitisse uma distância suficiente para depois poder explorar um bom final numa descida que ainda provocou um susto a Girmay mas que não era assim tão técnica. E seria mesmo o corredor da Eritreia a fazer história, tornando-se o primeiro africano negro a ganhar etapas numa grande volta batendo van der Poel ao sprint. Já João Almeida acabou na nona posição, fazendo o seu 23.º top 10 numa grande volta, um feito apenas superado nesta fase pelo esloveno Primoz Roglic. Kelderman, Carapaz, Bardet ou Pello Bilbao também entraram entre os dez primeiros classificados da tirada.

Na classificação geral, e apesar de uma etapa bem mais movimentada do que previsto, tudo igual: Juan Pedro López a conservar a camisola rosa, João Almeida a manter o segundo lugar a 12 segundos, seguindo-se Romain Bardet (14”), Carapaz (15”), Jai Hindley (20”), Guillaume Martin (28”), Mikel Landa (29”), Pozzovivo (54”), Buchmann (1.09) e Pello Bilbao (1.23). Valverde continua à porta do top 10 (1.23).